PSTU-PE

O 29M em Pernambuco ficou marcado não apenas pela passeata vitoriosa do Fora Bolsonaro, mas também pela brutal repressão que levou a que a vereadora Liana Cirne (PT) sofresse uma agressão de spray de pimenta nos olhos pela Rádio Patrulha e, principalmente, pelos tiros da Tropa de Choque nos olhos de dois trabalhadores (Daniel Campelo e Jonas Correia) – ambos não estavam no ato – que acabaram perdendo a visão. A indignação e revolta pela repressão da PM extrapolou as organizações de trabalhadores e de juventude para ganhar repercussão e debates diários na imprensa local e nacionalmente.

A repressão ao ato do Fora Bolsonaro no 29 de maio tem gerado importante debate público, com distintas visões políticas sobre os motivos da violência da PM e o que deve ser feito. Achamos que é preciso que a classe trabalhadora e a juventude tirem algumas conclusões para fortalecermos a nossa luta e organização para as próximas batalhas que virão, como por exemplo o novo dia nacional pelo Fora Bolsonaro em 19 de junho.  É por isso que neste texto serão desenvolvidos alguns elementos da visão marxista que nós, do PSTU-PE, como parte ativa da construção do ato, encaramos os acontecimentos em Recife e como devemos organizar os passos seguintes para derrubar o governo genocida de Bolsonaro e Mourão.

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Editorial: Depois do 29M

Em primeiro lugar, a Polícia Militar reprimiu a manifestação do Fora Bolsonaro porque era um questionamento à gestão da pandemia não só do governo federal, mas também do próprio governo Paulo Câmara. É verdade que o principal responsável pelas quase 500 mil mortes é Bolsonaro com sua política de combate ao distanciamento, boicote às vacinas e uma série de medidas que vem tomando desde o início da catástrofe que a pandemia vem causando.

Agora, também é verdade que Paulo Câmara nunca tomou a fundo a tarefa de proteger a população pernambucana. Nunca decretou um Lockdown de verdade. Sempre vimos terminais e ônibus lotados, fábricas e serviços não essenciais funcionando e sendo foco de transmissão do vírus, como a montadora Jeep e concessionárias de carros. Também vimos a reabertura das escolas estaduais que contribuiu para que houvesse essa explosão de casos e mortos por Covid nesse ano. Sem falar de anos de sucateamento dos hospitais, UPAs e ataques aos servidores da saúde que cobra o preço agora quando o SUS é a linha de frente do combate à pandemia.

Como o ato foi uma afronta ao decreto estadual de Lockdown nos finais de semana, o governo estadual tentou esvaziar o protesto através da nota do Ministério Público de PE recomendando o cancelamento da atividade, mas o ato foi mantido apesar dessa tentativa de desmonte, com o apoio da direção estadual do PT. Pernambuco foi o único lugar do país onde o ato pelo Fora Bolsonaro foi duramente reprimido pela PM.

No mesmo dia do ato, o governador Paulo Câmara deu uma declaração que não havia dado ordem para o Choque e Rádio Patrulha a cometer cenas violência e agressões. O principal debate que houve em Pernambuco foi: Se não foi o governo, quem deu a ordem? É fundamental a identificação e punição de os envolvidos, coisa que ainda não aconteceu. Mesmo que a ordem não tenha saído do gabinete do governador, a responsabilidade pela tragédia de Daniel Campelo e Jonas Correia terem perdido parte da visão é do governo de Paulo Câmara por ter autorizado a ida da polícia para intimidar o ato.

Dizemos isso porque é uma prática do PSB o uso da violência contra o movimento. Pouco tempo antes da pandemia, a mesma tropa de Choque atirou bombas e balas de borracha contra os auxiliares e técnicos de enfermagem do Estado, hoje linha de frente no combate à Covid-19, que lutavam por melhores salários e condições de trabalho. Da mesma forma o Choque promoveu uma desocupação violentíssima sobre os camponeses da cidade de Amaraji, não poupando crianças e idosos.

A reação da sociedade, da imprensa e dos movimentos sociais à ação da PM-PE gerou uma enorme crise dentro do governo, colocando em xeque a política de segurança estadual “Pacto pela Vida” e o próprio papel da polícia militar.

Toda a pressão e questionamento levou a exoneração do Comandante da PM e a demissão do Secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua. A queda de dois dos responsáveis pelas cenas de barbárie que tirou a visão de duas pessoas é uma vitória parcial do movimento de massas e pôs o Governo Estadual na defensiva.

Mas será que o novo comando da Polícia Militar significa uma mudança profunda na corporação? Será que a PM tem como função a proteção da vida e zelar pela segurança dos atos e o que aconteceu foi apenas um abuso isolado?

O capitalismo gera uma enorme concentração de riqueza nas mãos de poucas pessoas e, na outra ponta, cria um mundo de humilhações, privação e miséria crescente para milhões de seres humanos. É nisso que se funda a enorme desigualdade que exclui a milhões da enorme riqueza produzida pela humanidade. E, ao forjar milhões de excluídos, surge a necessidade de, nas palavras de Engels, “um poder público que já não corresponde diretamente à população e se organiza também como uma força armada”, ou seja, a PM é um poder público que tem como função conter pela violência qualquer manifestação de resistência do povo contra as injustiças que constantemente a propriedade privada e o lucro no capitalismo produzem na sociedade.

Por isso é errado afirmações que passam a ideia que ela está a serviço da proteção da vida de todos os cidadãos. Não é verdade. Na realidade, a PM existe para proteger e garantir o direito inviolável da propriedade dos ricos. Qualquer manifestação que ponha em risco o lucro e o direito à propriedade dos grandes empresários, banqueiros e latifundiários a PM é acionada para proteger e manter a lei e a ordem. Não importa se há pessoas sem moradia, o importante é garantir a especulação imobiliária. Não importa que a passagem de ônibus é cara, é preciso tirar o povo da rua para garantir o lucro dos donos dos ônibus. Não importa se é para derrubar um governo nitidamente genocida como o de Bolsonaro, etc.  A PM não é uma instituição neutra ou cidadã, é uma instituição de classe em defesa estabilidade da sociedade burguesa e principalmente da defesa do grande capital.

A PM no Brasil é fruto também de um outro processo histórico específico: A Ditadura Militar de 1964. Com o Golpe, o regime militar remodela o “destacamento separada de homens armados” através de alguns atos como o AI-5 e cria a PM como uma força de segurança alicerçada no mesmo funcionamento das Forças Armadas e subordinada a elas, cuja tarefa era auxiliar na repressão aos opositores do poder militar no país. Na prática, a PM passou a ser um exército estadual nas mãos dos governantes com organização militar cuja doutrina era alicerçada na ideia do governo militar de que havia um inimigo interno a combater, os inimigos da nação. A PM foi fundamental para perseguir, prender, torturar e matar vários ativistas durante os 20 de Ditadura

Também vem desse período a “normalização” das incursões da PM nas favelas, morros e periferias em todo o Brasil, sob a justificativa de guerras às drogas, que transformou a população pobre e negra em alvo de vários massacres, execuções e chacinas. Ou seja, a PM é um órgão repressor, militarizado e muito racista.

É por esse motivo que a militarização foi e ainda é a forma que a burguesia brasileira melhor encontrou para que a PM pudesse defender o interesse das multinacionais, os bancos e grande propriedade rural no país. E mesmo com o fim da Ditadura Militar, a PM foi incorporada sem problemas pelo regime da Nova República e mantém até hoje todas as suas características acima, de ver a população como inimigo a ser eliminado.

A eleição de Bolsonaro trouxe, sem dúvida, elementos novos que incidem sobre todas as forças de segurança do país, principalmente, sobre a PM. Com seu discurso de criminalização da pobreza e a exaltação da Ditadura, o governo Bolsonaro quer legalizar – veja a defesa do Presidente do excludente de ilicitude – as ações criminosas das polícias sobre a população pobre e negras. Há setores das forças de segurança que foram ganhos ideologicamente e que se sentem livres para realizar ações como foi nos casos da Polícia Civil no Jacarezinho no Rio ou do Tenente da PM de Goiás que prendeu um professor em Goiás por ter uma faixa chamando o Presidente de genocida. Em ambos os fatos esses setores apoiaram suas ações nas falas do Presidente. Por isso, não se descarta a influência da propaganda do bolsonarismo na Tropas de Choque e Rádio Patrulha de PE que reprimiram o ato contra o Governo Bolsonaro.

Os governos do PT de Lula e Dilma nada fizeram para mudar essa situação. Permitiram que esse sistema gestado durante a ditadura permanecesse intacto. Não tiveram a vontade política de romper com essas estruturas do passado. Isso se expressou quando Dilma disse que não iria fazer uma revanche sobre os crimes da ditadura, o que significava não punir e atuar para a mudança das polícias militares. Ao contrário, o PT também foi responsável pela criação da Força Nacional de Segurança, uma estrutura federal militarizada que tem como função auxiliar as polícias estaduais quando essas não conseguem dar conta de manter a ordem.

De governos militares, passando pelos do PT até governos como o de Bolsonaro, a Polícia Militar tem sido instrumento de contenção das lutas contras as injustiças no capitalismo.

Para acabar com a repressão às lutas é importante a desmilitarização da PM e formando, dessa forma, uma única polícia civil. Desmilitarizar também legalizaria o direito democrático dos policiais militares formarem sindicatos, se sindicalizarem e fazer greves, sem correr o risco de ser presos ou expulsos da corporação por isso. Se a polícia serve para a segurança pública, então os chefes devem ser leitos pela população dos bairros e poder ser removido a qualquer momento. Isso seria poderia evitar cenas de brutalidade, como a que assistimos, das tropas de Choque e Rádio Patrulha aqui.

De outro lado, defendemos o direito democrático da periferia, das organizações dos trabalhadores e da juventude à autodefesa para se proteger das incursões e ataques que a PM ou qualquer força de segurança contra suas mobilizações, protestos e greves.

Defender o Fora Bolsonaro e Mourão não apenas é fundamental para acabar com a pandemia e o desemprego como também com a questão da violência policial, porque significa defender as nossas liberdades democráticas de manifestação, organização e expressão do povo contra o projeto de autoritário, de autogolpe, de ditadura militar que esse governo prega todos os dias.