Redação

Professores da UFRJ analisam a “contra-reforma” da Previdência Social de Lula, que segue as orientações do Banco MundialA Previdência Social e as propostas de “contra-reforma” apresentadas pelo Governo Lula não se constituem em propostas originais. Diferenciamos reforma de contra-reforma porque a primeira pode operar de modo progressista ao aumentar e estender direitos de uma dada categoria para a totalidade dos trabalhadores, enquanto a segunda persegue a meta contrária: reduzir direitos pela via da regressão das relações sociais entre capital e trabalho a momentos já superados do desenvolvimento do capitalismo.

As sucessivas propostas de “contra-reforma” da Previdência Social seguem rigorosamente as recomendações do Banco Mundial, sintetizadas no documento “Prevenir a crise do envelhecimento: políticas para proteger as pessoas idosas e promover o crescimento”, de 1994. O documento orientador das contra-reformas garante a abertura de um enorme e razoavelmente novo espaço de acumulação capitalista, ao desarticular os sistemas públicos de Seguridade Social1 em geral, e de Previdência Social em particular, para dar à Previdência Complementar (privada) espaços de crescimento que não poderiam existir, senão pela redução dos valores dos benefícios do sistema público e por solidariedade.

A Previdência Complementar funciona por meio de duas modalidades: a Aberta (os planos oferecidos pelos Bancos e pelas Seguradoras) e a Fechada (planos de uma categoria profissional, de uma empresa ou conjunto de empresas, chamado Fundo de Pensão).

O espaço para o crescimento da previdência complementar se faz pelo rebaixamento do teto dos benefícios da previdência pública.Quanto menor for este teto, e menores os benefícios para a população, maior será o número de trabalhadores que terá de recorrer aos planos de previdência privada, na arriscada tentativa de complementação de suas aposentadorias.

O diagnóstico e a receita do Banco Mundial

O Banco Mundial apresenta as propostas de contra-reforma e seu diagnóstico sobre a inviabilidade de sistemas previdenciários públicos, universais e por repartição, a partir de três pontos:

1) “Um grave problema demográfico”
O Banco vê com “muita preocupação” a queda da taxa de natalidade e o crescimento da população idosa – acima de 60 anos – no mundo. Sua previsão toma o ano de 2030 como o ano da “catástrofe”: o mundo terá cerca de 1 bilhão e 400 milhões de idosos. Para ele, os recursos dos assalariados devem subvencionar as necessidades dos idosos e como o número de assalariados é cada vez menor, a alternativa sugerida é o corte de direitos.
Problemas no argumento do Banco Mundial: A longevidade humana não pode ser compreendida como um problema. Poder viver mais do que há alguns séculos atrás é uma conquista. Ademais, a produção de riquezas jamais foi tão intensa e monumental como o é em nossa época. A proteção previdenciária só está em questão porque a lucratividade do capital, produzida pelos trabalhadores, não é dividida entre os próprios trabalhadores.

2) Falência de numerosos sistemas públicos de aposentadorias
O documento do Banco toma como exemplo para constatar a inviabilidade dos sistemas públicos as falências dos sistemas da Zâmbia e Venezuela.
Problemas no argumento do Banco Mundial: O Banco deveria indicar aos seus leitores as contribuições dadas por ele mesmo para que as economias destes países desenvolvessem os graves problemas que apresentam. De igual modo, poderia mencionar países como o Chile e Argentina que, ao seguirem sua receita e realizarem as contra-reformas nos sistemas de pensão, tiveram como resultado graves crises econômicas e sociais. Não deveria omitir também a catástrofe do sistema de aposentadorias por capitalização.

3) Os regimes públicos “favorecem os ricos em detrimento dos pobres”
O Banco diz que existem distorções no pagamento dos benefícios previdenciários porque os trabalhadores mais pobres sustentam as aposentadorias dos “trabalhadores mais ricos” na previdência pública.
Problemas no argumento do Banco Mundial: Por quê, diante dessa tal situação de injustiça, o Banco não propõe em seus documentos a elevação dos pisos mínimos de benefícios previdenciários? A saída para a justiça social nunca poderá ser a de reduzir a aposentadoria de todos os trabalhadores ao piso mínimo e a um teto absolutamente rebaixado como é o caso dos valores em vigência no Regime Geral da Previdência Social. Ao conjunto dos trabalhadores, somente pode interessar uma reforma na qual os direitos conquistados por algumas categorias – como a dos servidores públicos – sejam estendidos para todos os trabalhadores do país. Com a contra-reforma, o que se busca não é a resolução de uma injustiça, mas opor trabalhadores da iniciativa privada aos trabalhadores do serviço público para mais uma vez cassar direitos e impedir a unidade de todos na luta contra o capitalismo.
Tais propostas têm dois objetivos: 1) estender a situação de injustiça previdenciária para todos os trabalhadores e taxar os do serviço público (ativos, aposentados e pensionistas) de ‘privilegiados’para os distanciar dos demais 2) Ao fomentar este clima contra os trabalhadores do serviço público, apresenta-se a “solução” para os problemas previdenciários: a Previdência Complementar.
O segredo dos ataques à Previdência Social e aos servidores públicos, revela-se na necessidade do modo capitalista de produção de encontrar novos montantes de capital para o financiamento de sua acumulação em mais um de seus momentos de crise.

A privatização via Fundos de Pensão

A privatização da Previdência reveste-se de conteúdo e interesse diferenciados das demais privatizações. Os recursos previdenciários mobilizados pelos fundos de pensão se formam com surpreendente rapidez e são contínua e crescentemente renovados.

Com a privatização da Previdência estima-se que o mercado financeiro se apropriará de cerca de R$ 670 bilhões até 2.010.

O regime de capitalização é uma poupança individual, cuja aplicação do dinheiro é controlada pelo sistema financeiro, através de corretoras ligadas aos bancos que operam no mercado de capitais. Ela é praticamente toda investida no mercado de ações (Bolsa de Valores) ou em títulos do governo. Esta, por exemplo, é a situação atual da PREVI (Fundo de Pensão do Banco do Brasil) que tem 58% de seus ativos investido em ações. Em 2002 os Bancos Bilbao Viscaya e Santander controlavam cerca de 60% do mercado de fundos privados na América Latina.

A Previdência Social, Pública e Solidária não tem risco de quebrar. Pois tudo o que é arrecadado é imediatamente distribuído (regime de repartição simples) para as aposentadorias da geração que já trabalhou (solidariedade entre gerações).
Já as aposentadorias contratadas com Fundos de Pensão ficarão sempre ao sabor do que ocorra no mercado financeiro, dominado pela especulação.

No Chile mais de 70% de tais Fundos faliram. Nos EUA e Inglaterra muitos deles estão em quebra e empresas como a Enron nos dão forte exemplo: a previdência dos trabalhadores não deve estar presa aos rodopios das bolsas de valores. Só nos EUA 470 mil trabalhadores já perderam suas aposentadorias.

Fundos operam a serviço da exploração

Mas além de operarem prioritariamente como capitais especulativos, os fundos de pensão aprofundam dramaticamente a alienação do trabalho quando querem os sindicatos (e os sindicalistas) empenhados na gestão deste negócio capitalista.
Ao contrário de “gerar empregos” e “crescimento econômico”, estes Fundos operam no sentido da superexploração do trabalho. Sua rentabilidade está ligada à valorização das ações e, portanto, à maior lucratividade das empresas. Por isso, os Fundos que ajudaram nas privatizações e tornaram-se sócios de empresas como a Embraer, Usiminas, Vale do Rio Doce e outras apoiaram o arrocho salarial e as demissões ali ocorridas, como fez a Previ na Embraer. Eles querem também que seus segurados trabalhem mais tempo e ganhem menos quando se aposentarem. Por isso buscam trocar o regime de benefício definido pelo de contribuição definida, um sistema no qual o trabalhador não sabe com quanto vai se aposentar e vai depender das condições de mercado na época da aposentadoria.

A possibilidade de os sindicatos instituírem fundos de pensão, já legalmente aprovada no Brasil, indica o enraizamento de idéias capitalistas no seio das organizações dos trabalhadores e entre seus dirigentes.

Para os trabalhadores, a Previdência e as demais políticas sociais integrantes da Seguridade Social não podem ser trocadas por formas de previdência privada e seguros individuais.

Os argumentos para justificar a superexploração do trabalho têm sido alardeados como a salvação da economia brasileira: a formação da poupança interna. Ao denominarmos poupança os capitais formados pelos fundos de pensão, também devemos indicar que ela se prestará às exigências do capital e, sobretudo, às do capital especulativo.

As propostas do governo Lula aprofundam a contra-reforma da Previdência iniciada por FHC. E, numa evidente manobra para tentar diminuir as críticas dos servidores ao seu projeto, o governo propõe que estes fundos de pensão sejam administrados em parceria pelos servidores e pelos governos.

Sara é professora da Escola de Serviço Social da UFRJ e José Miguel é professor da Escola de Engenharia da UFRJ. Ambos são membros dos Grupos de Trabalho em Seguridade Social da Adufrj-SSind e do Andes-SN.

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