Brasília (DF), 03/08/2023, Sessão solene de posse do novo ministro da Corte, Cristiano Zanin, no Supremo Tribunal Federal (STF). Na foto o presidente Lula cumprimenta o novo ministro Zanin. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) marcava cinco votos a favor da descriminalização do porte de maconha (até 60 gramas) para uso pessoal, quando veio o primeiro voto contrário. Não de um dos dois ministros indicados por Bolsonaro, mas do recém-empossado Cristiano Zanin, nomeado por Lula. A sessão foi suspensa a pedido de André Mendonça e ainda não tem data para ser retomada.

A decisão do ex-advogado de Lula é ainda mais absurda levando-se em conta o contexto em que se dá. Num momento em que chacinas policiais empilham corpos de jovens pretos e pobres nas periferias do país, sob a justificativa hipócrita da guerra ao tráfico, o tema da descriminalização ganha ainda mais peso. Mas não para o Zanin.

Contra os pobres…

Aliás, se tem algo que Cristiano Zanin parece não se importar é com os pobres. Outra decisão deplorável do ministro foi a de manter a condenação de dois homens acusados de furto. Os itens supostamente surrupiados: um macaco de carro e dois galões de combustível no valor de R$ 100. Zanin ignorou o pedido da Defensoria Pública para o reconhecimento do princípio da insignificância (que releva ou rebaixa penas para crimes envolvendo valores muito baixos) e achou por bem manter esses perigosíssimos elementos apartados da sociedade.

Por certo, o ministro não deve considerar perigosos o trio de bilionários que fraudou R$ 40 bilhões dos caixas das Americanas, causando milhares de demissões e prejudicando inúmeros fornecedores, principalmente os pequenos. Tampouco deve achar perigoso que esse mesmo trio, Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, não só estejam livres, leves e soltos, como no comando do sistema elétrico brasileiro, à frente da Eletrobrás privatizada no momento em que o país volta a ter apagão.

E as LGBT’s

Mas a aversão de Cristiano Zanin não se resume a pobres e negros. O ministro novato foi também o único da Corte a votar contra a equiparação da LGBTQIA+fobia à injúria racial. Desde 2019, o STF (que felizmente ainda não tinha Zanin), equiparou o crime de racismo ao de homofobia e transfobia.

Esse novo julgamento foi suscitado pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), que questionou o tribunal sobre os casos individuais de ataques ou ofensas à comunidade LGBTI. Isso porque o crime de racismo se refere a um ataque aos negros de forma geral, quando ele ocorre contra alguém em específico, tem-se o crime de “injúria racial”. A associação exigia o óbvio, que o mesmo critério fosse aplicado no caso de homotransfobia.

Tão óbvio e básico que nem mesmo o pastor “terrivelmente evangélico” e bolsonarista André Mendonça votou contra, mas se declarou “impedido”. Zanin não, foi lá e votou contra. Felizmente, o STF confirmou a decisão e equiparou esses crimes por 9 votos a 1.

Mas ainda não acabou. Se Zanin odeia pobre, preto e LGBTI, por certo ele não deve ter uma opinião, digamos, muito enaltecedora em relação aos direitos das mulheres, não é? Pois é, na sabatina a que foi submetido no Senado antes de assumir como ministro, respondeu da seguinte forma quando perguntado sobre aborto: “o direito à vida está expressamente previsto no artigo 5, caput, da Constituição Federal“. E prosseguiu: “temos que enaltecer o direito à vida, porque aí estaremos cumprindo o que diz a Constituição da República”. Um estranho conceito de “direito à vida” que ele parece não reconhecer a negros, pobres e LGBTIs.

Muitos surpresos, mas não a direita

Se muitos petistas, ou mesmo eleitores de Lula, ficaram surpresos com esse surto reacionário do ministro empossado por Lula, o mesmo não se pode dizer da ultradireita. O deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) líder da bancada evangélica, lembrou de conversa que teve com o então candidato à Corte: “Ele disse de forma clara e definitiva isso: ele, além de ser homem de família, tinha as convicções dele em defesa de uma sociedade saudável“.

Lembrando que, na própria sabatina do Senado, a agora senadora Damares Alves se derramou em elogios a Zanin: “gosto muito dele como pessoa“.

O bolsonarismo, por sua vez, comemora nas redes sociais, esquecendo até mesmo o “ex-ministeriável” Sérgio Moro que, muitos acreditam, não teria desempenho tão satisfatório à extrema direita nesse tão sonhado, e frustrado, sonho de vestir a toga.

Lula errou?

A repercussão dos votos de Zanin faz com que muitos apontem o “dedo podre” de Lula na escolha de ministros do STF. A verdade, porém, é que foi justamente para isso que Lula o nomeou. Ninguém pode dizer que o presidente não o conhecia. O sogro e ex-sócio de Zanin é amigo de décadas de Lula, e foi isso que os aproximou.

A projeção de Zanin ocorreu na defesa de Lula durante a Lava Jato e o seu perfil “garantista” o fez cair na graça do Congresso Nacional, do bolsonarismo ao petismo. Mas, na periferia onde jovens negros são trucidados pela PM, e nas ruas onde trans são agredidas e assassinadas, não existe “garantismo”. A política do Governo Federal, e o fato de o governo petista da Bahia ter a polícia que mais mata no país, mostram, além de tudo, que a defesa da juventude negra não é mais importante, para eles, que a defesa jurídica dos políticos.

Mais uma mostra que a classe trabalhadora, a juventude e o povo pobre e oprimido não podem ter a mínima confiança no STF e nessa justiça burguesa, incluindo aí eventuais paladinos dessa democracia dos ricos e que, ao fim e ao cabo, cumprem o papel de mantenedores e protetores desse regime e desse sistema capitalista de exploração e opressão.

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