PSTU Floripa

Gabriela Santetti e Mariah Madeira do PSTU-Florianópolis

Nesta terça-feira, 3, vieram a público imagens inéditas do julgamento do caso Mariana Ferrer. As imagens são dignas de um show de horrores e reforçam o entendimento popular de que esse julgamento é completamente injusto e, portanto, inaceitável.

O caso Mariana Ferrer revela que a hipocrisia, o machismo e a crueldade da justiça burguesa não conhecem limites.

Mariana Ferrer foi estuprada pelo empresário André de Camargo Aranha, no beach club Café de la Musique, em dezembro de 2018, em Florianópolis (SC). Mariana trabalhava, naquele dia, como promoter na festa do beach club e foi dopada, pois perdeu a consciência e havia consumido apenas uma dose de gim, como atesta sua comanda.

Desde então, Mariana trava uma batalha solitária na justiça burguesa contra um empresário que é defendido por um dos advogados mais caros da região.

As imagens da audiência divulgadas hoje não deixam dúvidas de que esse julgamento é inaceitável. Mariana é agredida verbalmente e humilhada pelo advogado do estuprador durante a audiência. O juiz e o representante do Ministério Público assistem a tudo com indiferença.

Mas ao dar sua sentença, o juiz revela que a indiferença era apenas em relação ao sofrimento da vítima já que, para absolver o réu, criou um novo tipo de crime até então inexistente no ordenamento jurídico: o estupro culposo.

Em linhas gerais, o juiz aceitou o argumento do Ministério Público (MP) de que, apesar de ter estuprado Mariana, André de Camargo Aranha não teve a intenção já que não houve “dolo na conduta do agressor e ciência da vulnerabilidade que acomete a vítima”

Mariana vai ao Ministério público denunciar André de Camargo Aranha por estupro. O promotor do MP, Alexandre Piazza, assume o caso e denuncia André de Camargo Aranha por estupro de vulnerável, no início de 2019. Mas no decorrer do processo Piazza abandona o caso e é substituído pelo procurador Thiago Carriço de Oliveira que, segundo informa o The Intercept Brasil¹, em suas alegações finais cria a tese absurda de que houve um estupro sem intenção. Assim, o Ministério Público – acionado pela vítima de estupro – pede a absolvição do réu por estupro.

Dizemos que a tese de “estupro culposo” é absurda porque consentimento não se presume. Isto é, se a pessoa está incapaz de consentir ela não está consentindo.

Estuprador conduz vítima dopada

Por não haver no código penal o crime de “estupro culposo”, André de Camargo Aranha, foi absolvido do estupro de Mariana Ferrer, já que ninguém pode ser punido por um crime que não existe. Além disso, favorece que outros estupradores sejam absolvidos em processos semelhantes.

A justiça burguesa e a cultura do estupro

A justiça numa sociedade capitalista é incapaz de se elevar sobre os antagonismos sociais entre a burguesia e a classe trabalhadora. De tal sorte que, por dominar o Estado, a burguesia também domina e manipula o direito de acordo com seus interesses.

A chamada processualidade do direito burguês é firmada sobre os fatos e as chamadas provas. Via de regra, sempre que há um conflito entre a burguesia e os trabalhadores, por ter a lei e o dinheiro a seu favor, a burguesia consegue sempre produzir mais provas contra os trabalhadores, do que estes contra aquela.

Mas, quando o ocorre o inverso, cada operador do direito burguês (juízes, promotores etc.) se encarrega de agir para salvaguardar os interesses de classe da burguesia.

Neste caso, não foi diferente. Mariana Ferrer apresentou um grande número de provas da violência sexual que sofrera: a perícia médica constatou que Mariana sofreu a violência sexual; havia testemunhas confirmando que Mariana não estava sóbria, havia filmagens mostrando Mariana sendo seguida por André de Camargo Aranha para longe da festa e um laudo pericial comprovando que o sêmen encontrado nas roupas de Mariana pertenciam a André de Camargo Aranha.

Mas de nada adiantou esse conjunto de provas para condenar André de Camargo Aranha. E o que a filmagem da audiência mostra é a inversão completa dos papéis. De vítima, Mariana passa a ser julgada pelo advogado do estuprador, Cláudio Gastão da Rosa Filho, por fotos postadas em suas redes sociais. Portanto, a denúncia de Mariana Ferrer é desqualificada porque, de acordo com a lógica dos argumentos do advogado do estuprador, Mariana Ferrer não era uma jovem “decente”.

Isto é, o advogado do estuprador desqualifica a denúncia de Mariana, a vítima, a partir de um conjunto de valores machistas que, ao fim ao cabo, justificam a cultura do estupro.

A cultura do estupro culpa a vítima pelo crime, porque diz que a conduta da mulher justifica a violência. A causa do estupro é apontada em qualquer coisa, menos no estuprador: na roupa da mulher, onde ela estava, que fotos postava nas redes sociais, etc.

O advogado do estuprador grita com Mariana em plena audiência, sob os olhares indiferentes do procurador do Ministério Público e do Juiz, Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis.

Mariana implora ao juiz que intervenha e cesse aquela enxurrada de insultos e agressões verbais: “Excelentíssimo, eu tô implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”.

Apesar de ter sido vítima de uma das violências mais abjetas, Mariana não contou com a solidariedade de nenhum dos homens naquela audiência. Ao contrário, o que vimos ali foi, também, o comportamento de uma camarilha masculina que vê no réu (um homem branco burguês) um semelhante. Revelando, mais uma vez, que a justiça tem classe, cor, gênero e sexualidade.

Diante da enorme repercussão do vídeo da audiência, um integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pediu para que Corregedoria Nacional de Justiça abra um procedimento preliminar para investigar a ação do juiz Rudson Marcos, durante a audiência.

Mas isso ainda é muito pouco. Por isso atos em solidariedade à Mariana Ferrer estão sendo convocados em todo o país. E nós do PSTU nos somaremos a eles para exigir a anulação desse julgamento humilhante e machista! E por afastamento do juiz, do procurador do MP e punição ao advogado Cláudio Gastão da Rosa.

Em vários lugares do mundo as mulheres foram às ruas para lutar. Na Belarus, milhares de mulheres saíram às ruas para protestar contra o governo de Alexander Lukashenko, eleito pela 6ª vez em uma eleição fraudulenta.

A Polônia estremeceu com um enorme levante de mulheres após a decisão do Tribunal Constitucional do país emitir uma decisão que restringe o direito das mulheres ao aborto. Com gritos de “liberdade, igualdade, direitos das mulheres” as mulheres polonesas saíram às ruas, em meio à pandemia do novo coronavírus para enfrentar o governo ultraconservador de Andrzej Duda, do Partido Lei e Justiça (PiS). Mostrando que o caminho para todas as mulheres e trabalhadores é a luta.

Por isso, não vamos tolerar mais a cultura do estupro! Vamos às ruas em solidariedade à Mariana Ferrer e em defesa da vida das mulheres trabalhadoras!

  • Anulação do julgamento, já!
  • Por um novo julgamento, com a presença de representantes mulheres!
  • Cassação da OAB do advogado do estuprador Cláudio Gastão da Rosa Filho!
  • Afastamento imediato do juiz Rudson Marcos!
  • Afastamento imediato do Procurador do MP, Thiago Carriço de Oliveira!

1 Ver: https://theintercept.com/2020/11/03/influencer-mariana-ferrer-estupro-culposo/. Acesso em: 03 nov. 2020.