No começo de agosto, o “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas” (IPCC, na sigla em inglês) divulgou seu mais recente relatório a respeito das mudanças climáticas.

O tom alarmista do documento é plenamente justificável. Afinal, o planeta está se aquecendo mais rápido do que se pensava, os eventos climáticos extremos têm sido cada vez mais perceptíveis e, salvo há muitos milhares de anos, nossa atmosfera nunca contou com a presença de tantos gases de efeito estufa como agora.

Como aponta o IPCC, a temperatura média do planeta pode exceder ao limite de 1,5º Celsius até 2040, mais rápido do que se pensava. Esse limite havia sido fixado em um relatório anterior, de 2013, e advertia que uma elevação da temperatura média da Terra acima dele teria efeitos catastróficos e imprevisíveis para a humanidade.

Descontrole e falta de iniciativas

O relatório concluía que, para manter o aquecimento sob algum tipo de “controle”, seria necessário reduzir as emissões de carbono pela metade até 2030 e zerá-las totalmente, em 2050. Estamos a nove anos desse prazo e nenhum passo efetivo foi dado, em nenhum lugar do mundo, no sentido de realizar tal meta. De acordo com o IPCC, desde 1880 a temperatura média da superfície do planeta subiu cerca de 1,2º Celsius, sendo que a maior parte do aquecimento ocorreu no final da década de 1970.

O relatório atual também aponta que os oceanos estão se elevando. E, não importa o que façamos, o nível dos oceanos vai continuar aumentando de dois a três metros no longo prazo, mesmo que se mantenha o aquecimento em 1,5°C. No pior dos cenários traçados pelo IPCC, o aumento pode atingir cinco metros até 2150, caso se mantida a quantidade atual de emissões de gases de efeito estufa; ou seja, substâncias gasosas que absorvem parte da radiação infravermelha emitida pelo Sol e refletida pela superfície terrestre, dificultando o escape desta radiação (calor) para o espaço.

Já os níveis de concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera são maiores hoje do que em qualquer época dos últimos dois milhões de anos. Quanto à concentração de metano na atmosfera, cuja propriedade de retenção de calor é 24 vezes maior do que o CO2, o nível atual é o maior nos últimos 800 mil anos.

A maior concentração de CO2 vem tornando os oceanos mais ácidos, pelo fato deles absorverem um terço do carbono lançado na atmosfera. Esta acidificação compromete toda a cadeia trófica (ou cadeia alimentar) e coloca em risco a reprodução das espécies marinhas.

O pior ainda está por vir

Pela primeira vez o IPCC reconhece abertamente que as mudanças climáticas atuais são provocadas pelo ser humano e que já estão produzindo eventos climáticos extremos em todas as regiões do globo.

Ondas de calor, secas, chuvas torrenciais e inundações serão cada vez mais frequentes e intensos. Isso já é bastante perceptível, basta ver a onda de calor que tem provocado imensos incêndios florestais na Europa e na Tunísia e o calor inédito em regiões do Canadá (que chegou a 49,5°C) ou na cidade siberiana de Verkhoyansk (que registrou 38°C, este ano).

O relatório avisa que o pior está por vir. Ao ultrapassar o limite de 1,5° C de aquecimento global, o documento afirma que devemos esperar ver “eventos extremos sem precedentes no registro de observação”.

E no Brasil, o que vai acontecer?

Em qualquer um dos cenários apresentados pelo IPCC, haverá impactos no Brasil. Calcula-se que, nas próximas décadas, haverá um aumento da temperatura média em todas as regiões, mas o aquecimento será maior no Norte, no Centro-Oeste e no Nordeste, que sofrerão diminuição de chuvas e secas muito mais freqüentes, mais severas e duradouras.

O Nordeste já experimenta um processo de desertificação do semiárido. Atualmente, 13% de toda a região (127 mil quilômetros quadrados) vive em um estágio avançado de desertificação.

As secas mais severas diminuirão as chuvas da Amazônia e, associado ao desmatamento, a floresta poderá atingir um ponto de ruptura e se transformar em uma savana degradada (região com vegetação rasteira, árvores esparsas e arbustos isolados). Isso diminuíra a umidade produzida pela própria floresta (evapotranspiração), afetará seu transporte até as regiões Centro-Oeste e Sudeste do país pelos chamados “rios voadores” e produzirá escassez hídrica e energética, com consequente diminuição na  produção agrícola.

Estas mudanças também teriam consequencias globais, posto que a Amazônia deixaria de ser um sumidouro de CO2 e passaria emitir o gás, aumentando o aquecimento do planeta.

Capitalismo leva humanidade para a catástrofe ambiental

Embora a situação seja muito séria, as mudanças não vão acontecer repentinamente, mas ao longo das décadas do século 21. Seus efeitos, porém, persistirão por centenas ou milhares de anos, pois estamos diante do fim de uma época geológica, o Holoceno, cuja estabilidade climática, nos últimos 12 mil anos, permitiu à humanidade o desenvolvimento da agricultura e da civilização.

O gráfico 1 mostra que o aquecimento foi causado pela emissão de combustíveis fósseis (formados por processos naturais, como carvão mineral, gás natural e petróleo), a matriz energética que permitiu o surgimento e o desenvolvimento da acumulação capitalista. Sem essa matriz energética, abundante e barata, a expansão e acumulação de capital simplesmente não teriam sido possíveis.

No entanto, foi depois da Segunda Guerra que houve um salto nas emissões dos gases estufa. Esse período, chamado pelos cientistas de “A Grande Aceleração”, foi quando o petróleo e seus derivados tornaram-se a base energética absoluta do padrão de desenvolvimento do capitalismo.

Entre 1900 a 2013, a extração de petróleo aumentou 207 vezes. Em 1913 o petróleo fornecia 5% da energia mundial. Mas, em 1970 era responsável por 50% e, hoje, do total de consumo mundial de energia, 80% pertence a energias fósseis. É isso que nos levou àquilo que muitos autores chamam de Capitaloceno, a nova época geológica causada pelo modo de produção capitalista, cujas consequências vão transcender o próprio sistema.

Capitoloceno: desequilíbrio e destruição

Em sua critica ao capitalismo, Marx apresenta o conceito de metabolismo entre a sociedade e a natureza. Trata-se do ciclo de apropriação, consumo e excreção dos recursos naturais, comum a qualquer tipo de sociedade. Uma troca de matéria e energia entre os humanos com seu “corpo inorgânico”, como Marx definia a natureza. Sob o capitalismo, houve uma ruptura desse metabolismo, impensável para Marx no seu tempo, ao ponto de criar uma nova época geológica.

O desenvolvimento das forças produtivas, determinado pela lógica da acumulação e do lucro, se converteu no desenvolvimento de forças destrutivas, que terminam por arruinar até mesmo as condições naturais e físicas da própria reprodução capitalista.

Quando o agronegócio queima a Amazônia a fim de expandir a pecuária e o cultivo de soja, ele termina por acabar com os sistemas que produzem chuvas, sem a qual não será possível realizar esses cultivos. Ao aumentar a temperatura do planeta, regiões continentais inteiras ficarão desabitadas, cidades costeiras desaparecerão com toda sua infraestrutura e novas epidemias e pandemias podem surgir, com a liberação de vírus e bactérias do seu habitat natural.

Em 2016, por exemplo, o degelo dos solos da Sibéria (conhecido como “permafrost”, formados por terra, gelo e rochas permanentemente congelados) provocou um surto de antraz (uma bactéria infecto-contagiosa), com o descongelamento do organismo que estava aprisionado no solo há milhares de anos. Isso é uma pequena mostra do que pode estar por vir.

A irracionalidade do capitalismo nos levará à catástrofe

O fim do Holoceno nos coloca diante de um futuro sombrio, com imensos contingentes de refugiados, despovoamento de cidades e de regiões inteiras do planeta, agravamento da fome, guerras e novas formas de crises econômicas, causadas por falta de recursos.

Engana-se quem pense que essa é a previsão de um catastrofista. Ela está escrita em documentos produzidos pelo próprio “andar de cima”, nas páginas de relatórios que circularam pelo encontro do Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), em 2020. A irracionalidade do capitalismo levará a humanidade à catástrofe. Mais do que nunca, o dilema entre socialismo e barbárie se apresenta como vital para a sobrevivência da civilização.

Saída

Socialismo e economia planificada podem garantir a transição energética

Atualmente, Joe Biden vem dizendo que vai liderar uma transformação da matriz energética fóssil para fontes renováveis, como as energias eólica (gerada pelos ventos) e solar. Mas, o dinheiro investido pelos EUA nessas novas matrizes é uma quimera perto dos subsídios dados pelos governos para a produção de petróleo.

O G20 (formado pelos 19 países com as maiores economias mais a União Européia) forneceu mais de US$ 3,3 trilhões em subsídios para combustíveis fósseis desde que o “Acordo Climático de Paris” foi assinado, em 2015. Nesse mesmo período, os EUA aumentaram esses subsídios em 37%.

Todo o falatório sobre mudança da matriz energética vinda da boca dos capitalistas não passa de conversa fiada. Hoje, não há nenhuma matriz que possa substituir o petróleo e o gás, pois as energias eólica e solar são de natureza pouco concentrada, são irregulares, dependem de condições geográficas e meteorológicas e, ainda, têm pouca taxa de retorno: se investe muito para se obter pouca energia.

Outro problema é que a matriz fóssil é esgotável. Vai acabar. O que provoca uma elevação dos custos para sua obtenção e o desenvolvimento de técnicas ainda mais destrutivas como o “fracking” e a exploração do Ártico e da Antártida, as últimas fronteiras da matriz fóssil.

O que fazer diante desse cenário? Socialismo ou barbárie

Se ainda não existem fontes energéticas alternativa ao petróleo, a solução será gastar menos energia. Mas, para isso, é preciso por fim à acumulação capitalista, superando esse modo de produção irracional e insustentável e garantindo uma transição energética para o conjunto da civilização.

E isso só pode ocorrer sob uma sociedade socialista, que restabeleça o equilíbrio metabólico entre a sociedade e natureza, permitindo uma relação racional com os recursos naturais. Uma sociedade na qual o poder e político e econômico esteja nas mãos da classe operária e de seus aliados oprimidos.

O capitalismo é avesso ao planejamento, pois é governado pela anarquia na produção e a lógica do lucro e da acumulação incessante. Só uma sociedade socialista pode planejar democraticamente a transição energética, começando com a nacionalização de todas as fontes energéticas, inclusive das matrizes fósseis, que devem passar ao controle dos trabalhadores.

O socialismo é, ao mesmo tempo, uma revolução das relações de produção e uma revolução das forças produtivas. E essas últimas, como nos lembra Vladimir Vernadski (cientista russo que criou, na década de 1920, o conceito de biosfera para denominar todos os ecossistemas existentes na Terra), “são independentes, em sua composição e abundância, de toda vontade e razão humana, por mais concentradas ou organizadas que sejam. Como essas forças não são inesgotáveis, sabemos que elas têm limites e que esses limites são reais; não são imaginários e não são teóricos. Podem ser verificados pelo estudo científico da natureza e representam para nós um limite natural insuperável de nossa capacidade produtiva”.