Soraya Misleh, de São Paulo

Vamos dormir com as mãos sobre o peito, porque nunca sabemos se vamos morrer nessa noite.” A frase é da palestina Maram Hamdan, uma das mães que vivem mais uma vez o massacre sionista em Gaza neste momento. Em live organizada pela ativista brasileira Karine Garcêz em seu canal, no dia 19 de maio, Maram chamou atenção para o genocídio que ocorre na estreita faixa e que já deixou 219 palestinos mortos, entre os quais 36 mulheres e 63 crianças. “Estou com a mochila pronta, com passaporte, documentos, porque temos apenas cinco minutos para deixar a casa se resolverem bombardear.

Ruayda Rabah, palestino-brasileira que vive na Cisjordânia, trouxe outro relato da dramática situação: “Em 2013, um menino palestino perdeu toda sua família num bombardeio em Gaza. Só ficou ele e a irmã, a qual morreu no massacre em 2014. Há mais ou menos cinco dias esse jovem se jogou de um prédio de oito andares, se suicidou porque não suportou outro genocídio.”

E continuou: “As mulheres palestinas não aguentam mais enterrar seus filhos, visitar seus pais, maridos e filhos nas prisões israelenses por alguns minutos e passarem por humilhação. A situação aqui é insuportável. Em poucos dias foram 26 jovens mortos na Cisjordânia, todos com tiros na cabeça ou no coração, porque estão resistindo, defendendo sua terra. E agora temos a pandemia de Covid-19 com várias pessoas na UTI e não há leitos para tratar os feridos nos hospitais. As mulheres com entes queridos nas UTIs estão pedindo que eles sejam removidos dos leitos caso cheguem jovens em estado grave.”

Maram indigna-se: “Não consigo entender porque o mundo se cala diante de tanta injustiça desde 1948. Nós não podemos respirar há 73 anos.”

Nakba

A referência é à Nakba, a catástrofe com a criação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948 em 78% da Palestina histórica, mediante limpeza étnica planejada pelo sionismo. Naquele momento foram expulsos violentamente 800 mil palestinos de suas terras e destruídas cerca de 500 aldeias. Há registros históricos de genocídio em pelo menos 31 desses vilarejos. Em 1967, Israel ocupou militarmente os 22% restantes: Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Mais 350 mil palestinos se somaram ao contingente enorme de refugiados, que hoje somam 5 milhões em campos nos países árabes, mais milhares na diáspora mundo afora.

A sociedade, há 73 anos, segue completamente fragmentada, com aproximadamente metade de seus mais de 13 milhões de palestinos fora de suas terras. Neste momento, a resistência heroica e histórica une a fratura imposta pelo projeto colonial sionista. A Nakba continua, e os palestinos gritam ao mundo o que Ruayda e Maram chamam atenção: não aguentam mais e têm dado suas vidas para pôr fim à catástrofe.

Resistindo à expulsão

Sheikh Jarrah, o início da revolta

A busca do Estado sionista de escrever com sangue palestino mais um capítulo da limpeza étnica no pequeno bairro palestino de Sheikh Jarrah, em Jerusalém, detonou a revolta espontânea, sem liderança dos partidos tradicionais. A resistência toma as ruas em toda a Palestina histórica, na diáspora mundo afora e nos campos de refugiados nos países árabes.

Na Palestina de 1948 (onde hoje se denomina Estado de Israel), centenas de palestinos se unem aos protestos em diversas cidades. A repressão israelense, que conta com uma milícia armada de colonos sionistas, tem sido violenta. Vários palestinos ficaram feridos e têm sido presos. Em Lod, um foi morto na segunda-feira, dia 10, e o Estado sionista declarou estado de emergência. Os “palestinos de 1948” somam cerca de 1,5 milhão de pessoas que descendem dos poucos remanescentes da Nakba após a ocupação de 1948. Eles vivem sob 60 leis racistas, sendo tratados como cidadãos de segunda ou terceira categoria.

Na Cisjordânia, ocupada em 1967, os cerca de 3 milhões de palestinos – que enfrentam regime institucionalizado de apartheid – se somam igualmente na resistência. A violência da ocupação é sempre brutal. Já matou 26 palestinos e feriu mais de 500. São muitos os presos políticos. Em Ramallah, a Autoridade Palestina, gerente da ocupação, chegou a reprimir um protesto há alguns dias.

Nesta terça-feira, dia 18, a classe trabalhadora da Cisjordânia, de Gaza e da Palestina de 1948 protagonizou forte greve geral. A solidariedade internacional se amplia. Dias antes, portuários da Itália haviam se recusado a carregar navios com remessas de armas que seriam usadas no massacre israelense.

Países vizinhos

Também do Líbano e da Jordânia, mostras da resistência. Além de protestos a partir dos campos de refugiados, foram, juntamente com os outros árabes desses países, às fronteiras exigir que sejam derrubadas. Em Amman, capital da Jordânia, exigiam o fim do tratado de paz que normalizou em 1994 as relações com Israel e o fechamento da embaixada sionista. A resistência desafia os inimigos da causa palestina, identificados pelo revolucionário palestino Ghasan Kanafani (1936-1972): o imperialismo/sionismo, os regimes e burguesia árabes.

Imperialismo

Enquanto os Estados Unidos seguem a enviar ajuda militar bilionária anual de US$ 3,8 bilhões e Biden aprovou em 5 de maio US$ 735 milhões para armas a Israel matar mais, mantendo o apoio estratégico ao seu enclave militar – e, por isso, enfrentando uma crise interna jamais vista antes –, essa resistência mostra que a quarta potência bélica não pode derrotar quem sabe por que luta, quem tem a justiça a seu lado e inspira oprimidos e explorados em todo o mundo. Que floresça a Intifada (levante popular) e de seu interior surja uma direção revolucionária. Rumo à Palestina livre, do rio ao mar.