No começo de outubro, as imagens de enormes tempestades de poeira atingindo cidades no interior de São Paulo trouxeram pavor e perplexidade. As primeiras imagens mostravam as cidades paulistas de Franca e Ribeirão Preto sendo engolidas por uma gigantesca muralha de poeira. Dias depois, o fenômeno se repetiu em outras cidades, como Presidente Prudente e Araçatuba, no Oeste paulista. Dessa vez, pelo menos cinco pessoas morreram devido à tempestade.

Depois, cidades da região Nordeste de Mato Grosso do Sul também foram atingidas pelas nuvens de poeira, o mesmo tendo acontecido na capital, Campo Grande. Alguns dias depois, a nuvem de poeira chegou ao Mato Grosso, atingindo cidades como Rondonópolis.

Esse tipo de fenômeno tem nome, chama-se “haboob”, uma palavra árabe que designa as grandes tempestades de areia que ocorrem no deserto do Saara, no norte da África, e outros desertos mundo afora. Só que em São Paulo, e em todo o Brasil, não há deserto algum.

Afinal, qual é a explicação para o fenômeno? Ele é natural ou é mais uma consequência da devastação do meio ambiente?

Uma longa estiagem

As tempestades de poeira ocorrem por uma conjunção de fatores. O primeiro deles está relacionado à grande seca que atingiu o Brasil, particularmente as regiões Sudeste e Centro-Oeste, o que ameaça, inclusive, provocar uma crise energética, uma vez que os níveis dos reservatórios das usinas hidroelétricas dessas regiões são os mais baixos dos últimos 21 anos.

No dia 15 de outubro, o armazenamento médio nos reservatórios era de 16,86%, índice inferior, inclusive, ao registrado na mesma data, em 2001 (21,4%), quando vigorava um racionamento de energia no país. Nas áreas mais afetadas pelas nuvens de poeira, não chovia há mais de três meses.

Desmatamento da Amazônia

O prolongamento da estação seca nessas regiões pode estar relacionado ao desmatamento da Amazônia. Sabemos que a floresta produz quase metade de sua precipitação e uma parte significativa dessa umidade é transportada por ventos de baixa superfície para o Centro-Oeste e Sudeste do país. São os chamados “rios voadores”. A intensificação do desmatamento diminui a massa de ar úmido produzido pela floresta tropical e, consequentemente, diminui as chuvas nessas regiões.

De onde vem tanta poeira

Neste período do ano, com o fim da estiagem, é comum que grandes massas de ar frio, vindas do sul do continente, entrem nessas regiões do Brasil. Ao se chocarem com grandes massas de ar quente, elas produzem grandes tempestades e ventos de aproximadamente 100 quilômetros por hora. Foi esse fenômeno natural que atingiu o interior de São Paulo e o Mato Grosso do Sul e levantou a poeira seca do solo, produzindo as imagens apocalípticas que vimos.

No entanto, a origem de toda essa poeira não é nada natural. Ela está relacionada com forma de ocupação do solo. E isso é um fenômeno social.

Em toda a região afetada pelas tempestades predomina o monocultivo de cana-de-açucar e de soja. São áreas onde se encontra o tipo de solo mais fértil que existe no país, o Nitossolo Vermelho, popularmente conhecido como “Terra Roxa”. Mas a sua fertilidade natural não é apenas desperdiçada em monocultivos voltados para a exportação (ao invés de produzir alimentos para o consumo), como também este solo é sistematicamente degradado por técnicas de produção arcaicas.

Por exemplo, quando a tempestade atingiu o interior de São Paulo, a maior parte dos solos estava exposta, sem proteção do calor e dos ventos e, também, suscetível à degradação. Pior ainda, a maioria dos usineiros revolve o solo para o plantio (causando ainda mais degradação), aplicam fertilizantes químicos e realizam queimadas para abrir espaço para novos cultivos.  O que resta é uma poeira seca, avermelhada, carregada com muita fuligem e produtos tóxicos, que são facilmente carregados pela ventania, formando as tempestades de poeira (e de tudo mais que se possa imaginar) que engoliram as cidades.

Desmatamento e recolonização

Em uma rápida pesquisa no “Google Earth” é fácil notar que praticamente não existem mais áreas de mata nativa nas regiões atingidas pelas tempestades de poeira. Há menos de 100 anos atrás, toda essa região era coberta por uma densa floresta ou por campos de cerrado.

Mas, agora, tudo cedeu espaço para a cana-de-açúcar ou para soja, que não pararam de crescer, na medida em que o Brasil foi sofrendo um processo de recolonização e se converteu em um exportador de commodities (produtos em estado bruto, utilizados como matéria-prima). Sem mata, os solos ficam ainda mais expostos e mais secos. Sem cobertura florestal, não há nada que possa servir como um obstáculo para a ventania.

Aquecimento global

Tudo isso não foi causado pela natureza. É resultado de décadas de expansão territorial da agricultura capitalista e da condição subalterna do Brasil na ordem mundial. Mas, a situação pode piorar consideravelmente no futuro. O aquecimento global é uma realidade e pode ter efeitos catastróficos no Brasil, particularmente nas regiões Centro-Oeste e Sudeste.

De acordo com o último relatório do IPCC (o painel da ONU para mudanças climáticas), divulgado em agosto, essas regiões poderão enfrentar grandes ondas de calor, que inviabilizariam a agricultura (inclusive, do próprio agronegócio) e tornariam as condições de vida insuportáveis. Ou seja, a irracionalidade do capitalismo é tamanha que o próprio sistema ameaça destruir as condições naturais para sua própria reprodução.