
Redação
Neste dia 11 de setembro completam-se 50 anos do golpe militar no Chile. Deixamos aqui a nossa homenagem às mais de 40 mil vítimas da brutal ditadura perpetrada por Pinochet, com a participação direta dos EUA e, inclusive, da ditadura brasileira. Mas queremos lembrar, em especial, de um camarada que fez parte da linha histórica do PSTU: Túlio Quintiliano.
Túlio integrava um pequeno grupo de militantes brasileiros, então exilados no Chile, chamado Ponto de Partida. De origens políticas distintas na luta contra a ditadura militar no Brasil, esse grupo se reuniu no exílio a partir da aproximação com o trotsquismo. Mais especificamente, com Mario Pedrosa e Hugo Blanco e, posteriormente, com o dirigente argentino Nahuel Moreno.
De volta ao Brasil, parte do grupo, já ligado à corrente morenista, e atuando como Liga Operária, viria a constituir a Convergência Socialista, principal corrente que formaria o PSTU. Mas Túlio não voltou. Foi executado poucos dias após o golpe e a sua prisão pelas autoridades chilenas.
Tortura e exílio
Nascido no Rio de Janeiro, Túlio Quintiliano estudou engenharia na PUC, integrando na época o PCBR (Partido Comunista Revolucionário Brasileiro), um racha do PCB formado em 1968. Chegou a ser preso e torturado várias vezes, mas conseguiu sair vivo dos porões da repressão e se formar. No entanto, em julho de 1970, foi condenado pela Justiça Militar à prisão, à revelia, refugiando-se no consulado do Chile para pedir asilo.

Foi ainda no consulado que Túlio conhece um dos principais precursores do trotsquismo no Brasil, Mário Pedrosa. Já em Santiago, capital chilena, no final de 1970, começa a trabalhar num órgão estatal responsável pela reforma agrária, se casa com Narcisa Beatriz Verri Whitaker, com quem tem uma filha em 1973.
A influência de Pedrosa, e do dirigente peruano Hugo Blanco, aproxima-o do trotsquismo e ele se junta a outros exilados brasileiros: Jorge Pinheiro e Maria José, a Zezé, ambos oriundos do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), de influência brizolista; Enio Buchioni, da Ação Popular, e Waldo Mermelstein que, já no Chile, se aproximaria do MIR (Movimento Esquerda Revolucionária). O grupo escreve um artigo polemizando com o guerrilheirismo e a concepção vanguardista de luta armada que predominava na esquerda, defendendo o retorno ao marxismo e ao proletariado como sujeito da revolução, chamado “A propósito de um sequestro”. O texto, publicado na Revista de América, teve certa repercussão e causou debate entre a esquerda na época.
Prisão e execução
Mas veio o golpe de 11 de setembro de 1973. Túlio foi preso já no dia seguinte, junto com sua esposa. Após um interrogatório, Narcisa foi liberada, mas Túlio permaneceu detido. A justificativa dada pela ditadura foi a de que ele não portava documento de residência no país. Narcisa foi orientada a buscar o documento em casa, mas, ao retornar à Escola Militar, onde foram detidos, Túlio já não mais estava. E nunca mais seria visto.
Soube-se, mais tarde, que Túlio foi enviado ao Regimento de Artilharia Tacna, utilizado então como centro de detenção provisória, e de onde quase ninguém escaparia com vida. Por anos, a esposa e a mãe de Túlio buscaram, sem sucesso, seu paradeiro, junto às autoridades chilenas e órgãos internacionais, inclusive brasileiras. Não houve qualquer resposta. Até que finalmente, aparece um “informe” do Centro de Informações no Exterior (CIEX), órgão ligado ao SNI, relatando que “Túlio Quintiliano teria sido fuzilado em 15 de setembro de 1973, em dependências do Regimento Tacna, após ter sido julgado e condenado por um Tribunal de Guerra”.
Essa informação chegou ao SNI, mas nunca foi repassada oficialmente à família de Túlio, nem se sabe sua origem. Ao contrário, descobriu-se mais tarde várias comunicações trocadas entre as ditaduras brasileiras e chilenas orientando a não repassar qualquer informação sobre o caso, reforçando a cumplicidade criminosa entre as duas ditaduras.
Do restante do grupo, Enio consegue exilar-se na França, enquanto Zezé, Jorge e Waldo refugiam-se na Argentina, onde, sob a orientação de Moreno, fundam a Liga Operária. Em 1974, a Liga Operária retorna ao Brasil e passa a atuar clandestinamente no país.
Túlio, presente!
Passados 50 anos, não se sabem exatamente as circunstâncias em que Túlio foi assassinado pela ditadura de Pinochet, nem o paradeiro de seu corpo. Apenas em 1992 foi reconhecida a responsabilidade do Estado chileno por seu desaparecimento, e em 2014 a Comissão Nacional da Verdade do Brasil, em viagem ao país, requeriu a abertura de processo judicial para investigar a morte do brasileiro, as responsabilidades envolvidas e o paradeiro de seus restos mortais. Como tantos ativistas executados e brutalizados pelas ditaduras, inclusive a brasileira, suas famílias sequer tiveram o direito a uma última homenagem ou a um sepultamento digno. É uma espécie de tortura que se arrasta indefinidamente, e que nos faz lembrar com indignação da impunidade com que esses assassinos e torturadores gozaram esses anos todos.
Mas a memória de Túlio permanece. Mais do que isso, 50 anos depois, podemos dizer que, de certa forma, ele permanece vivo. Pelo legado que deixou, seu exemplo de luta e sacrifício. Uma trajetória que se entrelaça com a nossa e uma memória que o PSTU, humildemente, reivindica, ao seguir lutando pelo socialismo e a revolução. Um partido que luta, inclusive, contra a tragédia da conciliação de classes que desatou no golpe chileno (lembremos que Pinochet era do próprio gabinete militar de Allende).
Enquanto estivermos vivos e lutando pela revolução socialista, por uma sociedade justa e igualitária, sem qualquer tipo de exploração e opressão, os assassinos e ditadores não terão vencido. Enquanto estivermos respirando, o martírio de Túlio e tantos outros companheiros e companheiras, não terá sido em vão, e estarão sempre conosco. Até o socialismo, e sempre!
Saiba mais
Biografia de Túlio Quintiliano no Memorial da Resistência de São Paulo