Paulo Barela, da CSP-Conlutas

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, conhecida como Reforma Administrativa, tem como principal objetivo reduzir o custo da máquina administrativa, retirando do Estado obrigações de relevância, especialmente nas áreas sociais. Leia-se investimentos orçamentários em saúde, educação, segurança, assistência social, dentre outros.

Em suma, o governo Bolsonaro pretende atacar direitos históricos dos servidores, conquistados em lutas muito duras, ao longo de décadas. Dois desses, de significado inequívoco para inibir a corrupção e a malversação dos recursos estatais: o concurso público e a estabilidade. Mas, por que eles são importantes?

Porteira aberta para apadrinhamento e balcão de negócios

O concurso público é um dispositivo que foi definido na Constituição de 1988, impondo o ingresso ao serviço público através de concurso, não permitindo, assim, a influência política ou o apadrinhamento de governantes e políticos. Já a estabilidade preserva as funções públicas e serve como proteção do servidor contra os abusos do governo de plantão. Pelo caráter impessoal do cargo público, permite que o servidor identifique e denuncie os casos de corrupção por parte de governantes e políticos.

O objetivo explícito da proposta é tornar a administração pública acessível aos cabos eleitorais, parentes e amigos, construindo um imenso “balcão de negócios” para intensificar a rapina do Estado e a disseminação de “rachadinhas”. Por isso, a PEC-32 propõe a criação de cinco vínculos trabalhistas que vão permitir a demissão de servidores concursados e estáveis, substituindo-os pelos amigos e parentes de quem estiver no poder.

Quem são os privilegiados?

Ao contrário do que o governo diz, a Reforma vai preservar os privilégios das cúpulas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e, também, das altas patentes das Forças Armadas. Hoje, enquanto os servidores têm média salarial de R$ 2,1 mil (nos municípios), R$ 3,6 mil (estados) e R$ 4,5 mil (União), os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) recebem, em média, R$ 45 mil por mês, mais verbas de representação (que variam de acordo com os cargos e níveis, mas incluem, geralmente, gastos como refeições, viagens, hospedagem, locomoção, dentre outros).

Já Bolsonaro abocanha R$ 72 mil por mês, como presidente e parlamentar aposentado. E Hamilton Mourão ganha a bagatela de R$ 101 mil por mês, entre o salário de vice-presidente e o de general do Exército. Os ministros têm um salário de R$ 65 mil, sem considerar as verbas de representação. O piso salarial de deputados e senadores é de R$ 35 mil, mas, com os adicionais, pode chegar a R$ 70 mil. O mesmo é válido para estados e municípios onde, não raro, os salários dos governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores se equiparam aos de seus colegas da esfera federal.

Projeto neoliberal

Privatização dos serviços públicos, como o SUS

Porém, dentre as várias consequências dessa Reforma, as alterações nas relações trabalhistas dos servidores são apenas a ponta do iceberg. A mais emblemática é a criação do chamado “princípio da subsidiariedade”, dispositivo inspirado na “Carta del Lavoro” (Carta do Trabalho) expedida, em 1927, pelo fascista italiano Benito Mussolini. No Brasil, este princípio já foi utilizado por Getúlio Vargas, nos anos 30, e pelos governos da ditadura militar (1964-1985).

Na prática, o “princípio de subsidiariedade” concede poderes a Bolsonaro para que ele possa extinguir, alterar ou criar serviços, além de interferir na autonomia de estados e municípios. Isso significa que o governo poderá transferir para os interesses privados serviços que hoje são responsabilidade dos setores públicos.

Como consequência, os trabalhadores e a população mais pobre terão que pagar, por exemplo, pelos serviços de saúde. Será o fim do Sistema Único de Saúde (SUS), que passaria para o controle de hospitais e empresas privadas. Imaginem o que seria da população brasileira se não houvesse um SUS público em meio à pandemia e à política negacionista e assassina desse governo?

Acontecerá a mesma coisa com os serviços de educação. Os tubarões do ensino privado irão abocanhar esse “futuro mercado” e o acesso às escolas e universidades vai ficar quase impossível para a maioria da população. Na área de segurança, será possível criar penitenciárias particulares, semelhantes ao modelo norte-americano.

Essa política foi pensada por Paulo Guedes, Ministro da Economia, e também já foi aplicada no Chile, durante a ditadura de Pinochet (1973-1990), onde a destruição dos direitos sociais levou o povo à miséria, sem acesso às condições mais elementares para sua sobrevivência. Esse é o projeto de Bolsonaro e Guedes com a Reforma Administrativa.

Estratégia

Estado é capitalista versus conselhos populares

O debate sobre a Reforma Administrativa provoca uma discussão: para quem serve o Estado capitalista? Nossa resposta é inequívoca: atende aos interesses da burguesia, dos ricos e poderosos, daqueles que controlam a riqueza produzida pela classe trabalhadora e dela se apropriam, utilizando o Estado em prol de seus interesses e privilégios.

A esquerda reformista diz que a reforma vai enfraquecer o Estado e, por isso, é preciso fortalecê-lo, derrotando a proposta. Pensamos o contrário. A reforma fortalece o Estado, que está serviço da classe burguesa. Sob o capitalismo, um Estado forte é ainda mais opressor.

Isso não significa que não devemos lutar por conquistas sociais e direitos para os trabalhadores e trabalhadoras sob este Estado. É exatamente por isso que lutamos contra a aprovação da PEC-32. Todavia, é preciso mais. É necessário construir um processo mais avançado de sociedade, na qual o Estado seja governado e esteja a serviço da classe trabalhadora.

Esse Estado só poderá ser fruto de uma revolução, impondo o poder da classe trabalhadora sobre a burguesia e instalando uma democracia socialista sob controle dos conselhos populares.