Por: Shirley Silverio e Claudio Donizete – Secretaria Nacional de Negras e Negros
“Meu filho morreu com fome”. A frase é de Dionésia Pereira Barros, mãe de Bruno e avó de Ian, assassinados em Salvador-BA após serem entregues para traficantes pelo Supermercado Atakarejo, rede de hipermercados na Bahia.
Bruno Barros, de 29 anos, e Ian Barros, 19, tio e sobrinho, foram assassinados na última segunda-feira (26), no bairro de Amaralina, em Salvador (BA). O motivo? Acusação de roubo de cinco quilos de carne do supermercado Atakarejo.
Sempre com violência e crueldade. E quase sempre negros.
Os seguranças e o gerente da loja, imediatamente, entregaram Bruno e Ian para traficantes, que torturaram e mataram os dois no mesmo dia. Seus corpos foram encontrados no porta-malas de um carro. E antes do crime, a família foi chantageada pela segurança da loja, com a cobrança de R$ 10 mil para que não fossem entregues aos traficantes.
É um crime bárbaro, que reafirma o quanto vivemos num país racista, onde empresários milionários colocam seus lucros acima das vidas. Além disso, mostra as associações desses empresários com o crime organizado.
Segundo a cobertura do Correio 24 horas, a mãe de Ian, Elaine Costas Silva, informou que nenhum funcionário do supermercado Atakarejo entrou em contato com a família para prestar qualquer tipo de apoio.
O maior responsável por esse crime é Teobaldo Luís da Costa, o dono da rede de supermercados Atakarejo. Teobaldo tem uma fortuna avaliada em 341 milhões de reais, foi candidato a prefeito de Lauro de Freitas, cidade localizada na Região Metropolitana de de Salvador, nas eleições de 2020 pelo DEM e financiou Antônio Carlos Magalhães Neto à prefeitura de Salvador em 2016.
Dois pesos e duas medidas: aos negros a sentença de morte; aos brancos e ricos evitar constrangimentos
É impossível não lembrar de João Alberto, assassinado por seguranças do Carrefour em Porto Alegre – RS, em pleno dia da consciência negra. Ou do jovem negro de 17 anos que foi amordaçado, chicoteado e torturado em 2019, por furtar uma barra de chocolate no supermercado Ricoy em São Paulo.
O Brasil, que tem capacidade de alimentar 1 bilhão de pessoas, sendo um dos maiores produtores de comida do mundo, é o mesmo Brasil onde jovens negros são assassinados por roubar comida, e onde 116 milhões de pessoas conviveram com algum grau de insegurança alimentar nos últimos três meses de 2020 e 19 milhões enfrentaram a fome no último trimestre de 2020, como mostra os estudos realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
Na mesma semana que Bruno e Ian foram assassinados, a 15 km do hipermercado, em uma loja de delicatessen Casa do Pão, ocorreu um crime similar. Mas a tratativa dos funcionários e do proprietário foram bem diferentes. O dono do estabelecimento, Alexsandro Prazeres, deu a declaração a seguir:
“Ela chegou num Jeep Compass, foi entrando na loja, bem tranquila…então os funcionários já bastante atentos, acostumados com essas situações, perceberam a suspeita mexendo na bolsa, mas não tinham certeza”. Ai ele segue: “… após realizar o furto, a mulher chegou a ir até o caixa para fazer o pagamento de outros produtos, mas não do queijo. Ela demonstrou ter ficado um pouco nervosa, mas rodou a loja, pegou algum outro produto, foi no caixa, pagou e foi embora”. E finaliza: “A gente não chegou a abordar ela porque como os funcionários apenas tiveram a impressão, e eu ainda não tínhamos visto as gravações, ficou um receio de gerar um constrangimento, né?!”, acrescentou o empresário.
No caso da rede Atakarejo, o gerente e os seguranças não tiveram nenhum “receio de constrangimento” ao entregar aos traficantes os dois jovens negros, revelando a diferença de comportamentos e tratativas aos dois casos. Além da associação do Atakarejo com o crime organizado na “segurança” de suas lojas, fica nítido que não há nenhuma preocupação com as leis e muito menos com a dignidade humana.
Redes de supermercados: racismo, violência e impunidade
Infelizmente esse não é o primeiro caso de violência, racismo e morte dentro dos supermercados, shopping’s entre outros estabelecimentos comerciais.
Em um rápido levantamento na internet é possível ver uma lista interminável de situações similares. E vem crescendo ainda mais devido ao registro, informal muitas vezes, de casos de racismo. Tudo isso na esteira do alastramento da crise capitalista e sanitária, com o aumento do desemprego e crescimento da fome entre os trabalhadores nas periferias.
Como registra matéria do jornal Estadão no dia 24/11/2020: “Em casos famosos de violência contra negros em supermercados, a maioria dos agressores segue sem punição e as empresas não foram responsabilizadas na Justiça. É o que mostra levantamento em outros processos em que as vítimas foram torturadas, agredidas ou mortas por funcionários das lojas.”
Punição e prisão a todos os responsáveis por esses crimes bárbaros
Para reverter essa violência é necessário um forte combate à impunidade de todas essas abordagens criminosas e racistas. É importante confiscar os bens desses responsáveis em resposta à reparação dos crimes racistas e bárbaros cometidos com a anuência desses empresários e grupos econômicos. Indenizar exemplarmente seus familiares. E prender todos os responsáveis, a começar pelos empresários, por essa barbárie imposta e praticada pelos capitalistas por crime contra a humanidade e de racismo. Não podemos seguir vendo as estatísticas da morte de jovens negros subir a cada ano e cada vez mais marginalizar os negros e pobres nas periferias do Brasil.
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Referências
Veja também:
https://www.pstu.org.br/justica-ja-ao-brutal-assassinato-de-joao-alberto-silveira-de-freitas/