Redação

Junho de 2013 irrompeu como um vulcão, liberando forças e contradições há muito represadas e abalando as estruturas do país. Maior explosão social e política desde a redemocratização, no início dos anos 1980, a jornada não apenas estremeceu os governos em todas as esferas, mas implodiu a chamada Nova República, chacoalhando o regime político do pós-ditadura.

A erupção foi precedida por tremores, como as greves operárias nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado pelo PT, ou da educação pública no ano anterior. Sinais de um crescente mal-estar que fermentava por baixo e transformava o país numa verdadeira panela de pressão.

Estopim

Junho começou com as manifestações organizadas pelo Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento das tarifas do transporte público em São Paulo, de R$ 3 para R$ 3,20. Inicialmente convocados pelas redes sociais, os protestos iniciaram com algumas poucas milhares de pessoas, foram ganhando corpo e invariavelmente enfrentaram uma violenta repressão policial.

De Paris, o então governador Geraldo Alckmin (PSDB), junto com o prefeito Fernando Haddad (PT), na companhia do então vice-presidente Michel Temer (PMDB), atacaram as manifestações e exigiram mais repressão. Editoriais dos principais jornais, como Folha e Estadão, ecoaram esse pedido e instigaram a polícia contra os manifestantes. Mesmo assim, os protestos conquistavam cada vez mais apoio popular.

Tornou-se “meme” a enquete do apresentador do Brasil Urgente, José Luiz Datena, questionando de forma enviesada: “Você é a favor de protesto com baderna?” O “sim” ganhou de lavada, e o apresentador foi obrigado a, no ar, mudar seu discurso de criminalização dos atos. 

Explosão

O dia 13 de junho sinalizou uma inflexão por meio de uma reação das massas à repressão. Atendendo aos pedidos da imprensa e dos governos, a Polícia Militar de São Paulo atacou de forma gratuita e selvagem a manifestação pacífica que se dirigia à Avenida Paulista. 

Durante horas, os manifestantes foram literalmente caçados, agredidos e detidos pelo centro da cidade, incluindo os próprios profissionais da imprensa. A brutalidade policial desatou uma enorme onda de indignação, que serviu como fermento para os protestos contra o aumento da tarifa que também já aconteciam em outras capitais, como Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

O rechaço à repressão foi incorporado a uma pauta que se ampliava cada vez mais, à medida que as manifestações ganhavam força e se nacionalizavam. Os cartazes contra o aumento da tarifa começaram a dividir espaço com outros exigindo educação e saúde públicas e contra os políticos e as instituições. A massificação dos protestos foi o estouro de uma panela de pressão que revelou o descontentamento e a insatisfação que fervilhavam por baixo.

Brasília (DF) – Protestos de junho de 2013, dez anos depois; manifestações em Brasília (DF) – Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
Leia também

A trilha da rebelião

Perfil dos manifestantes: contradições de um país desigual

O perfil dos manifestantes que tomaram as ruas evidencia a contradição vivida pelo país nos anos anteriores: majoritariamente jovem, empregado, mas de baixa renda e com relativa alta escolaridade. 

Expressões de uma juventude que, a duras penas, conseguia um nível de estudos superior ao de seus pais, mas não encontrava emprego compatível no mercado de trabalho. Uma camada de jovens submetida ao subemprego, à precarização e aos baixos salários.

As reivindicações que se seguiram à da redução da tarifa mostravam uma enorme insatisfação com os serviços públicos. Refletia um país que, após anos de crescimento econômico, que enriqueceu ainda mais o agronegócio, os banqueiros e os bilionários, durante o boom das commodities (matérias-primas e recursos naturais, agrícolas ou minerais) nos governos do PT, mantinha uma avassaladora desigualdade social e serviços públicos à míngua. 

Raio-X dos manifestantes

Idade

De 14 a 24 anos: 43%
De 25 a 39 anos: 38%
Acima de 40: 19%

Fonte: Pesquisa Ibope em oito capitais, em 20/6/2013

Renda familiar

Até 2 salários mínimos: 15%
De 2 a 5 salários mínimos: 30%
De 5 a 10 salários mínimos: 26%
Mais de 10 salários mínimos: 23%

Fonte: Pesquisa Ibope em oito capitais, em 20/6/2013

Escolaridade

Ensino médio incompleto: 8%
Ensino médio completo e superior incompleto: 49%
Superior completo: 43%

Fonte: Pesquisa Ibope em oito capitais, em 20/6/2013

Estão no mercado de trabalho

Oito capitais: 76%
Rio de Janeiro: 70%
Belo Horizonte: 71%

Fonte: Ibope, Plus Marketing e Innovare

Bandeiras que levaram os manifestantes às ruas

– Defesa do transporte público: 37,6%
– Contra a corrupção/desvios, insatisfação com governantes e por mudanças: 29,9%
– Saúde: 12,1%
– Contra a PEC 37 (*): 5,5%
– Educação: 5,3%
– Gastos com a Copa: 4,5%
– Contra a violência policial: 1,3%
– Por Justiça/Segurança Pública: 1,3%

(*) A Proposta de Emenda Constitucional escancarava a impunidade ao defender que o poder de investigação criminal fosse exclusivo das polícias federal e civis, retirando essa atribuição de alguns órgãos, sobretudo do Ministério Público (MP).

Fonte: Pesquisa nacional divulgada pelo Ibope em 23/6/2013

Identificação política

Esquerda: 22%
Centro-esquerda: 14%
Centro: 31%
Centro-direita: 11%
Direita: 10%

Fonte: Datafolha, 20/6/2013

Ecos da crise mundial e da entrega do país

O ano de 2013 nos mostrava outro país. A crise capitalista mundial que explodiu em 2007 desnudava, assim, outro Brasil, mascarado pelo boom do período anterior: um país mais reprimarizado (centrado na exportação de commodities), privatizado e muito mais desindustrializado, como reflexo dos quase trinta anos de Nova República e neoliberalismo. 

Um país totalmente submisso ao imperialismo e rebaixado na divisão mundial do trabalho, em franco processo de recolonização, que alterava todas as classes sociais.

Ao mesmo tempo, foi o período em que mesmo esse crescimento se desacelerava, e o país imbicava numa nova crise, com a inflação dos alimentos pressionando mais ainda a renda.

Junho de 2013 escancarava principalmente o rechaço às instituições da democracia burguesa, expressas nos prédios públicos, alvos da fúria dos manifestantes, desde as prefeituras das pequenas cidades até o Planalto, passando por qualquer edifício que simbolizasse poder.

Avanços e limites

Esse processo de conflagração social e explosividade só foi possível porque se deu por fora das organizações tradicionais, tanto estudantis quanto sindicais, como a UNE, a CUT e as demais Centrais que, na época, eram correias de transmissão do governo Dilma. Um processo tão violento que impediu que essas organizações fizesse aquilo que era, e sempre é, sua maior especialidade: conter lutas e institucionalizá-las. 

Iniciativas importantes de articulação foram desenvolvidas, como o Bloco de Lutas, em Porto Alegre, ou o Fórum de Lutas, no Rio de Janeiro. Mas a ausência de organização nacional e, mais do que isso, a aversão a qualquer tipo de organização por parte de amplos setores (uma concepção herdada de processos como os do Indignados, na Espanha) deixaram todo aquele poderoso ascenso sem estratégia e, menos ainda, uma direção que pudesse apontar um caminho para o enfrentamento ao regime e ao sistema. As organizações de oposição de esquerda ao governo, muito pequenas, não conseguiram cumprir esse papel.

Leia também

Especial Junho: O que foi feito do Junho de 2013?