Palácio do Supremo Tribunal Federal destruído após invasão de bolsonaristas
Eduardo Almeida

Ainda não estão nítidos todos os elementos que estiveram na base dos acontecimentos de Brasília no domingo do dia 8 de janeiro. Mas, com o que já se sabe, é possível, e necessário, afirmar categoricamente que houve uma tentativa derrotada de golpe.

As ações foram parte de um plano nacional que incluiu a invasão do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) por menos de 10 mil pessoas. Eles quebraram tudo o que puderam por duas horas, sem qualquer repressão. Mais que omissão, houve implicação explícita da Secretaria de Segurança e do comando da Polícia do Distrito Federal, participação de militares da ativa e da reserva das Forças Armadas, além da conivência e do apoio implícito do comando das FFAA.

Foram organizadas também bloqueios das refinarias de petróleo (para impedir o abastecimento de combustível e gás), uma nova onda de bloqueios de estradas e ocupações de vias públicas no país. Assim, esperavam que se desencadeasse um “levante de massas” no país, que abrisse caminho para a intervenção do Exército que concretizasse o golpe militar que pedem desde que foi declarada a derrota de Bolsonaro nas urnas. Tudo isso terminou refluindo na medida em que a operação em Brasília foi derrotada, e ficou evidente que os golpistas não tinham força para atingir seu objetivo.

Houve uma direção nacional, que foi Bolsonaro, que viajou para os EUA para estar fora do país no momento da tentativa de golpe. Ele acertou com Anderson Torres, então secretário de Segurança Pública do DF e seu ex-ministro, que substituiu os comandos da defesa em Brasília dias antes de 8 de janeiro. Na véspera, Anderson Torres viajou para os EUA e se encontrou com Bolsonaro, depois de sabotar a defesa da capital perante a “manifestação” convocada.

Não há como ligar esses fatos e não tirar a conclusão de que se tratou de uma tentativa de golpe militar. A comparação, justa, com a invasão do Capitólio em 2021, indica o mesmo conteúdo. Aquela foi uma ação de um setor de ultradireita, organizado por Trump, para impedir a certificação da vitória eleitoral de Biden. Uma tentativa de golpe nos EUA, expressando a crise na democracia burguesa do principal país imperialista.

Bolsonaro, um seguidor de Trump, tentou um golpe no Brasil. Trata-se da primeira tentativa de golpe no país desde a derrubada da ditadura militar.

Por que a tentativa de golpe foi derrotada? Porque, ao contrário de 64, o governo dos EUA está contra um golpe no Brasil, apoia a estabilização da democracia na América Latina, contra a política de Trump. Porque a grande burguesia brasileira, majoritariamente, está conta o golpe. Essa rejeição da grande burguesia impediu que as cúpulas das FFAA passassem da cumplicidade com as ações em Brasília a uma sublevação militar. Mas, não impediram sua conivência para demonstração de força para efeito de maior chantagem em prol de sua aspiração de tutela militar e “poder moderador”.

O golpe não foi vitorioso também porque a maioria da população brasileira está contra. Por isso, não houve o levante de massas esperado pelos bolsonaristas com a ocupação do STF.

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As manifestações golpistas, as Forças Armadas e o governo Lula

Uma reação ainda fraca do governo Lula

A reação do governo Lula foi tardia e fraca.  Tardia, porque o governo empossado não teve condições de garantir uma segurança mínima das sedes dos três poderes.

Aqui entram os papéis criminosos do governo do DF de Ibaneis Rocha (MDB-Bolsonarista), de Anderson Torres (o bolsonarista nomeado Secretário de Segurança por Ibaneis), e da cúpula das FFAA, que protegeu os bolsonaristas golpistas. Todos eles conheciam os planos e são corresponsáveis pelo sucedido.

Mas não se pode avaliar o que se passou sem falar do papel de José Múcio, Ministro da Defesa de Lula. Uma figura com laços com a ultradireita, elogiado publicamente no passado por Bolsonaro. Trata-se da aposta de Lula para “dialogar” com o peso bolsonarista na cúpula das FFAA e das polícias.

Antes da tentativa de golpe, Múcio caracterizou as manifestações em frente aos quartéis como “democráticas”. Foi diretamente responsável pela não existência de um plano real de defesa, por acreditar e se apoiar nos comandos atuais bolsonaristas.

A reação só veio no final da tarde, depois das invasões e depredações do Planalto, Congresso e STF, com algumas centenas de prisões, a intervenção federal na segurança do DF e o afastamento do governador por 90 dias pelo STF.

No entanto, até agora, o dirigente da tentativa de golpe – Bolsonaro- não foi responsabilizado nem política, nem juridicamente. Os comandos bolsonaristas das FFAA e das polícias, que foram partes ativas do que ocorreu, em sua maioria absoluta, ainda seguem em seus postos. Os grandes burgueses que financiaram e patrocinaram a invasão ainda não foram tocados.

A derrota sofrida pela tentativa de golpe enfraqueceu conjunturalmente Bolsonaro e fortaleceu Lula. Esse momento de derrota conjuntural de Bolsonaro deveria ser utilizado para atacar as suas bases golpistas nas FFAA e na burguesia.

Mas não é isso que sinaliza o governo Lula. Está apostando em seguir o “diálogo” com os comandos militares bolsonaristas, não atacar a grande burguesia, e não punir Bolsonaro.

O fenômeno da ultradireita é mundial. Mas existem algumas particularidades no Brasil, e uma delas é o seu peso na cúpula das FFAA. Aqui, os comandos militares não foram depurados depois da queda da ditadura, como aconteceu em outros países, como na Argentina. O peso do bolsonarismo nas direções das FFAA e polícias é muito maior do que a de Trump nos EUA, por exemplo. Caso isso não seja enfrentado, o bolsonarismo vai seguir com o peso atual e pode capitalizar outras conjunturas no futuro.

Qual a política dos marxistas perante uma tentativa de golpe?

O momento de uma tentativa de golpe militar de direita é a única realidade na qual os marxistas revolucionários devem defender o regime democrático burguês. Porque estamos perante o risco de um golpe e retrocesso para uma ditadura.

Por isso, defendemos a unidade de ação com todos que rechacem o golpe, inclusive com o governo Lula/Alckimin. Estamos na primeira linha desta luta, assim como defendemos a punição dos golpistas, seus cúmplices militares e patrocinadores burgueses, assim como seu dirigente Bolsonaro.

No entanto, isso não se confunde com um apoio político ao governo Lula, e tampouco às instituições dos chamados poderes da República. Toda a esquerda reformista, assim como a burguesia liberal, coloca um sinal de igualdade “estar contra o golpe” e “apoio ao governo Lula” ou “apoio às instituições da democracia burguesa (parlamento, poder judiciário e poder executivo)”. Nós diferenciamos categoricamente essas duas coisas.

Nós pensamos que a classe trabalhadora necessita ter independência de classe, quer dizer, se organizar de forma independente da burguesia e ter um projeto seu de sociedade. Por esse motivo, a classe trabalhadora e suas organizações não podem estar atreladas ao governo Lula-Alckmin, por suas relações com a grande burguesia e defesa do sistema capitalista e imperialista. Por isso somos oposição de esquerda ao governo e defendemos que a classe trabalhadora faça o mesmo, do contrário será refém e estará atrelada à burguesia e a um projeto capitalista

Outra igualdade completamente equivocada é juntar a defesa da democracia burguesa contra a tentativa de golpe- que é correta- com a continuidade agora da defesa do regime democrático burguês ou das instituições desse regime.

Nós defendemos as liberdades democráticas, e não essa democracia dos ricos que temos hoje em nosso país. Não somos os apoiadores desse Congresso dominado pela burguesia, e pela direita corrupta. Não somos os defensores desse judiciário dominado pela alta burguesia, contrário aos interesses dos trabalhadores.

Para derrotar a ultradireita, mobilizar as massas e organizar a autodefesa

A única conclusão que se pode tirar dos acontecimentos é que não se pode confiar nas instituições da democracia burguesa sequer para se defender contra um golpe. Por isso estamos vendo a ultradireita crescer em todo o mundo.

A única forma real de enfrentar e derrotar a ultradireita é com a mobilização de massas e a organização, pelos próprios trabalhadores, da sua autodefesa.  Quem derrubou as ditaduras na Amárica Latina foram as mobilizações de massas. Inclusive no Brasil, foram as mobilizações pelas “Diretas Já”, as mobilizações estudantis, as greves operárias que levaram à crise terminal da ditadura, que acabou sendo canalizada por negociações com os militares. Quem impediu o golpe militar contra Chavez em 2002 na Venezuela foram as massas nas ruas.

É preciso aliar a mobilização de massas com a organização da autodefesa. As ações da ultradireita podem ser enfrentadas com a organização dos trabalhadores. Os enfrentamentos das torcidas organizadas com os bloqueios bolsonaristas já demonstram isso.

É preciso levar esta discussão ao conjunto da classe trabalhadora e da juventude. Assim como é necessário que se adotem mediadas práticas para organização e treinamento da autodefesa pelos trabalhadores. E essa é uma tarefa urgente e fundamental que precisa ser tomada pelos sindicatos e movimentos populares e sociais.

Trata-se de uma necessidade para defender as greves e manifestações contra os grupos bolsonaristas. Assim como para enfrentar ações golpistas do bolsonarismo, se estas voltarem a ocorrer.

Um diálogo com os ativistas do movimento que acreditam e defendem o governo Lula/Alckimin

Queremos dialogar com a base do PT, PSOL, PCdoB, e com todos os trabalhadores e jovens que acreditam neste projeto político que é defendido pelo PT, PSOL, PCdoB e outros partidos. Temos opiniões distintas sobre o governo de Lula-Alckmin, mas acreditamos que em comum temos a defesa das demandas da nossa classe e o objetivo de esmagar a ultradireita bolsonarista. Então, chamamos a todas e todos os camaradas a que somemos nossas forças, para cobrar, exigir do governo que adote medidas à altura para derrotar até o fim o golpismo da ultradireita:

– “Sem anistia”, como gritaram manifestantes em todo o país, na segunda-feira (9). É preciso apuração, identificação e punição exemplar de todos os envolvidos;

– É preciso identificar todos os empresários que financiaram a tentativa de golpe, puni-los criminalmente e confiscar todos os seus bens;

-É preciso afastar e punir exemplarmente toda a cúpula das Forças Armadas que esteve envolvida ou foi conivente com a tentativa de golpe, a começar pelo ministro da Defesa. É urgente a desmilitarização das PMs.

E, por outro lado, é preciso atender as reivindicações mais importantes para nossa classe neste momento:

– A revogação total e imediata das reformas trabalhista e da Previdência;

– De imediato dobrar o valor do salário mínimo e estabelecer um plano para atingir o valor calculado pelo DIEESE para o salário mínimo nacional;

– Suspender as privatizações em curso e reverter as que foram realizadas, como da Vale, Embraer, o que foi privatizado da Petrobrás (e que gera os aumentos abusivos do preço do gás de cozinha e dos combustíveis), etc;

– Dar andamento imediato na reforma agrária sob controle dos trabalhadores do campo, e na demarcação das terras indígenas e quilombolas;

– Suspender de imediato o pagamento da dívida pública aos bancos para destinar recursos para a saúde, educação, moradia e combate à fome.

Mas, além disso, queremos alertar toda a classe trabalhadora e todo ativista com consciência de classe que nós não podemos ficar prisioneiros de governos de aliança com a burguesia e de um projeto capitalista, que implica em ter como prioridade a defesa do lucro e da propriedade dos grandes meios de produção e circulação de capital (fábricas, bancos, agronegócio, grandes redes de comércio).

Nós precisamos unir a classe trabalhadora e o povo pobre, que, juntos, somos a grande maioria, para impedirmos de verdade qualquer tentativa de ditadura, assim como para lutarmos por um governo dos trabalhadores única forma de conquistar nossas reivindicações e defender a soberania do país.

As organizações dos trabalhadores e da juventude precisam tratar de ganhar os trabalhadores que apoiam Bolsonaro

Instalou-se uma certa crise política na base bolsonarista a partir da tentativa de golpe. E o bolsonarismo tem como base um setor dos trabalhadores pobres, que foram convencidos por igrejas evangélicas e pelos grupos da ultradireita, a aderir ao projeto bolsonarista.

Precisamos mostrar a estes trabalhadores o erro que significa apoiar Bolsonaro e seu projeto, e para isso não adianta xingar essa base bolsonarista. É preciso explicar pacientemente que essa tentativa de golpe era para impor uma ditadura militar. Essa ditadura é para impedir que se possa lutar, fazer greves em defesa dos salários e direitos dos trabalhadores.

Bolsonaro não é, como eles acreditam, um “lutador contra o sistema”. É o defensor mais radical do sistema capitalista que aí está. Bolsonaro e sua família, corruptos “de carterinha” (vide gastos do cartão corporativo da presidência que começam a ser divulgados na imprensa), são o pior do sistema. Por isso defendem o golpe e um regime militar.

É preciso que os sindicatos e movimentos populares e sociais busquem o diálogo com estes trabalhadores, trabalhadoras, encontrem os melhores argumentos para este diálogo, de modo a arrancá-los da influência política do bolsonarismo.