O programa do PSTU nestas eleições propõe a expropriação das fortunas e propriedades dos bilionários e das 100 maiores empresas do país. É normal que alguns estranhem isso, afinal, fomos condicionados a pensar que, se trabalharmos duro, estudarmos e formos talentosos o bastante, poderemos ficar ricos e “vencer na vida”.

Desde que não existem mais estamentos, aristocracias (pelo menos nas democracias liberais), nada impediria, em tese, que qualquer um de nós acumule fortunas, não é mesmo? Então, se você está desempregado, luta para chegar até o final do mês, ou se não é um Elon Musk, a culpa é unicamente sua, que não se esforçou o bastante. Essa é a ideologia disseminada cada vez mais por “coaches” na Internet que vendem a ideia do pensamento positivo, ou até mesmo de uma suposta “reprogramação do DNA” ou terapias “quânticas” para, ao fim e ao cabo, turbinar a conta bancária.

Todo tipo de misticismo é usado para esconder uma verdade bastante inconveniente: o capitalismo é um sistema fundado e mantido através do roubo. Quando falamos em expropriar os bilionários, muitos se indignam achando que isso é um roubo, mas a realidade é que você que está sendo roubado. No entanto, essa falsa ideia é tão impregnada que você não fica inconformado com a realidade que lhe aparece, mas com a sua revelação. Como o personagem do filme Matrix que prefere viver no mundo de ilusão, ainda que falsa e limitada.

Como se faz um bilionário?

Segundo a revista Forbes Brasil, o país tem hoje 290 bilionários (os superricos com patrimônio superior a R$ 1 bilhão, pela Forbes mundial, que contabiliza aqueles com mais de 1 bilhão de dólares, são 62 magnatas segundo a lista divulgada em abril último). A grande maioria simplesmente herdou sua fortuna. Ou seja, a paródia “trabalhe enquanto eles herdam” nunca foi tão real. O grande trabalho que esse seleto grupo teve para usufruir de uma parte absolutamente desproporcional da riqueza da sociedade foi simplesmente ter nascido.

Desses 290, 15 bilionários são apontados pela revista como “self-made”, ou seja, superricos que teriam supostamente construído suas fortunas por si próprios. Um dos nomes mais conhecidos desse grupo é o de Luciano Hang, o “velho da Havan”, com um patrimônio de R$ 24,5 bilhões, e um dos bolsonaristas mais empedernidos, que não mede esforço para se expor ao ridículo para bajular seu mito.

Mas como ele chegou a esse patrimônio? A história de Hang é bem mais do que a de um jovem empreendedor que abriu uma rede varejista do nada. O escândalo da Pandora Papers de 2021 revelou que o velho da Havan manteve por pelo menos 20 anos uma fortuna em paraísos fiscais, completamente livre de impostos que, caso fossem cobrados, pegaria mais de 30% de seu patrimônio. Hang abriu uma empresa nas Ilhas Virgens, sob o nome de Abigail, de onde ele investe em títulos de dívidas de empresas como a Vale, privatizada em 1998, e a Petrobras. Tudo livre de impostos.

Agora, se não é exatamente anormal um grande empresário driblar o fisco em paraísos fiscais, Paulo Guedes que o diga, não se pode dizer o mesmo do início de sua carreira. E isso quem relata é a própria Abin, segundo reportagem do Uol de 2020. A agência de espionagem ligada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do General Heleno, vasculhou a vida de Hang quando este se aproximou de Bolsonaro, a fim de se prevenirem de eventuais escândalos. E o que encontraram vai de contrabando, agiotagem, evasão de divisas e uma série de crimes dignos de um Al Calpone de Brusque (SC).

Mesmo o brasileiro Eduardo Severin, co-fundador do Facebook, não pode ser exatamente um exemplo de que todos temos as mesmas chances. Se ele ajudou na “brilhante” ideia da criação da rede social, o fez a partir do curso de Economia da Harvard, uma das universidades mais exclusivas, e caras, do planeta.

Voltando ao velho da Havan, que se coloca como exemplo máximo da meritocracia no capitalismo, na verdade, é um exemplo de como as grandes fortunas, quando não herdadas, são acumuladas na base do roubo, puro e simples exploração.

No capitalismo, o trabalhador já é expropriado

No meme, o patrão orgulhoso mostra ao empregado o carro zero que acabara de comprar. “Se você trabalhar mais, e der duro o bastante, ao final de um tempo… eu poderei comprar outro melhor!”. Nada melhor para mostrar como, no capitalismo, a maior parte da riqueza produzida pela classe trabalhadora vai para os patrões. Ou melhor, para um seleto grupo de superricos e bilionários que, juntos, dominam a maior parte da economia.

Levantamento realizado pelo Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese) a pedido da campanha da Vera mostra que as 100 maiores empresas que atuam no país controlam 61% da economia. Destas, 72 empresas que têm o capital aberto, possuem uma receita equivalente a 53% do PIB (o Produto Interno Bruto, tudo o que é produzido no país em um ano). Desse montante, só 19% são revertidos aos trabalhadores (salários, direitos, etc.), enquanto o lucro representa 31%. Nessa conta, de um lado temos 2,5 milhões de trabalhadores que ficam com 19% dessa receita, e de outro um pequeno grupo de megaacionistas, com 31%.

Não é apenas uma relação de distribuição desigual, ou desproporcional de riquezas. O ponto aqui é que tudo o que existe é produzido pela classe trabalhadora. Do que é mais aparente, ou seja, o seu próprio salário, mas também o lucro apropriado pelas empresas. E mais ainda, o que vai de imposto para sustentar o Estado, seja diretamente (já que o país conta com um sistema tributário brutalmente regressivo), seja o imposto que a própria burguesia paga (proporcionalmente menor em relação à sua fortuna, claro). Até mesmo os meios de produção, que Marx vai chamar de “capital constante”, ou seja, a fábrica, os equipamentos, e tudo mais, é construído pelos trabalhadores. Mas a classe trabalhadora mesmo usufrui a menor fração do que ela próprio produz.

Ou seja, um operário mineiro da Vale recebe um dos menores salários do setor, enfrenta condições degradantes de trabalho, enquanto os acionistas da empresa, que nunca pisaram em uma mina, repartirão R$ 16 bilhões em dividendos (o lucro repartido entre os acionistas). Entre eles, Luciano Hang.

Caso pudéssemos representar a proporção do que é dividido dessas 72 empresas como um ano de trabalho, o trabalhador produziria seu próprio salário em apenas dois meses e sete dias. O restante do ano, ele trabalha de graça para os patrões, os banqueiros e para o Estado.

O capitalismo é um sistema que expropria a classe trabalhadora de tudo o que ela produz, e concentra essa riqueza nas mãos de menos de 0,1% da população, os grandes capitalistas que detêm os meios de produção, seja diretamente, seja através de ações (a propriedade “repartida” que lhe garante o direito de se apropriar de parte do lucro). Essa exploração ocorre no trabalho, no imposto regressivo que recai sobre os mais pobres, e na inflação. Quando você paga caro na gasolina, o lucro cai no bolso de uns poucos bilionários, entre eles, mais uma vez, o velho da Havan. Quer dizer, a grande propriedade capitalista é o meio pelo qual essa expropriação ocorre.

E esse mecanismo só pode funcionar porque você tem, de um lado, uma massa de trabalhadores que detêm apenas sua força de trabalho, que é obrigada a vender para garantir a sua subsistência através de um salário, e de outro, uma classe parasita que se apropria da maior parte da riqueza sem mexer um dedo. Ou seja, a grande propriedade capitalista só existe porque a grande maioria da população não tem nada. Como afirmou Marx no próprio Manifesto Comunista:

““Horrorizai-vos porque queremos abolir a propriedade privada. Mas em vossa sociedade a propriedade privada está abolida para nove décimos de seus membros. E é precisamente porque não existe para esses nove décimos que ela existe para vós. Acusai-nos, portanto, de querer abolir uma forma de propriedade que só pode existir com a condição de privar a imensa maioria da sociedade de toda propriedade”

Por isso que Marx ainda reafirma que “ao apropriar-se dos bens alheios, a propriedade privada capitalista é a primeira negação da propriedade privada individual”.

Percebe como isso é o contrário da propaganda difundida pela direita, de que os comunistas querem tomar a sua casa, o seu carro, a sua moto?  Na verdade, quem quase extinguiu a propriedade individual foi o capitalismo, e isso foi fundamental para a concentração da grande propriedade nas mãos da burguesia. Quem ameaça a pequena propriedade, do bar da esquina à mercearia do bairro, é o grande capitalista.

Quem andou pelo centro de São Paulo nos últimos meses se deparou com a esmagadora proliferação da OXXO, uma rede de minimercados que vem se expandindo a partir da capital paulista, transformando minimercados populares e as tradicionais padarias em lojas de conveniência padronizadas com produtos ultraprocessados. A OXXO é de propriedade da gigante de bebidas Femsa Comercio (um grupo de origem mexicana que atua junto à Coca-Cola, administrando diversas franquias pelo mundo, e que no Brasil controla ainda marcas como a cerveja Kaiser e os sucos Dell Valle). O pequeno comerciante não tem a menor chance contra esse tsunami avassalador.

Os socialistas, ao contrário, não querem “tomar” a pequena propriedade, o bar, a padaria, a mercearia, ou a pequena produção agrícola. Ao contrário, tem em seu programa a ajuda e auxílio a esses setores, cujo modo de vida, inclusive, os aproxima ou até mesmo iguala à grande maioria da classe trabalhadora.

A expropriação e subjugação da chamada pequena burguesia, a classe formada por pequenos comerciantes e proprietários, ou seja, aqueles que, em pequena escala, gerencia sua produção, é uma constante no capitalismo. Na transição entre o feudalismo e o capitalismo, os camponeses foram expulsos de suas terras e obrigados a tornarem-se trabalhadores assalariados, em geral através de uma brutal violência. Demais categorias também foram suprimidas de seus instrumentos e condições de trabalho, indo engrossar o exército industrial.

Marx relata essa transformação no Capital: “O processo que cria a relação capitalista não pode ser outra coisa que o processo de separação do trabalhador da propriedade das condições de seu trabalho, um processo que transforma, por um lado, os meios sociais de subsistência e de produção em capital, por outro, os produtores diretos em trabalhadores assalariados”.

A expropriação da propriedade de subsistência (para proveito próprio), e a subjugação desses despossuídos ao capital através do trabalho assalariado deram a tônica do capitalismo. O trabalho, antes individual, familiar ou comunitário, ou seja, para si próprios e as suas necessidades, deu lugar ao trabalho coletivo, alienado, em prol dos lucros da burguesia. Era preciso transformar o pequeno proprietário num trabalhador assalariado à disposição do capital.

Esse processo gerou uma contradição: o trabalho coletivo possibilitou um aumento na produtividade sem precedentes. Nunca a humanidade foi tão capaz de produzir, e transformar a natureza, quanto no capitalismo. Por outro lado, a exploração e a concentração cada vez maiores do capital geraram pobreza, miséria, desigualdade e todas as principais mazelas que conhecemos, inclusive ambientais. Isso porque o trabalho é coletivo, a produção atende ao mercado, e a apropriação é estritamente privada. Essa é a segunda expropriação.

O desenvolvimento tecnológico, contraditoriamente, aumenta ainda mais a exploração, quando poderia, e deveria, propiciar mais emprego e menos tempo de trabalho para todos. Mais tecnologia deveria resultar em menos horas de trabalho e mais riqueza para o conjunto da sociedade; mas em função do lucro e da acumulação de capital, gera o contrário: mais desemprego, aumento do ritmo, intensidade e jornada de trabalho, e rebaixamento do salário e renda dos trabalhadores. Estamos vendo isso com a uberização, com trabalhadores em jornadas de trabalho e condições equivalentes às do século XIX.

A reforma trabalhista precariza ainda mais as relações de trabalho, e em geral, obrigam o trabalhador a se desdobrar em um sem fim de subempregos. Mesmo entre os trabalhadores formais, menos da metade da nossa força de trabalho, tem uma das maiores jornadas do mundo. Segundo a OCDE, o Brasil é o 10 país com maior jornada, com 39,5 horas por semana, acima da média global, de 36,8 horas.

Os países que lideram essa lista, como Colômbia (47,7), Turquia (47), e México (45,1) não são vanguarda do desenvolvimento econômico e crescimento, muito pelo contrário. São países tão ou mais desiguais como o Brasil. No capitalismo, trabalhar mais não significa ficar mais rico, mas garantir o carro novo do burguês, como na charge. Mais que isso, significa enriquecer as multinacionais imperialistas que exploram o trabalho nos países periféricos e o capital internacional que controla grande parte das empresas.

Expropriar a grande propriedade capitalista e imperialista significa, então, retomar os meios de produção, as fábricas, as empresas, retornando-as para as mãos de quem de fato as criaram, dos trabalhadores; e também garantir soberania e desenvolvimento do país. Ou “expropriar os expropriadores” como disse Marx.

“E os empregos, não vão embora?”

Essa é uma das principais acusações quando se fala em expropriar as empresas e bilionários. E é compreensível, afinal de contas, vemos todos os dias grandes empresários jactarem-se de “dar” não sei quantos empregos, como se fosse uma ação de filantropia, e não a subjugação de um trabalhador que não tem opção a não ser tonar-se um explorado e dar a maior parte de seu tempo e do que produz à burguesia.

Mais do que isso, é a grande propriedade capitalista que mantém um permanente exército industrial de reserva, uma enorme massa de desempregados, ou subempregados, cuja função é a de exercer pressão sobre os demais trabalhadores, obrigando-os a aceitar salários cada vez mais rebaixados, menos direitos e, portanto, mais exploração. Os bilionários e as grandes empresas não geram empregos, mas, por mais contraditório que isso possa parecer, são responsáveis por perpetuar, junto com o Estado capitalista, o desemprego em massa.

A única forma de acabar com o desemprego, a pobreza, a fome, e a miséria, é acabando com esse mecanismo cujo pilar é a grande propriedade capitalista, responsável pela espoliação da classe trabalhadora e por mantê-la numa situação cada vez mais degradante, à medida em que aumenta seus lucros. É garantindo a sua propriedade coletiva e administração pela classe trabalhadora, que é quem de fato a construiu e a mantém, gerenciando como e onde essas empresas atuarão, na satisfação das necessidades da grande maioria da população.

Com a expropriação das empresas, e o seu funcionamento direcionado não ao lucro a qualquer custo, a jornada de trabalho seria reduzida, tornando possível a incorporação de milhões de trabalhadores ao mercado formal de trabalho, além de salários maiores. O fim dos bilionários significa, portanto, mais salários, empregos e direitos. É por isso que o PSTU quer expropriar os bilionários e as grandes empresas.

“Vocês querem ditadura”?

E é comum que aqui apareça uma outra acusação, mas esta mais baseada na realidade, embora não menos falsa. “Vocês querem que todos virem funcionários do Estado, para dominar todo mundo, enquanto uma cúpula mantenha todos os privilégios”. Infelizmente essa falácia se apoia nos regimes stalinistas que, embora tenham expropriado a burguesia, como Cuba, por exemplo, transformaram-se em brutais ditaduras onde uma pequena burocracia parasitária e autoritária acumulou riquezas e privilégios, ao mesmo tempo em que impunha uma série de privações à classe trabalhadora.

E é por isso que, assim como os próprios trabalhadores devem controlar as grandes empresas, os meios de produção, é também a classe trabalhadora, junto ao povo pobre organizado, os indígenas, os quilombolas e todos os setores marginalizados nessa sociedade capitalista, devem controlar o próprio Estado e governar através de conselhos populares. É por isso que o PSTU defende um governo socialista dos trabalhadores, com democracia operária. Um passo neste sentido é desmascarar a exploração no capitalismo, apontar o papel das grandes empresas e multinacionais, e defender uma alternativa socialista e revolucionária, avançando na auto-organização da classe trabalhadora, na sua consciência e na construção de um partido revolucionário e socialista.