Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

Hoje, não faltam motivos para que odiemos Bolsonaro e sua corja e lutemos, sem tréguas, para derrubá-los. Afinal, além de negacionista, genocida, uma ameaça permanente às mínimas liberdades democráticas, em função de seu projeto ditatorial,  eles têm o racismo, o machismo, a LGBTIfobia, a xenofobia como suas marcas registradas.

Contudo, seus ataques e cortes de direito ocorrem em meio a uma crescente polarização socioeconômica e política que também tem se manifestado em crescentes lutas e rebeliões ao redor do planeta. E exatamente em meio a isto que também tem proliferado uma burguesia “liberal” que tem se “reposicionado” na luta de classes com um duplo objetivo. O primeiro, igualzinho o de seus pares da ultradireita: manter os seus lucros. O segundo, um pouco mais “esperto”: cooptar os movimentos sociais e alimentar a ilusão na conciliação de classes como resolução para os gravíssimos e profundos males que atingem a humanidade.

Depois de décadas batendo na tecla desafinada do “mito da democracia racial”, que negava por inteiro a própria existência do racismo (e, por tabela, qualquer outra forma de opressão); um setor da burguesia se apercebeu que, tanto para seus negócios imediatos (tendo em vista o consumo) quanto pra a própria manutenção do sistema, o melhor é criar um novo mito: o da burguesia preocupada com o racismo, o machismo, a LGBTfobia estruturais.

Castelo de areia

Ilusões que se desmancham com o soprar da crise

Basta considerar algumas manchetes da imprensa para vermos como a ideia tem se propagado: Como as empresas podem ajudar a combater o racismo (“Época Negócios”, 20/11/2020); Carrefour avança no projeto de combate ao racismo estrutural (“Veja”, 19/08/2021); Qual o papel das empresas na agenda LGBTI+? (“Instituto Ethos”, (25/05/2021), e por aí vai.

Para além da hipocrisia, essas manchetes que refletem uma contradição. Hoje, quando movimentos de luta contra as opressões têm arrancado conquistas e direitos e estão longe de se darem por satisfeitos; a burguesia neoliberal tenta reinventar seus estratagemas. E tem uma receita: intervir diretamente nos setores em luta, seus programas e métodos para tentar manter suas reivindicações nos marcos da democracia burguesa e, acima de tudo, da lógica capitalista.

As táticas utilizadas são muitas e quase todas resultantes de uma combinação ou variantes de teses reformistas e/ou pós-modernas, como o empreendedorismo; o empoderamento individual; a parceria com ativistas; a criação de comitês internos para debater “diversidade”; a localização (através do discurso “meritocrático”) de mulheres, negros(as) e LGBTIs em “postos de poder e prestígio” dentro das empresas; campanhas massivas de propaganda e publicidade, com a “representatividade” destes setores.

Mas todas essas medidas são parciais, temporárias e distorcidas diante das opressões. Isso quando não passam de pura ilusão.

A necessidade transformada em empreendimento

O empreendorismo é exemplar neste sentido. Primeiro, qualquer um que tenha nascido e crescido na periferia, particularmente numa família negra, sabe que isto não passa de um nome pomposo para algo que, desde sempre, foi uma estratégia de sobrevivência para nós. Uma necessidade que, agora, querem vender como um caminho para a ascensão social e à chamada “libertação-pelo-mercado”.

Nossos ancestrais, a começar pelos “escravos de ganho” (colocados nas ruas para vender e prestar serviços) “inventaram” esta história. Somos filhos de pais metalúrgicos que, vez ou outra, montavam barraquinha na feira para vender produtos cultivados na roça do pátio do cortiço; netas de avós que intercalavam o trabalho como “doméstica” com o “bico” como quituteiras e irmãs e irmãos de pedreiros que mantinham um “negocinho” de consertos com os primos.

A institucionalização desta prática pelas empresas é ilusão que se desmancha no ar, levada pela própria crise do sistema. É isto que foi sintetizado, por exemplo, na manchete da “Folha de S. Paulo”, em 18/09/2021: “Crise econômica reverte aumento de negros e mulheres no empreendedorismo”.

Baseado na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNDA) Contínua, o artigo demonstra que são exatamente os empreendimentos de negros (“pretos” e “pardos”) e mulheres que mais foram afetados entre 2019 e 2021, exatamente quando esta modalidade foi vendida como “grande solução” para o enfrentamento da pandemia. Valendo lembrar, ainda, que são exatamente estes setores que mais têm dificuldade até mesmo para abrir seus negócios, conseguir crédito ou atender aos critérios de financiamento estipulados pelo programa chamado “Microempreendedores Individuais” (MEI).

O beco sem saída e o caminho sem volta da cooptação

Não estão apenas vendendo ilusões. Também é parte de seu projeto desviar ativistas e movimentos do enfrentamento direto com o capitalismo, através da institucionalização, seja no setor público, seja no privado.

Quem segue por esse caminho esquece que as amarras do capitalismo se confundem com as correntes da opressão desde a época da escravidão. Amarras e correntes que só poderão ser definitivamente quebradas quando mulheres, LGBTIs, negros, quilombolas, indígenas e imigrantes se juntarem aos batalhões da classe trabalhadora organizada para tomarem o poder, através de conselhos populares e instituições socialistas que, de fato, representem a diversidade do nosso povo.