PSTU-ABC

Tânia Cellegaro (MML) e Raquel Polla (PSTU)

No dia 4 de setembro, os vereadores de Santo André, região do ABC Paulista, desferiram um duro ataque à política pública de saúde da mulher e ao direito ao aborto legal. Foi aprovada na Câmara Municipal a Lei 10.702/2023, de autoria de Márcio Colombo (PSDB), com voto contrário somente do vereador Ricardo Alvarez do PSOL.

Diz a “lei nova” sobre aborto:

“(…) proíbe-se a promoção de políticas públicas, campanhas ou manifestações de qualquer natureza que incentivem a prática do aborto, por qualquer dos órgãos da administração pública direta, indireta e das autarquias no município de Santo André.” Lei 10.702/2023

Em seu artigo 3º esclarece que “o agente público que descumprir a legislação terá processo administrativo disciplinar aberto contra si para apuração de responsabilidade e aplicação de penalidade proporcional”.

Nitidamente, esta nova lei é inconstitucional, tanto que sofreu veto do prefeito Paulo Serra (PSDB), o que, porém, foi derrubado posteriormente pela Câmara. É mais um passo, dentre tantos, para criminalizar o aborto e restringir as escassas possibilidades de realização de forma legal, ou seja, como quando a mãe corre risco de morte, se o feto tem anencefalia (feto sem cérebro) ou se a gravidez é resultado de violência sexual. Os servidores públicos não poderão sequer falar sobre o tema e orientar as mulheres sobre o acesso ao aborto legal.

É uma continuidade das políticas públicas conservadoras, reacionárias e de extrema direita que, ano após ano, vêm retirando gradativamente os direitos sociais e políticos da população

Há anos os movimentos e ativistas ligados à luta pela legalização do aborto denunciam as barreiras que as mulheres têm que enfrentar para realizar o aborto legal, ou, aquele denominado “necessário”, autorizado pela lei federal:

“(…) Ocorre que, mesmo sendo expressamente permitido, os médicos escusam-se de realizá-lo sob alegação de divergência moral. Ademais, não há infra-estrutura adequada para o procedimento e os profissionais de saúde exigem da mulher autorização judicial, termo de boletim de ocorrência ou avaliação por uma Junta Médica. (Morais, 2008, p.51)

Hipocrisia disfarçada de defesa da vida

Os propiciadores destes ataques em Santo André são, em primeiro lugar, hipócritas, porque silenciam sobre a realidade de que existem clínicas clandestinas que atendem as mulheres que podem pagar.

Em segundo lugar, ignoram o problema das mulheres trabalhadoras que não têm recursos para isso e que recorrem a métodos abortivos improvisados, inseguros, que muitas vezes provocam sequelas gravíssimas e inclusive a morte, sendo as mulheres negras as principais vítimas.

E, por último, não menos importante, escondendo-se por detrás da defesa da vida, ignoram a tragédia na vida e saúde da mulher, sem condições ou desejo de um filho, ver-se obrigada a tê-lo. Isso, muito agravado no caso das crianças e adolescentes. O mesmo Estado que não garante o direito ao aborto seguro, também não garante às mulheres trabalhadoras uma maternidade digna e condições para criar seus filhos.

Este panorama que já por si é muito ruim, os vereadores de Santo André pretendem piorar com esta “lei nova” aprovada.

Proibição, negação, punição, omissão, desinformação, morte

Estas são as palavras-chave que resumem a política pública de saúde referente ao aborto. Nesse marco, temos que exigir a revogação da lei em Santo André, com a mobilização e luta dos movimentos de mulheres e de toda a classe trabalhadora contra esse ataque à vida das mulheres.

Mas precisamos ir além. Nossa luta é por educação sexual nas escolas e centros de saúde, pelo direito à informação, pelo acesso a contraceptivos como política pública, e pela legalização do aborto, que seja garantido de forma segura e gratuita pelo SUS às mulheres que optarem por fazê-lo.

Em vários países a luta das mulheres e dos trabalhadores tem mostrado que somente assim, com mobilização e ação direta, é possível conquistar esse direito.

Referência

Lei n. 10.702, de 4 de setembro de 2023. CÂMARA MUNICIPAL DE SANTO ANDRÉ.

“Lei sancionada pela Câmara de Santo André gera polêmica em torno do aborto”. JORNAL ELETRÔNICO “REPÓRTER DIÁRIO.  ABC – Ano 18 – quarta feira, 13 de setembro de 2023 – Edição 5.617

Morais, Lorena Ribeiro de. A legislação sobre o aborto e seu impacto na saúde da mulher. Senatus: cadernos da Secretaria de Informação e Documentação, v. 6, n. 1, p. 50-58, maio 2008. http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/131831