Redação
No dia 16 de maio, o povo chileno foi às urnas eleger os parlamentares que irão escrever a nova Constituição do país. O principal fenômeno deste processo foi a eleição de candidatos independentes ligados às lutas sociais (48 dos 155 constituintes), superando a votação dos partidos tradicionais de direita e da esquerda reformista. María Rivera, do MIT (Movimento Internacional dos Trabalhadores, seção da Liga Internacional dos Trabalhadores – LIT), foi uma das constituintes eleitas por uma lista independente. Reconhecida no país por sua luta em prol dos presos políticos, María falou sobre a eleição ao Opinião Socialista.
Opinião – Você foi eleita com mais de 18 mil votos, a 4ª mais votada do Distrito 8, o maior do país. A que você deve isso?
María Rivera – Sem dúvida isso se deve ao processo revolucionário que se abriu no dia 18 de outubro de 2019. A raiva e o descontentamento generalizado do povo trabalhador foram os principais fatores que fizeram a nossa candidatura ser eleita. Além disso, tenho uma importante trajetória pessoal de luta social. Nos últimos 10 anos, defendi centenas de presos políticos, mapuche [povo originário mais importante do Chile], dirigentes sociais e sindicais. Então, sou muito respeitada por ativistas de diferentes ideologias políticas dentro da esquerda. Nossa participação na Lista do Povo [coalizão eleitoral de independentes] também foi um fator decisivo, já que uma enorme parcela da classe trabalhadora votou por candidaturas que não eram dos partidos tradicionais. Estamos muito felizes por nossa votação, em um dos distritos eleitorais mais populares e operários do país.
Fale sobre expressiva votação dos independentes, da eleição de candidatos indígenas, feministas e outros ativistas das lutas sociais
Um dos principais jornais burgueses do país (El Mercurio), para descrever o resultado eleitoral, escreveu que os independentes não simplesmente “mexeram as peças no tabuleiro”, mas que “instalaram um tabuleiro novo”. Efetivamente, a grande quantidade de independentes demonstra o rechaço da população aos partidos que governaram nos últimos 30 anos. Algumas candidaturas muito importantes foram eleitas, principalmente de ativistas que são parte do processo revolucionário – Rodrigo Rojas Vade, Natividad Llanquileo -mapuche- e outras. Também entraram candidatos LGBTs e feministas [a principal candidatura feminista não conseguiu se eleger, de Karina Nohales].
Acreditamos que os independentes serão muito importantes para representar as demandas populares dentro da Convenção, mas acreditamos que a única forma que a classe trabalhadora tem de realmente impor suas reivindicações é com mobilização e organização fora da própria Constituinte. Também vemos uma limitação importante das candidaturas independentes. Em sua maioria, seus programas são muito parecidos aos programas reformistas da Frente Ampla e do Partido Comunista. Basicamente, querem que o Chile seja um Estado de Bem Estar Social com uma Constituição que garanta direitos sociais básicos como saúde, educação e moradia, mas não questionam as bases econômicas que mantêm o país totalmente refém das transnacionais e das famílias burguesas chilenas mais ricas.
A direita não conseguiu chegar a um terço da Constituinte que precisava para frear as mudanças constitucionais. Contudo, o grande empresariado ainda pode se apoiar neles e nos partidos da esquerda reformista para impedir as transformações que o Chile precisa. Fale sobre isso
Exatamente. A direita não conseguiu chegar a um terço, mas os partidos financiados pela grande burguesia sim. Toda a coalizão de “centro-esquerda”, onde está o Partido Socialista, o Partido Radical, entre outros, é uma coalizão burguesa. Em temas centrais como propriedade privada, renacionalização do cobre, o caráter burguês do Estado, autonomia do Banco Central e outros, também os reformistas da Frente Ampla e do Partido Comunista farão um bloco com os constituintes burgueses. É possível que haja diferenças entre eles, por exemplo, o Partido Comunista defende uma maior presença do Estado na economia, mas essas diferenças não são tão radicais a ponto de não negociarem. A única candidatura revolucionária e socialista é a nossa.
Qual vai ser sua primeira proposta na Constituinte e como será o seu mandato?
Em primeiro lugar, vamos propor não respeitar o Acordo pela Paz que deu origem ao Processo Constituinte e que impõe condições que limitam muito o trabalho da Constituinte. Isso significa derrubar o quórum de ⅔ [dois terços é o mínimo necessário aprovar qualquer medida na Constituinte], não respeitar os Tratados de Livre Comércio já assinados pelos governos anteriores e aprovar a destituição do governo de Piñera e do Parlamento atual. Nós propomos que a Constituinte destitua o governo e o Parlamento e eleja um governo provisório, porque a Constituinte, ainda que seja também um “Parlamento” que deforma muito a vontade popular, hoje é o único órgão institucional com alguma legitimidade para o povo. Então, vamos propor que a Constituinte eleja um novo governo provisório para convocar novas eleições em todos os âmbitos e com critérios mais democráticos (inclusive para a própria Constituinte), para que a vontade popular seja realmente representada.
Vamos propor ainda que a Constituinte vote a libertação de todos os presos políticos. Essas são as primeiras medidas. Mas o mais importante é que queremos utilizar essa tribuna para demonstrar à maioria dos trabalhadores que a única possibilidade de mudar de fato este país é com a expropriação das 10 famílias mais ricas e suas empresas, das transnacionais mineiras e grandes bancos. Sabemos que tudo isso só se conseguirá com uma enorme mobilização e greve geral, por isso, nosso mandato estará à disposição da organização dos trabalhadores por fora da Constituinte. Nossa prioridade não será o trabalho parlamentar e negociações com os outros constituintes.