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Fábio Bosco, de São Paulo (SP)

A invasão da Ucrânia pelas tropas russas completou 14 meses. Neste período, a posição brasileira, seja sob o ex-presidente Bolsonaro, seja sob Lula, sempre foi contrária à Ucrânia.

Recentemente essa posição lamentável gerou uma polêmica a partir de declarações do presidente Lula de que Putin e Zelensky querem a guerra, que os Estados Unidos e a Europa prolongam a guerra ao prover armas à Ucrânia, mas o que é necessário é falar em paz. E até mesmo sugeriu que a Ucrânia entregue parte do seu território – a península da Crimeia – para a Rússia, em nome da “paz”.

Além de declarações, Lula e o chanceler Mauro Vieira receberam o chanceler russo Sergei Lavrov em Brasília no dia 17 de abril. Lavrov é o porta-voz do regime russo, que é responsável por uma série de crimes contra a humanidade na Chechênia, Síria, Geórgia e Ucrânia. Essa visita foi antecedida por uma visita do assessor especial brasileiro Celso Amorim a Putin em Moscou.

Nesta semana, Lula visitou Portugal e Espanha. Após uma saraivada de críticas, ele afirmou que o Brasil defende a integridade territorial da Ucrânia e que é necessário abrir negociações de paz. Essa foi uma mudança de forma, mas não de conteúdo, já que não defendeu a retirada incondicional das tropas russas de todo o território ucraniano, único caminho para uma paz justa, nem o direito do povo ucraniano receber armas para se defender dos invasores.

 

 

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Perguntas e respostas sobre a guerra na Ucrânia

Não foi só Lula que se rendeu à agressão russa contra a Ucrânia. Calúnias e mentiras para tentar justificar a invasão são repetidas, disfarçadas ou não, por uma parte da esquerda ligada ao stalinismo, como a maioria dos partidos comunistas e setores ligados às ditaduras da Venezuela e de Cuba. A maioria defende que Putin tem uma política supostamente anti-imperialista de enfrentamento com os EUA e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Mas tudo isso não passa de mentiras  para confundir parte dos ativistas de esquerda sobre o real caráter da guerra. Vejamos algumas questões sobre a guerra.

Que guerra é essa?

Para o regime russo, a Ucrânia é uma invenção dos bolcheviques comandados por Vladimir Lênin após a revolução russa, como afirmou Putin. O ditador russo invadiu a Ucrânia para tomar seu território e impor seus aliados no comando do país. Para justificar a invasão perante seus apoiadores, Putin alegou que a Ucrânia tem um suposto regime nazista a serviço da Otan.

Para o povo ucraniano, essa guerra contra a invasão russa é uma guerra de libertação nacional para defender suas famílias, seus lares, seus empregos e seu país. Não é uma “proxy war” (guerra por procuração). O povo ucraniano luta pelo seu direito de existir e não é tropa terrestre da Otan.

O imperialismo americano e europeu quer derrubar Putin e acabar com a Rússia?

O imperialismo americano e europeu sempre cooperou com Putin para manter a ordem mundial capitalista. Por isso fechou os olhos para as atrocidades de Putin na Chechênia, na Síria, na Geórgia e no leste da Ucrânia em 2014, quando as tropas russas tomaram a Crimeia e grupos paramilitares armados por Moscou tomaram um terço do Donbas ucraniano.

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia há 14 meses, a posição de Biden foi retirar Zelensky de Kiev, abrindo o caminho para que as tropas russas tomassem o país. Além disso, Biden e seus sócios europeus se recusaram a dar armas “ofensivas”, limitando-se a entregar armas de segunda mão em pouca quantidade.

Estudos apontam que de toda a ajuda militar anunciada por Biden, apenas 20% chegaram  efetivamente à Ucrânia e 60% foram destinados a modernizar seu próprio exército. É claro que esses 20% de armas que chegaram são importantes para a resistência ucraniana, mas são uma demonstração que os imperialismos americano e europeu querem apenas conter, mas não derrotar Putin.

Nos últimos dias, multiplicaram-se as críticas de soldados ucranianos na internet contra a falta de munição para combater o exército russo. Houve protestos de familiares em frente a prédios do poder público. Hoje os soldados exigem armas para seguir a luta contra a invasão. Mas a falta de munição mostra a disposição dos imperialismos americano e europeu de “cansar” a resistência ucraniana para preparar o terreno para um acordo de paz com perda de território.

Putin luta contra a Otan?

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) é uma aliança militar imperialista formada ao final da Segunda Guerra Mundial sob hegemonia americana para defender a ordem mundial capitalista. No entanto, as contradições entre o imperialismo americano e o europeu – particularmente Alemanha e França – fragilizaram a Otan. Em dezembro de 2019, o presidente francês Emmanuel Macron chegou a declarar que a Otan estava em estado de morte cerebral.

Quem a ressuscitou foi Putin e a invasão da Ucrânia. Por um lado, os países membros aumentaram seu orçamento militar, e países não membros – como a Suécia e a Finlândia – pediram ingresso na Otan, medida que neste momento tem apoio majoritário na população europeia.

Putin alardeia sua “oposição” à Otan para justificar a invasão da Ucrânia. No entanto, o verdadeiro caminho para derrotar a Otan passa pela mobilização nos países membros. Invadir a Ucrânia apenas fortalece a Otan.

A guerra de Putin tem como objetivo tomar territórios ucranianos e impor um governo aliado em Kiev. Não é o objetivo de Putin acabar com a Otan, nem de entrar em guerra contra ela.

A Ucrânia é nazista?

Não! O povo ucraniano odeia o nazismo. Os nazistas ocuparam a Ucrânia e promoveram atrocidades contra o povo durante a Segunda Guerra Mundial. Por isso, os grupos neonazistas são muito minoritários e os grupos ultranacionalistas de direita tiveram 2% dos votos nas últimas eleições e não têm assento no parlamento.

Putin cita o batalhão Azov como organização nazista. Este batalhão nasceu como uma milícia formada majoritariamente por integrantes de extrema direita russófonos, e posteriormente passou a integrar o exército nacional com cerca de mil integrantes. O batalhão foi virtualmente dizimado durante o criminoso sítio militar russo à cidade de Mariupol, cujo objetivo não era acabar com o Azov, mas sim tomar essa importante cidade portuária.

Apenas a esquerda stalinista, no afã de defender Putin e a indefensável invasão da Ucrânia, insiste em difundir essa bobagem do caráter nazista da Ucrânia.

A Rússia tem mais liberdades democráticas que a Ucrânia?

A Rússia tem um regime ditatorial baseado na FSB (o serviço secreto russo, herdeiro da KGB) a serviço da oligarquia, nome dado aos bilionários russos que enriqueceram se apropriando dos bens públicos e riquezas do país após o fim da União Soviética. Não há liberdades democráticas na Rússia. Após o início da guerra, qualquer crítica pode ser punida com prisão. Vários dissidentes foram mortos por envenenamento ou por quedas suspeitas de edifícios.

A Ucrânia tem um regime democrático burguês a serviço da oligarquia local, muito parecido com o regime político no Brasil. Zelensky é um político de direita, tal qual o vice-presidente Geraldo Alckmin.

Após o início da invasão, a Ucrânia está sob lei marcial. Por isso, os partidos políticos que apoiam a invasão foram banidos. No entanto, os bens da oligarquia russa no país ainda não foram expropriados, apesar da insatisfação da população.

Apoiar a Rússia significa que o Brasil sob Lula tem uma política externa independente?

Não. Apoiar a Rússia significa flertar com um dos blocos que disputam espaço na ordem mundial, liderado pelo regime chinês.

Recentemente foram descobertos três espiões russos com documentos brasileiros. O governo brasileiro recebeu o chanceler Lavrov, mas não cobrou uma posição do governo russo. Alguém acha que isso é política externa independente?

Por que o PSTU apoia a resistência ucraniana à invasão russa?

A luta da classe trabalhadora mundial por sua emancipação passa pela vitória da resistência ucraniana e pela expulsão das tropas russas.

Uma vitória ucraniana colocará em movimento dezenas de nacionalidades oprimidas dentro da Rússia e em seu entorno na luta por sua autodeterminação, e também movimentará a classe trabalhadora russa na luta para derrubar a ditadura, com impacto mundial.

Uma vitória ucraniana também colocará um debate sobre o futuro do país e sua recolonização pelo capitalismo europeu e americano. Uma classe trabalhadora armada e vitoriosa estará em condições de questionar todas as formas de exploração e opressão, e lutar por um governo dos trabalhadores e trabalhadoras.

Uma derrota ucraniana, ao contrário, fortalecerá a ditadura na Rússia, sua política de “cárcere dos povos” na região e a ordem mundial capitalista.