Quando se está na região meridional de Mato Grosso do Sul, porção do território originário dos Guarani e Kaiowá, é preciso ter cuidado com o que fala e com quem fala. O racismo é brutal. Simpatizantes da causa indígena não são bem-vindos e podem sofrer retaliações. Também é preciso tomar cuidado quando se percorrem as estradas cruzando imensas plantações de soja que hoje cobrem o território ancestral indígena em direção às aldeias e retomadas. Uma emboscada pode lhe esperar logo ali à frente.

A violência contra os indígenas é parte de uma rotina infame. Uma tocaia pode estar à espreita a qualquer momento, especialmente quando os indígenas estão sozinhos e vão buscar água ou lenha na mata. Foi assim que o jovem indígena Alex Lopes, de 18 anos, foi assassinado por um pistoleiro, no dia 21 de maio último. Seu corpo foi cravejado por cinco tiros quando coletava lenha numa área próxima à reserva Taquaperi. Em resposta, os Guarani e Kaiowá organizaram um onda de retomadas de seus territórios. A primeira foi justamente uma fazenda no município de Coronel Sapucaia (MS), na fronteira com o Paraguai, a partir da TI Taquaperi, onde Alex vivia. A retomada, denominada Tekoha Jopara, em poucas horas foi cercada por viaturas do Departamento de Operações de Fronteiras (DOF) que isolaram os indígenas que agora  temem uma violenta reintegração de posse.

Retomadas enfrentam ataques

Em Amambai (MS) também houve uma retomada em resposta ao assassinato de Alex. Lá os indígenas que estão no território de Guapo’y enfrentam ataques quase diários de jagunços e da Polícia Militar (PM) que agem como pistoleiros dos fazendeiros. Na manhã do dia 24 de junho, mesmo não havendo ordem judicial, a PM e pistoleiros tentaram expulsar os indígenas e assassinaram Vitor Fernandes Guarani Kaiowá, de 42 anos, em plena luz do dia. Dezenas de outros ficaram feridos devido aos disparos de arma de fogo e de balas de borracha.

Ao mesmo tempo que ocorria o “Massacre de Guapo’y”, o território Kurupi, em Naviraí, em Mato Grosso do Sul, era cercado por fazendeiros, policiais militares e seus aliados que construíram uma base de operações de onde fazem disparos de arma de fogo contra os indígenas.

Guarani e Kaiowás necessitam da mais vigorosa solidariedade dos ativistas e das organizações do movimento sindical, popular e estudantil. É necessário denunciar os covardes ataques onde tivermos oportunidade e exigir a sua apuração e punição imediata. É necessário apoiar a luta e a autodefesa dos povos originários diante dos latifundiários e do Estado a serviço do agronegócio.

Terra, justiça e demarcação!

Retrato de um genocídio

Classificar a situação dos Guarani e Kaiowá como genocídio está longe de ser um exagero. Quando se chega a uma aldeia, não demora muito para se ouvirem relatos arrepiantes de ataques das milícias dos grandes proprietários. Não importa se é dia ou noite, as aldeias são constantemente invadidas por pistoleiros que atiram a esmo contra crianças, idosos e mulheres. Muitos mostram as marcas dos ferimentos provocados pelas balas. Aviões dos fazendeiros ainda lançam veneno sobre as casas e roçados das aldeias, acampamentos e retomadas. Mulheres e adolescentes são constantemente estupradas por pistoleiros. E os suicídios – uma das maiores taxas do mundo – expressam a calamidade vivida por esse povo. Tirar a própria vida tornou-se uma via de fuga desesperada entre os Kaiowás.

Dos 891 homicídios contra indígenas brasileiros registrados entre 2003 e 2015, 426 assassinatos foram em Mato Grosso do Sul, o que representa 47% do total, com uma média de 32 índios mortos por ano, segundo dados do Conselho Missionário Indigenista (Cimi). Infelizmente não se tem uma atualização desses dados.

O genocídio é promovido pelo avanço do agronegócio. A prática da grilagem, de forjar títulos de propriedades de terras e obter créditos públicos, é recorrente. Em muitas cidades de Mato Grosso do Sul, por exemplo, a área total de terras declarada nos dados do cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) chega a ser maior do que a própria área do município. Um exemplo é o município de Dourados, cuja área é de pouco mais de 408 mil hectares, mas há 476 mil hectares de terras cadastradas. Enquanto isso, os indígenas vivem confinados em verdadeiros bolsões de miséria. Na reserva de Dourados, por exemplo, 13 mil Guarani e Kaiowá vivem em apenas 3,5 mil hectares. Já a reserva de Amambai tem quase 10 mil indígenas confinados em apenas 2 mil hectares.

As retomadas das Tekohas (o território ancestral Guarani e Kaiowá) são a única maneira de os indígenas lutarem pela sua existência. Terra, justiça e demarcação!