Dr. Ary Blinder, médico do SUS em São Paulo (SP)
Neste dia 17 de março, o Brasil pela primeira vez ultrapassou a marca de 2 mil mortos na média móvel de óbitos por Covid-19. São 19 dias seguidos de recordes na média móvel. Concentramos, no momento, 20% das mortes diárias por Covid-19 no mundo todo.
As causas deste crescimento contínuo e sustentado são várias. A primeira é a disseminação por todo o país da variante P.1, também conhecida como cepa de Manaus. Ela é mais transmissível, mais letal e atinge pessoas mais jovens do que a cepa original. A segunda razão é o que está sendo denominado corretamente como colapso sanitário. No dia 16 tínhamos 18 capitais com ocupação maior do que 90% das UTIs, criando filas de espera para leitos com centenas de pessoas, a depender da região. Por serem pacientes graves e instáveis, que necessitam de procedimentos complexos, tornou-se comum ocorrerem mortes de doentes nas filas de espera das UTIs. Isso está ocorrendo em várias cidades, inclusive nas mais ricas como São Paulo.
Há preocupação também com a iminente possibilidade de falta no fornecimento de oxigênio hospitalar, insumos medicamentosos para procedimentos de UTI como entubação e risco de colapso funerário, com o crescimento acelerado dos óbitos provocando falta de caixões. Uma pesquisa da Folha de S. Paulo concluiu que desde o início da pandemia,72.264 pessoas morreram em hospitais por Covid sem terem conseguido ser transferidas para UTI. Este dado retrata um colapso sanitário da maneira mais crua possível. Importante pontuar que estas mortes não se deram apenas no SUS, também ocorreram no setor privado.
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Este cenário ao que parece ainda não chegou ao pico. Mesmo com os prefeitos e governadores sendo obrigados a criar restrições de circulação das pessoas para diminuir o contágio, falta coragem política aos principais gestores para decretar lockdown de verdade, como acontece em outros países que foram mais bem sucedidos no controle da Covid. Casos graves como São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro exigem restrições de circulação muito mais rígidas para evitar a propagação do vírus. É triste ver as cenas do transporte público lotado, mas este quadro só pode ser revertido por ação das três esferas estatais, numa combinação de isolamento social rígido com auxílio emergencial para trabalhadores, desempregados, informais e pequenos empresários.
Enquanto isso em Brasília, no reino encantado bolsonarista, o presidente resolveu trocar o ministro da Saúde, sem explicar o motivo da mudança. Esta explicação é mais do que necessária, já que Bolsonaro deu inúmeras declarações altamente elogiosas para o demitido Pazuello. Todos sabem que a gestão Pazuello foi um desastre de proporções catastróficas, que trouxe o Brasil para esse cenário de colapso sanitário. Pazuello está sob investigação em vários processos, a começar pelo tristemente famoso episódio de falta de oxigênio em Manaus. O escolhido pelo presidente para ser o novo ministro é Marcelo Queiroga, médico cardiologista. A primeira declaração de Queiroga foi de que sua gestão será de continuidade e que quem manda é o presidente. Um começo nada auspicioso, que indica que o quarto ministro da Saúde no período de um ano provavelmente vai ser um novo fracasso. Isso durante a pior crise de saúde que o Brasil enfrenta em décadas e neste cenário de colapso sanitário.
Queiroga declarou também que pretende unir os gestores da saúde nas três esferas, que quer romper a atual polarização. Se o objetivo é esse, precisa fazer um giro de 180 graus na política do ministério da Saúde. Tem que começar bancando as medidas de isolamento social e ajudando os gestores estaduais e municipais. Para isso tem que se chocar com Bolsonaro. Terá que lidar também com um ministério militarizado, onde cerca de 20 militares ocupam posições chave, a maioria com pouco ou nenhum conhecimento de saúde pública.
Outra grave dificuldade para a missão do novo ministro é a questão orçamentária. Há uma previsão orçamentária com queda de mais de 20% no orçamento da Saúde, fruto da “responsabilidade fiscal”. Enfrentar o colapso da saúde com queda no orçamento e sendo teleguiado pelo pior presidente da república de nossa história é uma missão próxima do impossível.
Um elemento assustador é que mesmo no parlamento essa visão de conto de fadas sobre a pandemia propagada por Bolsonaro tem eco. Os novos presidentes da Câmara e do Senado se omitem frente ao gravíssimo colapso sanitário e preparam um auxílio emergencial ínfimo para uma situação muito mais grave do que a de 2020. O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (que foi ministro da Saúde no governo Temer) afirmou que a situação “não é tão crítica, é até confortável”. Não custa lembrar que até 10 de março já haviam morrido nada menos que 21 assessores de parlamentares em Brasília.
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A saída é a vacinação em massa
Como já afirmamos diversas vezes, a saída definitiva desse caos só pode ser feita pela vacinação em massa da população. A vacinação está muito lenta, muito abaixo do potencial de resolução do SUS pela falta de vacinas. A culpa é sim de Bolsonaro, que recusou propostas desde agosto do ano passado e, inclusive, desautorizou publicamente o ex-ministro Pazuello que havia se comprometido em comprar vacinas do Butantã após pressão dos governadores e secretários estaduais de saúde. Só este episódio já é suficiente para levar Bolsonaro e Pazuello para julgamento por traição de sua missão constitucional de defesa da vida do povo.
Além de fazer sabotagem da importância das vacinas em suas lives pela internet, Bolsonaro dizia que as empresas fabricantes é que tinham de procurar o Brasil para oferecer vacinas e não o governo que deveria ir atrás das vacinas. O resultado é que estamos extremamente atrasados na vacinação e o ritmo de entrega de vacinas segue muito lento. Pazuello, antes de ser demitido, deixou uma planilha que chegava a 562 milhões de vacinas encomendadas, mas o grosso para o segundo semestre de 2021. Para o mais imediato, cada declaração que deu no mês de março foi para diminuir a previsão de entrega de vacinas.
Para complicar ainda mais o cenário brasileiro, devido aos erros criminosos de gestão do governo federal objetivamente só temos a Coronavac e a de Oxford-Astrazeneca da Fiocruz. Nesta semana vários países europeus suspenderam provisoriamente a aplicação da vacina da Astrazeneca devido à suspeita de terem causado casos de trombose em trinta pessoas. Esta atitude foi criticada corretamente pela agência europeia EMA e pela OMS, pois embora sempre se tenha que pesquisar e estudar os casos de possíveis efeitos colaterais de medicamentos e vacinas, o número de casos frente à população que tomou a vacina é até inferior ao que se espera estatisticamente de casos de trombose em uma população na faixa etária que tomou a vacina nestes países europeus.
Em outras palavras, a não aplicação das vacinas é de longe muito mais danosa. Evidentemente se os estudo e pesquisas encontrarem dados mais graves, as agencias fiscalizadoras terão de rever a liberação desta empresa. Mas é importante não ser ingênuos e entender que existem altos interesses políticos e econômicos por trás das atitudes dos países europeus e também dos Estados Unidos. Esta semana foi divulgado, por exemplo, que o governo Trump fez muita pressão sobre vários países, inclusive o Brasil, para que não comprassem a vacina russa Sputnik V.
Enquanto a vacinação em massa não se completa, a única forma conhecida e confirmada em vários países de amenizar o colapso sanitário é o isolamento social para diminuir a propagação do vírus. Para que o isolamento social seja bem sucedido é primordial que o auxílio emergencial de verdade chegue a quem precisa, do desempregado até o pequeno empresário. Se estas medidas não forem aplicadas rapidamente, estaremos caminhando para a lamentável marca de 500 mil mortos por Covid em poucos meses.
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