Israel Luz, de São Paulo (SP)

Neste início de 2022, duas histórias da Zona Norte de São Paulo revelam de modo revoltante como o Judiciário e a polícia tratam os filhos da classe trabalhadora.

Rodrigo e Jonnatha

Desde o dia 18 de janeiro, os jovens Rodrigo Gonçalves Bonfim (20) e Jonnatha Gonçalves dos Santos (21) estão presos acusados de participação em um assalto na Brasilândia.

Nesse dia, um motorista de aplicativo foi abordado por três pessoas ao atender uma corrida na rua Alfredo Lúcio. Após um tempo em poder dos ladrões, a vítima conseguiu escapar e acionou a Polícia Militar.

Os PMs Leonardo Carlos Raccioni Galante e Alberto Balbino Da Costa Neto saíram em patrulha e, na rua apontada pelo motorista, abordaram Rodrigo e Jonnatha. Os dois moram lá e estavam em frente de casa quando a polícia chegou.

Segundo os policiais, os primos teriam tentado fugir ao ver a viatura. Mas a família e testemunhas contestam esta versão. Os familiares têm ainda imagens de uma câmera próxima que mostra os jovens em frente à casa quando o motorista foi assaltado.

Há mais inconsistências na versão oficial. Por exemplo, não faz sentido imaginar que, após assaltar alguém, os ladrões permaneceriam tranquilamente no mesmo local. Outra questão é que os policiais registraram o lugar do crime em um número inexistente na via.

Todos esses elementos vêm sendo desprezados pelo Judiciário e os jovens permanecem presos. Com muita coragem, familiares e amigos vêm tentando reverter essa situação.

Luiz Henrique e Tauã

Poucos dias antes do caso acima, no dia 15, os jovens Tauã Ribeiro dos Santos, Luiz Henrique Policarpo (20) e Matheus Estenio Alves (22) foram presos. Eles tomavam aulas de direção na região conhecida como “Retão” quando foram abordados pelos policiais Alessandro Floriano da Costa Scamilha e Thiago Vicente Bonfim dos Santos.

Os PMs buscavam os responsáveis pelo roubo de um Onyx nas imediações. Capturaram os três e, de modo irregular, levaram os rapazes à presença da vítima para reconhecimento fora da delegacia.

Tauã e Luiz, que são negros, teriam batido com o perfil dos assaltantes. Matheus, que é branco e estava o tempo todo com eles, não. Na delegacia acabou sendo liberado, enquanto seus amigos foram mantidos presos.

Como Rodrigo e Jonnatha, ambos trabalham, têm residência fixa e não tem antecedentes criminais.  Não é coincidência que, tanto no primeiro, quanto no segundo caso, estejamos diante de prisões tratadas como flagrantes, embora a única coisa que conecte os jovens às acusações sejam reconhecimentos feitos pelas vítimas em condições totalmente questionáveis.

Não são casos isolados

No Brasil em que Möise Kabagambe foi morto sem reação dos policiais chamados a intervir no linchamento; em que Durval Teófilo Filho foi morto pelo vizinho e sargento da Marinha, Aurélio Alves Bezerra; jovens negros e da periferia são presos a partir de reconhecimentos feitos com base muito mais em estereótipos racistas, do que em quaisquer procedimentos policiais aceitáveis.

Os olhos do racismo só reconhecem a ideia pré-concebida de que jovens negros e periféricos estão ligados ao banditismo e à criminalidade. Desse modo, basta a palavra da polícia para arrancar filhos e filhas das famílias trabalhadoras da periferia.

Em São Paulo, um elemento em particular deve ser destacado. Há uma meta de enquadros e prisões em flagrante que rendem vantagens aos policiais: quanto mais flagrantes, mais chances de obter folgas, por exemplo[1]. Não é difícil imaginar aonde isso leva.

Há caminhos bem concretos pelos quais o Estado dos ricos organiza o encarceramento da população negra e trabalhadora na periferia. Por isso, não podemos nos dar ao luxo de estar menos preparados para reagir: não podemos nos calar, nem deixar que as autoridades atuem como bem quiserem. Liberdade para Rodrigo, Jonnatha, Tauã e Luiz!

Com informações da Ponte Jornalismo

[1] https://ponte.org/enquadros-da-pm-sao-mais-invasivos-nas-periferias-e-rendem-ate-folgas-a-policiais/