Hertz Dias

Membro da Secretaria de Negros do PSTU e vocalista do grupo de rap Gíria Vermelha

Foi com muita indignação que recebemos a notícia de que o homem negro e professor Keenan Anderson, de 31 anos, foi brutalmente assassinado pela polícia de Los Angeles, na Califórnia (EUA), no dia 3 de janeiro. Apesar da demora na divulgação do caso, o episódio tem ganhado repercussão em função de dois fatos.

Primeiro, Anderson era primo de Patrisse Cullors, uma das fundadoras do “Black Lives Matter” (BLM, “Vidas Negras Importam”), movimento que dirigiu as rebeliões antirracistas nos Estados Unidos ocorridas em março de 2020, em repúdio ao assassinato de George Floyd, também praticado pela polícia. Além disso, ele foi a terceira vítima fatal da violência racista e policial em Los Angeles, em apenas 24 horas, entre os dias 2 e 3 de janeiro, quando também foram assassinados Oscar Leon Sanchez (35 anos) e Takar Smith (45).

Keenan Anderson, Oscar Leon Sanchez e Takar Smith: três negros e/ou latinos assassinados em 24 horas pela polícia de Los Angeles

A crueldade racista de sempre diante de mais um grito por socorro

Keenan havia se envolvido em um acidente automobilístico e solicitou ajuda por diversas vezes, até que chegou a polícia. Ele chegou conversar com alguns policiais, mas, logo, chegaram outros e ele, com medo, resolveu correr. Os policiais perseguiram a vítima, o imobilizaram e detonaram, por diversas vezes, o “taser” (arma de choque da polícia).

Nas imagens da câmera corporal dos policiais, divulgadas apenas na quarta-feira passada, dia 11, é possível ouvir as súplicas desesperadas de Anderson: “Socorro, eles estão tentando me matar”, “Por favor, não façam isto” e “Não façam comigo o que fizeram com George Floyd”, foram algumas de suas últimas palavras.

Nas primeiras investidas, a arma teria atingido o aparelho odontológico de metal usado por Anderson, enviando 50.000 volts através dos fios diretamente para a sua pele. Em seguida, um policial pressionou o “taser” contra as costas de Anderson, à esquerda da sua coluna vertebral, próximo ao seu coração. Quatro horas depois, Anderson teve uma parada cardíaca e faleceu, entrando para a lista de mais uma vítima da violência racista da polícia dos Estados Unidos.

Ao vermos as imagens e os apelos de Anderson, é impossível não comparar com as de George Floyd, João Alberto (espancado até a morte no estacionamento Carrefour de Porto Alegre) ou de Genivaldo dos Santos, torturado e morto friamente em Sergipe por membros da Polícia Rodoviária Federal, que transformaram a mala de uma das suas viaturas em câmara de gás destinada ao genocídio negro.

Semelhanças nada casuais, pois, apesar das diferenças existentes entre as burguesias do Brasil e dos Estados Unidos, o caráter racista e genocida desses aparatos repressivos é cada vez mais violento e similar.

A denúncia veio com atraso, mas as mobilizações não podem esperar pelas próximas eleições

Diferente do que aconteceu no caso George Floyd – um episódio que gerou denúncia, comoção e explosão quase que imediatas – o caso Anderson ficou quase duas semanas sem maior repercussão.

Não é possível identificar com certeza os motivos para tal silenciamento. Há hipóteses, contudo. Dentre elas, o fato de a polícia só ter liberado as imagens no dia 11, certamente para tentar evitar que novas rebeliões semelhantes às do caso de George Floyd estourassem no coração do capitalismo mundial.

Além disso, e lamentavelmente, também não podem ser desconsiderados problemas inerentes aos rumos dos movimentos negros dos EUA e que, também, não são exclusividade daquele país.

Por exemplo, há de se considerar as expectativas criadas em torno das ações da prefeita de Los Angeles, Karen Bass, uma mulher negra, do Partido Democrata, conhecida, no passado, pelo seu ativismo e, inclusive, por ser uma das autoras de uma proposta de lei federal (ainda não aprovada), que leva o nome de “Decreto George Floyd por Justiça no Policiamento”, destinado a restringir a violência policial e punir os agentes responsáveis.

Mas o fato é que Bass não tem ultrapassado os costumeiros discursos em defesa de “reformas” no sistema e solidariedade com as vítimas. Contudo, nem de longe, isto também seria motivo para evitar que as organizações antirracistas denunciassem o caso, ainda mais considerando que a vítima era primo de uma das lideranças do “Black Lives Matter”.

Não é hora de nos calarmos! Vidas negras importam!

Mas, é exatamente aí que, também, deve residir outra provável razão para o silêncio. Patrisse Cullors, prima de Anderson e cofundadora do BLM, tem estado praticamente reclusa desde que se afastou da direção executiva da Fundação Rede Global “Black Lives Matter”, em maio de 2021, depois de uma série de denúncias por uso indevido e desvio de verbas do movimento para compra de imóveis milionários e outras atitudes repudiáveis.

De qualquer forma, isso não tem absolutamente relação alguma com o seu primo, que foi vitima letal de racismo policial. George Floyd, por exemplo, era ex-presidiário e utilizava notas falsas, possivelmente sem saber, para comprar cigarros. Mas, nada disso justifica a forma como foi morto e, muito menos, impediu a denúncia do caso, que emparedou a burguesia dos EUA. E nem poderia. Afinal, vidas negras importam!

O mais provável é que a relação do BLM, tanto com a prefeita Karen Bass quanto com o governo Biden, tenha se transformado na principal mordaça do silenciamento do caso. É importante lembrar que as rebeliões antirracistas de 2020 estiveram entre os principais fatores que contribuíram para a vitória de Biden sobre o racista e supremacista Donald Trump, que se escondeu nos porões do Capitólio tão logo a rebelião ganhou as ruas.

Mais do que isso, o BLM e o Partido Democrata conseguiram canalizar toda aquela pulsante energia antirracista das ruas para as eleições burguesas, incluindo a incorporação de uma mulher negra, Kamala Devi Harris, como vice do atual presidente.

Contudo, como fica evidente nos três casos de negros e latinos mortos pela polícia, somente em Los Angeles, nada mudou. Para a burguesia e seus representantes políticos, tenham eles a face de Bass ou Biden, vidas negras continuam não valendo nada. Por isso, também nos EUA, é preciso, mais uma vez levantar as vozes e retomar o caminho das lutas.

Punição para os policiais envolvidos na morte de Keenan Anderson!

Retomar as mobilizações antirracistas com total independência dos governos!

Vidas Negras Importam!