Metalúrgico é obrigado a se despir em hipermercado. Reprodução
Cláudio Donizete, do ABC Paulista

Cláudio Donizete, Secretaria Nacional de Negras e Negros do PSTU

Aconteceu novamente. Luís Carlos Silva, um homem negro que frequentava o hipermercado Assaí, em Limeira, no interior de São Paulo, foi brutalmente abordado, acusado por um suposto roubo e vexatoriamente revistado em público, no meio da loja, pela segurança e gerência do hipermercado.

Essa é mais uma das violações cometidas contra um homem negro e humilde da nossa classe. Essa é mais uma das expressões do racismo presente todos os dias em nossas vidas. E mais um exemplo lamentável da necessidade de combatê-lo com urgência!

“Tira, tira, porque tem coisa embaixo da sua roupa”

Foi com esses gritos que os seguranças do hipermercado Assaí abordaram o metalúrgico Luiz Carlos da Silva, de 56 anos, que ainda procura entender o que ocorreu na ultima sexta-feira. A cena foi registrada por diversas filmagens feitas por clientes do supermercado que, com indignação e ao mesmo tempo solidariedade à vítima, ampararam Luiz Carlos prontamente.

O metalúrgico, como a maioria das pessoas de nossa classe, passava pelo hipermercado para fazer uma pesquisa de preços, buscando driblar a alta vertiginosa do preço dos alimentos no Brasil.

Luiz Carlos descreveu a truculência da abordagem de forma emocionada e indignada: “’Tira, tira, porque tem coisa embaixo da sua roupa’. Mandaram eu ir para um canto e tirar a blusa de frio e, depois, a camiseta para me revistar. Eles falaram que eu estava escondendo algo, mas nem com bolsa eu estava”, declarou o metalúrgico ao portal FolhaPress, em 10 de agosto.

Quando viram que não tinha nada, eles continuaram olhando desconfiados. Daí, abaixei a calça para mostrar que eu não tinha nada escondido (…). Eles pediram para que eu fosse até uma sala reservada e eu falei que não iria. Porque vai que eles colocassem alguma coisa lá e falassem que eu havia roubado. Como eu ia provar que não? Por isso fiquei ali na saída do mercado mesmo“, lembrou, ainda, constrangido.

E, por fim, desabafou: “Eu fiquei desesperado. Tinha muita gente no mercado porque era dia de pagamento e muitas pessoas estavam saindo de lá sem comprar nada e o único que foi abordado fui eu!”. Depois de tudo isso, pelas imagens Luiz Carlos começou a chorar e foi amparado por clientes que presenciaram e registravam a lamentável cena.

Luiz Carlos relatou, ainda, que essa foi a primeira vez que esse tipo de situação aconteceu com ele. “Foi a primeira vez que aconteceu isso na minha vida. Eu não preciso roubar nada de ninguém, eu trabalho e não preciso disso. A gente vê essas coisas na televisão e pensa que é mentira, mas acontecem mesmo“, acrescentou, afirmando não ter dúvidas de que sua truculenta abordagem foi motivada pelo racismo e pelo fato de estar vestido como é típico nas periferias, com boné e blusa de frio.

Os crimes racistas são recorrentes em redes de hipermercados

Certamente estimulados pelo discurso racista, machista, LGBTfóbico e reacionário do governo Bolsonaro, mas também ecoando fortemente séculos de opressão racial num país marcado por séculos de escravidão, episódios deprimentes como este têm se repetido com uma insuportável freqüência nos últimos anos.

Em 2019, um jovem negro de 17 anos que foi amordaçado, chicoteado e torturado, em 2019, por furtar uma barra de chocolate no supermercado Ricoy em São Paulo. Em julho de 2020, o jovem Alan Silva Braz, 24 anos, acusou a unidade atacadista Assaí do Jardim Rosina, em Mauá, no ABC Paulista, lembrando que, após sair do trabalho, foi até o local e, ao se deparar com uma longa fila lotada, decidiu ir embora. No entanto, ao sair em direção ao estacionamento, foi surpreendido por dois seguranças, que diziam ter recebido denúncia de que ele portava arma de fogo.

Também é impossível não lembrar de João Alberto, homem negro assassinado por seguranças do Supermercado Carrefour, em Porto Alegre (RS), às vésperas do Dia da Consciência Negra, no ano passado.

Em 2021, o primeiro ataque aconteceu ainda em janeiro, quando o jovem Yagoh Jesus, que também é negro, usou suas redes sociais para denunciar perseguição explícita por seguranças pelos corredores na mesma rede atacadista Assaí, desta vez no Rio de Janeiro. Em abril, Bruno Barros, de 29 anos, e Ian Barros, 19, tio e sobrinho, foram assassinados em Salvador (BA). O motivo? Acusados de roubarem cinco quilos de carne do supermercado Atakarejo.

ASSAÍ é condenado por LGBTfobia no ambiente de trabalho

Em outubro de 2019, Udson Mafra Sbrana, 34 anos, operador de caixa e ex-funcionário da rede atacadista alegou que, por ser homossexual, e em razão de sua “voz fina”, era alvo de chacotas, piadas e ataques diários, e entrou com um processo por danos morais.

De forma bastante excepcional para este tipo de casos, uma decisão por maioria da 8ª turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), determinou que a empresa Assaí Atacadista teria que de indenizar Sbrana em R$ 30 mil, por danos morais, em decorrência da constatação de uma série de humilhações e casos de hostilização.

Raro no que se refere a casos de LGBTfobia (e, também, machismo), o resultado do processo é ainda mais difícil quando a vítima é negra, como foi constatado em uma matéria do “Estadão”, publicada em 24 de novembro de 2020: “Em casos famosos de violência contra negros em supermercados, a maioria dos agressores segue sem punição e as empresas não foram responsabilizadas na Justiça. É o que mostra levantamento em outros processos em que as vítimas foram torturadas, agredidas ou mortas por funcionários das lojas.

Setores do movimento negro têm que romper com esses capitalistas e racistas

No capitalismo, crimes raciais como este são tão banalizados que não só não afetam a “imagem” e o lucro das empresas, como, ao que parece, até os estimulam, basta lembrar que as ações do Assaí na Bolsa de Valores subiram 3,46% nesses últimos dias. Isso é a demonstração cabal que, sem colocar abaixo esse sistema explorador e opressor, não acabaremos com o racismo e os crimes decorrentes dele.

A Rede Assaí Atacadista faz parte do Grupo Pão de Açúcar Alimentar no Brasil e Casino na França (que inclusive é denunciada de beneficiamento no comércio de carne em terras indígenas desmatadas e griladas no Brasil), contando com 176 lojas pelo Brasil e em forte ritmo de expansão. E hipocritamente diz em seu site: “…Somos uma empresa que zela pela simplicidade, valoriza o Ser Humano e acredita no poder da diversidade e inclusão. Para nós, o crescimento de Nosso Negócio só é válido se a Nossa Gente crescer junto.”

Como os fatos lamentavelmente comprovam, essa frase não corresponde à prática recorrente de exploração, opressão racista e LGBTfóbica. Luiz Carlos da Silva foi apenas a vítima mais recente de uma empresa que despreza e humilha “gente simples” e assedia, oprime e reprime seres humanos em função de sua raça ou orientação sexual.

Coalizões com os capitalistas não podem garantir nossas vidas

Quando do assassinato de João Alberto, o Carrefour instaurou comitê de figuras do movimento negro (entre outros) para, supostamente, mediar essas situações racistas. Entre eles estavam Rachel Maia, Adriana Barbosa, Celso Athayde, Silvio Almeida, Anna Karla da Silva Pereira, Mariana Ferreira dos Santos, Maurício Pestana, Renato Meirelles e Ricardo Sales, que formaram um grupo que se propõe a pensar políticas antirracistas para a empresa.

Mas, o fato é que não existe burguesia antirracista. Os recorrentes episódios evidenciam que estamos diante de uma questão de raça e classe. Basta ver que os empresários sempre colocam seus lucros acima da defesa da vida dos trabalhadores negros. E quando o movimento negro e seus ativistas fazem “parcerias” como estas com as empresas burguesas, ao contrário de combater o que estes setores chamam de “racismo estrutural”, eles estão, na verdade, contribuindo para a perpetuação do sistema que perpetua e instiga o racismo: o capitalismo.

O mesmo pode ser dito sobre outro tipo de iniciativa que redes como Assaí, também em colaboração com setores dos movimentos negros, têm adotado na tentativa de se isentar de suas ações racistas perante o julgamento público, como a doação de cestas básicas.

Não só é incoerente que os movimentos aceitem tais doações, como também, em nossa opinião, é uma atitude altamente danosa no combate a esses crimes. O poder econômico passa a ter como aliados setores que deveriam ter delimitação de classe, tanto com a exploração quanto com a opressão recorrente e sistêmica desses setores capitalistas. Por isso, defendemos que é necessário rever e romper essa lógica. É preciso por um basta neste ciclo de cooperação e cooptação das direções do movimento negro no Brasil e no mundo.

Desenvolver uma verdadeira rede de solidariedade de classe entre as entidades sindicais, do campo e da cidade, movimentos sociais e estudantis é mais do que necessário, é fundamental para alem de superar a fome e a miséria que assola nosso povo, podermos educar nossa classe com métodos próprios e de superação do racismo e exploração capitalista. E buscar e construir uma saída classista e socialista com nossa gente de superação desse sistema.

Punição e prisão a todos os responsáveis por esses crimes bárbaros

Para reverter essa violência é necessário um forte combate à impunidade que caracteriza todas essas abordagens criminosas e racistas. Da mesma forma que é preciso travar um combate sem tréguas à exploração dos trabalhadores, que permite que estas empresas continuem lucrando absurdamente, em plena pandemia. Lucros sintonizados com as altas taxas de desemprego e o superinflacionamento dos preços dos alimentos, enquanto boa parte da população vive em insegurança alimentar ou passa fome.

Por isso é importante confiscar os bens e expropriar essas empresas, como exigência de parte da reparação necessária em decorrência dos crimes racistas e bárbaros cometidos, com a anuência desses empresários e grupos econômicos.

É preciso indenizar exemplarmente seus familiares. E prender todos os responsáveis, a começar pelos empresários, por essa barbárie imposta e praticada pelos capitalistas, condenando-os por crime contra a humanidade e de racismo.

Não podemos seguir vendo as estatísticas das mortes de jovens negros subirem, cada vez mais, ano após ano, oprimindo e marginalizando, mais e mais, os negros, negras e pobres nas periferias do Brasil. Precisamos construir uma saída socialista e de classe a exploração e todas as formas de opressão.