Vera conversa com operários na fábrica ocupada MWL na região do Vale do Paraíba (SP)
Redação

O Brasil é a 9ª maior economia do mundo, um dos maiores produtores e exportadores de alimentos e o maior de carne bovina. Então, o que explica termos 33 milhões de pessoas passando fome, metade da população com algum tipo de insegurança alimentar e quase 50 milhões sobrevivendo abaixo da linha de pobreza? E o que explica a brutal desigualdade social, que permite que, nessa situação tão dramática, 62 bilionários concentrem uma fortuna maior que a renda reunida de mais da metade da população?

A dura realidade é que, entre governos que se dizem de “esquerda” ou de direita, a situação de penúria da grande maioria da população não muda. Não só não melhora, como vem piorando drasticamente, no esteio do processo de crise e decadência enfrentado pelo país nos últimos anos. E isso por uma única razão: os diferentes governos mantêm a estrutura que perpetua uma história de 500 anos de exploração, opressão e pilhagem. Reproduzem o sistema capitalista, responsável por manter a riqueza de um punhado de pessoas à custa da miséria, da fome e da exploração de milhões.

Capitalismo é roubo

Essa não é uma frase de efeito, mas a descrição precisa de como funciona o sistema capitalista. Toda riqueza produzida na sociedade, do minério que é extraído em uma mina da Vale, em Minas Gerais, ao avião fabricado com tecnologia de ponta pela Embraer, em São José dos Campos, é feita pelas mãos da classe trabalhadora.

A questão é que essa riqueza não fica com quem, de fato, a produziu, mas é apropriada por um punhado de pessoas, no caso os grandes acionistas, que nunca pisaram num chão de fábrica na vida. Enquanto um mineiro da Vale se mata de trabalhar para receber um salário de miséria, um grande acionista, que apenas detém um papel que diz que ele possui um pedaço daquela empresa, ganha bilhões, sem mover um dedo.

Ou seja, um trabalhador produz não só o que ele vai receber na forma de salário, mas, também, o lucro que é apropriado pelo patrão, ou os acionistas, e o que vai para o Estado, na forma de impostos. Na verdade, os salários são a menor parte dessa divisão.

Como medir esse roubo legalizado? A pedido do Opinião Socialista, o Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese) realizou um levantamento a partir das 100 maiores empresas que, juntas, controlam 61% da economia brasileira. Dessas, 72 têm capital aberto; ou seja, possuem ações negociadas na Bolsa de Valores e, por isso, são obrigadas a divulgar dados e planilhas. O resultado é ilustrativo sobre a divisão desigual das riquezas e a expropriação de sua maior parte pela burguesia.

Só essas 72 empresas têm uma receita equivalente a 53% do PIB (o Produto Interno Bruto, ou tudo que é produzido no país em um ano). Do que elas produzem, só 19% são revertidos para os trabalhadores, enquanto o lucro representa 31%. Estamos falando de 2,5 milhões de trabalhadores de um lado, que ficam com 19% de tudo o que é produzido, e alguns poucos grandes acionistas, do outro, que abocanham 31%.

Caso pudéssemos representar essa proporção como um ano de trabalho, o trabalhador produziria seu próprio salário em apenas dois meses e sete dias. O restante do ano, ele trabalha de graça para os patrões, os banqueiros e para o Estado.

A maior parte da nossa economia é controlada, então, por 100 grandes empresas que, por sua vez, são controladas por alguns poucos megainvestidores e bilionários, cujas fortunas e propriedades são frutos do tempo de trabalho roubado do trabalhador, lá embaixo.

Desemprego impulsiona lucros dos bilionários

Outro levantamento do Ilaese mostra que, na verdade, ao contrário do discurso oficial de que, hoje, o desemprego gira em torno dos 10%, a maioria dos trabalhadores no Brasil está fora do mercado formal de trabalho.

São milhões de pessoas sem emprego ou trabalhando na informalidade, em subempregos e na mais completa precariedade, formando um enorme exército industrial de reserva. Esta situação exerce, no capitalismo, uma permanente pressão e chantagem sobre os trabalhadores assalariados, forçando os salários e direitos para baixo e aumentando os lucros das grandes empresas.

Para a sociedade em geral, é um enorme desperdício, já que todos poderiam estar trabalhando e produzindo. A incorporação dessas pessoas no mercado de trabalho possibilitaria uma enorme redução na jornada de trabalho para todos e, ao mesmo tempo, elevaria a produtividade. Não de produtos e serviços supérfluos e danosos ao meio ambiente, mas com trabalho realmente essencial para a maioria da população.

O desemprego em massa, o rebaixamento dos salários e direitos e a carestia sustentam, assim, esse sistema que funciona para manter, no topo da pirâmide, os lucros e propriedades de alguns poucos bilionários que parasitam o trabalho da maioria do povo. E é por isso que, sem atacar os bilionários e as grandes empresas, não há como resolver os problemas da classe trabalhadora e mudar, pra valer, as condições de vida da maioria da população.

 

 

Recolonização

Exploração a serviço da submissão ao imperialismo

A análise dos 100 maiores grupos econômicos do país não só mostra que a nossa economia é monopolizada por algumas poucas grandes empresas; mas, também, expõe o processo de recolonização do país, já que, dentre esses megagrupos econômicos, destacam-se aqueles ligados ao setor primário, ou seja, extrativista e agropecuário, voltados à exportação. Ou seja, o papel relegado ao Brasil pelo imperialismo é o de retrocesso a uma condição de colônia exportadora de produtos primários.

Esse processo não ocorre, porém, como se poderia pensar, através de empresas brasileiras que exportam para o mercado internacional, mas através de empresas que, embora formalmente brasileiras, são controladas majoritariamente por grandes acionistas estrangeiros.

O maior exemplo disso é a própria Petrobras, uma empresa estatal, mas cuja maioria das ações se encontra nas mãos de investidores estrangeiros. Dos mais de R$ 101 bilhões de dividendos (fatia do lucro líquido que a Petrobras aprovou distribuir para os acionistas), só R$ 37 bilhões foram reservados à União. Quase R$ 64 bilhões vão para os acionistas privados e, destes, R$ 41 bilhões para os estrangeiros. O retrocesso e recolonização do país, assim, são dirigidos para e pelo imperialismo.

Outro mecanismo pelo qual ocorre a rapina do Brasil é a simples remessa de lucros para o exterior. Em 2021, essa remessa bateu recorde e ultrapassou os R$ 390 bilhões. É também parte da riqueza produzida pelo trabalhador, aqui, e que é apropriada por alguns poucos grandes investidores nos Estados Unidos, Alemanha, França, etc.

Acumulação

No capitalismo, o Estado é instrumento de roubo dos trabalhadores

É muito comum assistirmos na televisão, ou lermos nos jornais, economistas do mercado reclamando do “tamanho” do Estado, fazendo uma contraposição entre o Estado e a iniciativa privada. Mas o que acontece, na prática, é justo o oposto. O Estado capitalista funciona justamente para manter e garantir o mecanismo de exploração da classe trabalhadora. Mais do que isso, ele próprio atua para roubar parte do que é produzido pela classe, em prol dos capitalistas.

Primeiro, porque o Estado se mantém através de impostos pagos pelos trabalhadores e trabalhadoras. Além do fato de que os recursos que a burguesia repassa para a manutenção do Estado terem sido produzidos pelos próprios trabalhadores, mais de 90% da carga tributária recaem diretamente sobre a classe. Então, essa história de que o “setor produtivo” (que é como a burguesia chama a si própria para esconder que é uma classe parasitária) paga muito imposto é um mito. Quem paga imposto no Brasil são, essencialmente, a classe trabalhadora e a classe média.

Segundo, o aumento dessa carga tributária não significa mais investimentos em áreas como Saúde e Educação. Em geral, é o contrário. Basta dizer que essa carga de impostos nunca foi tão alta quanto sob o governo Bolsonaro, justo num momento em que as áreas sociais são sucateadas e os investimentos reduzidos.

Isso acontece porque, principalmente em momentos de crise, o Estado garante, através de terceirizações e outros gastos, a realização dos lucros do setor privado. Ou seja, trata-se de outra forma de transferir as riquezas da classe trabalhadora para a burguesia.

E é principalmente a dívida pública que faz parte desse mecanismo. O Estado absorve o capital privado que está ocioso, porque não encontra outro setor para ser valorizado, como uma forma de empréstimo, através de títulos da dívida pública, gasta esse dinheiro e, depois, devolve ao detentor desse título esse valor multiplicado, através de juros exorbitantes.

Em momentos de crise, como a partir de 2014, esse endividamento é maior que as demais receitas. Mas, logo em seguida, essa via se inverte e a grana volta turbinada. Para quem? Para banqueiros e megainvestidores, que são os maiores portadores de títulos da dívida. E de onde saem os recursos que vão remunerar esses bilionários? Dos impostos pagos pelos trabalhadores e através de novos cortes nas áreas sociais.

Em 2021, por exemplo, as despesas com juros e amortizações dessa dívida saltaram de 39,49% para 51,25% do Orçamento. Ao mesmo tempo, a carga tributária bateu recorde (33,9%) e os investimentos públicos e despesas com pessoal desceram a um nível também recordes.

Fosse invertida essa lógica, e o Estado não servisse para remunerar banqueiros e grandes empresários à custa dos trabalhadores, mas, ao contrário, para garantir as necessidades da maioria da população, indo atrás de quem tem dinheiro (ou seja, dos capitalistas), seria possível não só garantir pleno emprego, como saúde, educação, moradia, saneamento básico e demais condições de vida para a maioria do povo. Isso, porém, nunca vai acontecer nos marcos do capitalismo, porque, nesse sistema, o Estado funciona justamente para manter o domínio da burguesia e de sua exploração sobre a classe trabalhadora.

Expropriar os bilionários e as grandes empresas

Tomar daqueles que nos roubam

Para acabar com o desemprego, a fome, a carestia e garantir serviços públicos de qualidade a todos e todas, como saúde e educação, é preciso inverter a atual lógica que expropria a maior parte das riquezas produzidas pela classe trabalhadora e a concentra num pequeno grupo de grandes empresas e bilionários.

E isso se faz não só taxando fortemente os lucros e fortunas dos super-ricos, mas expropriando as 100 maiores empresas que controlam a maior parte da nossa economia e colocando-as sob controle dos trabalhadores, para que atuem não em prol dos lucros de poucos, mas para satisfazer as necessidades da maioria da população.

Ao contrário do argumento de que isso seria um “roubo”, é tão somente retomar o que foi construído pela classe trabalhadora, essa, sim, roubada diariamente e por todos os lados. O que hoje é desviado na forma de lucro e remetido para fora poderia ser investido para os próprios trabalhadores, a começar pela produção. A Petrobras, por exemplo, poderia produzir e vender combustível e gás de cozinha muito mais baratos para a população, e não enriquecer meia dúzia de megainvestidores na Bolsa de Nova York.

O controle das grandes empresas e multinacionais ligadas ao agronegócio poderia garantir a produção de alimentos para a população, e não para a exportação, respeitando o meio ambiente e os povos originários, quilombolas e ribeirinhos. O controle das grandes redes varejistas, por sua vez, garantiria a distribuição, principalmente dos produtos mais básicos, sem inflação ou especulação, combatendo a carestia.

Numa economia planificada e socialista, a produção anárquica capitalista, voltada ao lucro a qualquer custo, seria substituída pela produção para a satisfação das necessidades da classe trabalhadora e da população.

Isso significaria, por exemplo, trocar o modelo atual de produção em larga escala de produtos com validade programada, a fim de forçar uma rotatividade maior de mercadorias, por outras de melhor qualidade. Ou seja, não se trata necessariamente de produzir mais, mas de atender às necessidades da sociedade. Ainda, resultaria em um desenvolvimento tecnológico e científico em praticamente todas áreas e a superação do atual modelo, que destrói a natureza em nome dos lucros, por outro, que seja plenamente sustentável e ecológico.

Invertendo a lógica capitalista da produção para a maximização do lucro, poderia-se, também, reduzir drasticamente a jornada de trabalho, abrindo vagas para quem precisa de emprego e acabando com o exército de reserva. Como também, inverter a precarização do trabalho, garantindo aumento nos salários e direitos plenos a todos.

Lições de Marx

‘Expropriando os expropriadores’

Esse é o termo que Marx usou para definir o processo de expropriação da grande propriedade capitalista pelas massas. Por que? Porque, no capitalismo, a classe trabalhadora foi expropriada, pela burguesia, dos seus meios de produção e de subsistência. Sem terra para plantar ou ferramentas para produzir e vender suas próprias mercadorias, criou-se o proletariado, a massa de trabalhadores que não tem outra opção a não ser vender sua força de trabalho aos capitalistas.

A burguesia não só expropriou o proletariado, mas parte dela própria, concentrando cada vez mais os meios de produção. Essa concentração e essa desigualdade cada vez maiores, com a classe trabalhadora tendo o seu trabalho roubado por todos os lados, só seriam resolvidas com a “expropriação dos expropriadores”, ou seja, dos capitalistas.

Já que a burguesia expropriou os meios de produção da classe trabalhadora e a submeteu ao capital, roubando o fruto de seu trabalho na forma de lucro, o que estaria colocado, agora, seria o inverso: retomar os meios de produção das mãos da burguesia. O que, para Marx, seria algo bem mais fácil que a expropriação dos trabalhadores feita pelo capitalismo: “Tratava-se, ali, da expropriação da massa do povo por poucos usurpadores; aqui, trata-se da expropriação de poucos usurpadores pela massa do povo”.