Redação
Enquanto fechávamos esta edição, Lula e Alckmin estavam sendo diplomados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), encerrando oficialmente o ciclo eleitoral e permitindo a posse, em 1º de janeiro.
Manifestações golpistas em Brasília, com incêndio de automóveis, bloqueio e tentativa de invasão da sede da Polícia Federal, mostram que a extrema-direita de Bolsonaro vai permaneçer ativa, seja como oposição parlamentar ou, ainda, extra-parlamentar. Isso porque as condições econômico-sociais e políticas que permitiram seu surgimento seguem existindo e o governo Lula-Alckmin não irá combatê-las a fundo. Para isso, seria necessário enfrentar o sistema capitalista e organizar a mobilização e a autodefesa dos trabalhadores e trabalhadoras.
O governo Lula-Alckmin, que une do PSOL ao Centrão, não só não se propõe a combater o capitalismo, mas defendê-lo. Da mesma forma como não aposta na mobilização operária e popular, mas, ao contrário, joga suas fichas na desmobilização e no chamado para que os trabalhadores e suas organizações confiem e apoiem o novo governo, o sistema e essa “ricocracia”.
Sabemos que a classe trabalhadora, a juventude e os setores oprimidos depositam expectativas sobre o PT, com suas amplas alianças. O que é compreensível, ainda mais depois do governo Bolsonaro e sua política de terra arrasadae de constantes ameaças e medidas autoritárias.
Primeiros sinais
As primeiras medidas e articulações tomadas pela equipe de transição, porém, já apontam para o que será o governo Lula-Alckmin. Primeiro, um governo que, desde o início, tenta se construir como de “unidade nacional”, ampliando a já amplíssima Frente que disputou as eleições, tentando unificar todos os setores da burguesia e submeter os “de baixo” a essa unidade costurada pelos “de cima”.
Para a formação de sua base, o PT negocia com setores como o MDB (lembrando que parte já estava com ele), o PSD de Gilberto Kassab (que apoiou o bolsonarista Tarcísio, em São Paulo) e até mesmo o União Brasil, o partido fruto da fusão entre o PSL, que elegeu Bolsonaro, e o DEM.
Para a Câmara, o PT já declarou seu apoio à reeleição do atual presidente Arthur Lira (PP-SE). A articulação chegou ao cúmulo de incluir o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, procurado pelo PT para “ajudar” nas negociações, que comandou o impeachment de Dilma, foi preso por corrupção e fez vários ataques à comunidade LGBTI.
Já a articulação da PEC da Transição, que quando fechávamos esta edição tramitava na Câmara, após ter sido aprovada por uma esmagadora maioria no Senado, com os votos da base aliada bolsonarista, aponta para a manutenção dos pilares da atual política econômica.
Sob a chantagem da redução do Auxílio Brasil (que deve voltar a se chamar Bolsa Família), a PEC visa substituir o Teto de Gastos por outro mecanismo de arrocho fiscal e a perpetuação de uma política econômica responsável por transferir grande parte das riquezas produzidas pela classe trabalhadora para meia dúzia de banqueiros, via pagamento da dívida e outros mecanismos.
Um governo de unidade com Lira, o Centrão, o mercado financeiro, as multinacionais e setores do agro vai governar para que e para quem? Vai revogar a Reforma Trabalhista, parar as privatizações, garantir a desprivatização para reverter a degradação da Saúde e da Educação? Vai impor medidas que garantam empregos e direitos e que, necessariamente, contrariem os interesses das grandes empresas e do mercado?
Vai governar com e para a Faria Lima (avenida de São Paulo, símbolo capital financeiro), banqueiros, ruralistas, multinacionais, ou para os trabalhadores e trabalhadoras e demais setores oprimidos, sem perspectiva de futuro, nesse país tão desigual?
Debate
Qual projeto de país o governo Lula-Alckmin defenderá?
Parte do ascenso da nova ultradireita no mundo, Bolsonaro é expressão da crise capitalista, do aprofundamento da barbárie e do processo de entrega e destruição do país. Une, assim, um ultraliberalismo na política econômica com uma perspectiva autoritária. E terra arrasada no que se refere às políticas sociais, aos temas vinculados às opressões, ao meio ambiente e às populações originárias.
Se o governo Bolsonaro e Paulo Guedes defendeu o ultraliberalismo do ditador chileno Pinochet e da ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher, buscando impor o “modo barbárie explícita”, de incineração de qualquer direito ou política social e de destruição ambiental; o governo Lula-Alckmin pretende manter o sistema capitalista em sua forma atual, o mesmo modelo neoliberal que, igualmente, produz barbárie, mesmo que em marcha mais lenta ou dando políticas focalizadas e compensatórias, nos terrenos econômico e social, para segurar parte dos seus piores efeitos e assegurar a defesa da democracia burguesa.
Os programas sociais que o governo Lula-Alckmin defende estão muito longe de resolver os problemas sociais do nosso país. Amenizam algumas questões, mas, na verdade, o fazem aprofundando a decadência do país, a privatização dos serviços públicos e o processo de emprobrecimento, especialmente do proletariado e da pequena burguesia, e a desigualdade social, em benefício dos ricos.
É um programa destinado a governar o capitalismo em crise, tentando oferecer algumas concessões aos setores mais pauperizados e em aliança com o imperialismo de Biden (EUA), Macron (França), as multinacionais, inclusive as chinesas, o mercado financeiro e setores do agro.
E, por isso mesmo, o governo Lula-Alckmin não vai reverter o processo de recolonização do Brasil. Ou seja, não vai romper com o processo estrutural de submissão do país, responsável pela degradação e crise cada vez maiores pela quais passamos.
Um governo que não vai atacar os banqueiros. Pelo contrário, como já indica a PEC da Transição, que propõe manter a prioridade absoluta do pagamento da dívida, em detrimento dos investimentos sociais, perpetuando esse mecanismo que escoa grande parte da riqueza produzida pelos trabalhadores ao mercado financeiro. Da mesma forma, vai manter a exploração da classe, não vai taxar o grande capital e continuar jogando o grosso dos impostos nas costas dos trabalhadores e da classe média.
E isso numa crise estrutural e numa conjuntura bem distante daquela de 2003. Uma situação em que, para seguir governando e gerindo essa crise, e até mesmo para garantir eventuais concessões, o governo terá que, invariavelmente, atacar a classe trabalhadora de conjunto.
Dois projetos burgueses
O governo Lula-Alckmin será um governo burguês, com ainda menos concessões do que foram os governos anteriores do PT. Bolsonaro também representa setores do imperialismo, mas aqueles ligados à ultradireita, como Trump, além dos setores mais reacionários e predatórios do agro, das mineradoras, além da burguesia mais lúmpen, como Luciano Hang.
São dois projetos burgueses e o que se busca, agora, é uma tentativa de reequilíbrio e estabilidade. Não dando certo, vão recorrer a outra alternativa, seja de centro-direita, bolsonarista, ou qualquer outra alternativa autoritária da extrema-direita, que ainda continua na prateleira.
Oposição de esquerda
Os desafios colocados para a classe trabalhadora
O governo Lula-Alckmin será um governo burguês, representante do setor que, hoje, é majoritário no imperialismo, e que vai, em função de seus próprios limites, atacar a classe trabalhadora. A experiência dos governos ditos da “esquerda progressista”, como Boric (Chile), ou o recém-deposto Castillo (Peru), já mostraram que o que se reserva diante de um projeto desses é a frustração e a desmoralização.
Diante disso, é irresponsável o apoio e a confiança que setores da esquerda estão depositando neste projeto. Seja compondo diretamente o governo, como provavelmente fará o PSOL, seja apoiando-o “por fora”, como o PCB e a UP. Trabalham para ser o “grilo falante” do governo, como expressou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). Ou pior, como faz Boulos, que afirma que quem não apoiar Lula-Alckmin-Biden-Lira seria bolsonarista, querendo que a classe trabalhadora seja eterna refém do “mal-menor”.
Agem, assim, para que a classe fique passiva e desmobilizada, permanecendo atrelada a um governo e a um projeto burgueses e imperialistas.
A tarefa prioritária colocada para a classe trabalhadora neste momento é construir e fortalecer uma alternativa política, classista e independente a esses dois projetos burgueses. Ou seja, tanto a Lula-Alckmin quanto à ultradireita.
Uma alternativa que exija e chame a mobilização para a revogação completa das reformas Trabalhista e da Previdência. Que lute por emprego, salário, direitos e em defesa de carteira assinada para todos; que defenda Educação e Saúde totalmente públicas, gratuitas e de qualidade. Que se rebele contra as privatizações e por uma Petrobras 100% estatal. Que exija a suspensão do pagamento da dívida e não só o fim do Teto, como da Lei de Responsabilidade Fiscal, substituindo-a por uma Lei de Responsabilidade Social.
E, para isso, é fundamental avançar na mobilização e organização independentes da classe trabalhadora. Nesse processo, é necessário firmar uma oposição de esquerda ao futuro governo, que seja referência de luta aos setores que romperem com ele. Para tal, também é preciso estar à frente da luta e do enfrentamento contra o governo Lula-Alckmin.
Só assim, construindo uma oposição de esquerda e de classe, nas lutas e mobilizações da classe; com um projeto próprio, alternativo, de ruptura com o imperialismo, os banqueiros, as multinacionais e os bilionários, será possível lutar por nossas reivindicações e, ao mesmo tempo, enfrentar, de forma conseqüente, o bolsonarismo e a extrema-direita, inclusive avançando na organização da autodefesa da classe.
E isso passa pela necessidade de se debater e construir um projeto alternativo, socialista e revolucionário, que rompa com o capitalismo e aponte para uma nova organização de sociedade, socialista, e sem nenhum tipo de exploração ou opressão.