Procurador agride chefe no interior de SP. Reprodução redes sociais
Erika Andreassy, da Secretaria de Mulheres do PSTU

Érika Andreassy pela Secretaria Nacional de Mulheres do PSTU

Uma menina de 10 anos, vítima de abuso sexual e grávida, separada da família por uma juíza e mantida em situação de encarceramento num abrigo para impedi-la de realizar um aborto, cujo direito é assegurado por lei.  Uma jovem atriz, também vítima de estupro e grávida que, ao descobrir tardiamente a gestação,decide entregar voluntariamente o bebê para a adoção, mas apesar da lei garantir o sigilo, tem o caso vazado, sua identidade e os dados da criança expostos publicamente. Uma procuradora municipal brutalmente espancada no local de trabalho por um subordinado que não gostou dela ter chamado sua atenção por comportamentos machistas. O agressor é contido por colegas e levado para a delegacia, mas acaba liberado. Só é preso dias depois quando ocaso vai parar na imprensa. Trabalhadoras da Caixa Econômica Federal vítimas de assédio sexual pelo próprio presidente da instituição,o bolsonarista Pedro Guimarães. O alto escalão do banco não apenas sabia como acobertava os assédios. Bolsonaro também sabia e, mesmo assim, manteve Guimarães no cargo, que só pediu demissão depois da enorme repercussão.

Todos esses casos bizarros vieram à tona num espaço de menos de 10 dias e expressam uma realidade cada vez mais dramática para asmulheres: o aumento da violência machista, que há tempos vem sendo motivo de denúncias, mas que no último período teve um salto diante da ofensiva da ultradireita e do governo misógino de Bolsonaro, tanto no terreno ideológico como no político –  especialmente os ataques aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

A dimensão dessa violência sistemática e quotidiana é comprovada pelos dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgados recentemente. Em praticamente todos os âmbitos da vida das mulheres a violência de gênero aumentou. As chamadas para o 190 por violência doméstica, por exemplo, cresceram 4% em 2021. Também cresceu o número de ameaças (3,3%), agressões físicas (0,6), estupros (3,7%), assédio sexual (6,6%) e importunação sexual (17,8%).

Feminicídios

Mortas pelo simples fato de serem mulheres

Apesar da pequena redução nos casos de feminicídios (-1,7%), as tentativas de feminicídio subiram 3,8%, bem como a concessão de medidas protetivas (13,6%). Em 2021, 1.341 mulheres foram vítimas de feminicídios, ou seja, a cada 7 horas uma mulher foi morta pelo simples fato de ser mulher. Rayana Nadjara Oliveira, de 34 anos, foi uma delas, assassinada com seis tiros, pelo ex-companheiro que não aceitava o fim do relacionamento, em Pedro Velho (RN). A filha do casal, de cinco anos, presenciou a morte da mãe.

Rayana é o retrato das vítimas de feminicídio no Brasil. Como ela, dois terços são mulheres negras, tem entre 18 e 44 anos e são mães, sendo que, na maioria das vezes, ela deixa dois ou mais filhos. Estima-se que ao menos 2.300 crianças e adolescentes tenham ficado órfãs em 2021 pelos feminicídios, cerca de 20% testemunharam o crime cometido por agressores com quem, muitas vezes possuíam laços. Oito de cada 10 casos o assassino é o companheiro ou ex-companheiro da vítima.

Desmascarando o bolsonarismo

Violência sexual e criminalização do aborto

O caso da menina impedida de abortar em Santa Catarina, bem como o da atriz acusada por bolsonaristas de “abandono de incapaz”, levantam algumas questões. Em primeiro lugar desmascararam a hipocrisia do discurso moralista dos setores conservadores, autodenominados “pró-vida”.

Se no caso da menina ficou evidente o total desprezo pela vida de uma vítima de abuso sexual, cuja gravidez de risco poderia ser fatal devido sua idade precoce, no caso da atriz ficou explícito que o discurso dessa gente não é orientado pelo bem estar do feto, mas sim pelo controle do corpo e da sexualidade das mulheres. Discurso que acompanhado do papel de que a mulher devem ser mães abnegadas, prontas para assumir a maternidade a qualquer custo. A defesa de que a melhor escolha é seguir com a gestação e colocar o bebê para adoçãocaiu por terra quando a jovem atrizr e correu à entrega voluntária e foi acusada de abandono do filho.

A segunda questão é sobre as condições em que essa menina e essa jovem engravidaram, ambas vítimas de violência sexual. Não é de hoje que o Brasil vive uma explosão de estupros. Na última década, foram mais de meio milhão de casos notificados. Somente no ano passado mais 66 mil, dos quais 88,2%eram mulheres.

Os dados revelam um traço cruel e chocante do machismo naturalizado: em mais de 70% dos casos a vítima é uma criança ou vulnerável, em mais da metade (54%), uma menina de até 13 anos. O estupro geralmente ocorre dentro de casa, sendo que em 86% dos casos o estuprador é um conhecido ou familiar, como pai, avô, tio ou padrasto. Números tristes que sustentam a “cultura do estupro”, agravada pela criminalização do aborto no país.

Dividindo a classe

Barbárie capitalista e machismo a serviço da superexploração

O aumento da violência machista não é um fato isolado, mas expressão do avanço da barbárie capitalistas e da piora das condições de vida, cujas principais vítimas são seus setores oprimidos. As mulheres trabalhadoras, em especial as negras e pobres que sofrem com a violência machista são as mesmas que sofremos efeitos da crise e econômica e social. Por isso, 66% das pessoas que passam fome são mulheres. São as mesmas que, criminalizadas pelo aborto, são impedidas de exercer a maternidade com dignidade pela falta de emprego, ou creches onde deixar os filhos para poder trabalhar.

Isso evidencia o quanto a opressão é funcional ao capitalismo, pois além de dividir a classe trabalhadora, submetendo, humilhando e vitimando mulheres, negros, LGBTIs e indígenas, funciona também como mecanismo de regulação do mercado de trabalho e fator de superexploração, pagando salários menores e economizando gastos sociais por meio do trabalho doméstico não remunerado da mulher.

Por isso,ao mesmo tempo que lutamos contra o bolsonarismo e a ultradireita reacionária, também não podemos confiar na burguesia, inclusive nos ditos setores progressistas que dizem defender a igualdade e diversidade, mas usam a opressão para contratar mulheres pagando menos, rebaixando a média salarial de toda a classe e aumentando seus próprios lucros.

Setores como Luiza Trajano, Kátia Abreu ou Simone Tebet, que apoiaram a reforma da previdência e trabalhistas que impôs mais pobreza e miséria às mulheres trabalhadoras, dificultando inclusive romper com o ciclo da violência machista. Pelo menos  25% das mulheres apontaram a perda de emprego e de renda como os fatores que mais pesaram para a ocorrência da violência vivenciada durante a pandemia.

Ou os aliados do PT e PSOL na frente ampla, como Geraldo Alckmin, que quando foi governador de São Paulo, não hesitou em mandar desocupar o Pinheirinho, deixando dezenas de famílias chefiadas por mulheres sem moradia. É sintomático que a declaração de Lula sobre aborto como questão de saúde pública tenha sido repreendida pela cúpula da campanha para não se indispor com a ala conservadora que apoia sua candidatura. Ou que, diante do escândalo de assédio sexual na Caixa, tenha se limitado a dizer que não é procurador nem policial para comentar as acusações.

Sem conciliação

Independência de classe na luta contra a opressão

Mesmo diante de todos esses casos bizarros de machismo e apesar da necessidade urgente de derrotar Bolsonaro e sua política de ódio, violência e ataque aos direitos das mulheres, a direção do movimento, hegemonizada pela Marcha Mundial de Mulheres e pelo PT, com o apoio do PSOL, se recusa a fazer qualquer luta e quando chama, obrigada pelas circunstâncias, é para evitar que o movimento saia dos trilhos. Em nome de sua estratégia puramente eleitoreira, chama a votar em Lula e confiar que, na Presidência, ele vai legalizar o aborto e implementar medidas de combate à violência, apesar de que no governo o PT se apoiou nesses mesmos setores conservadores que hoje sustentam Bolsonaro, governando para a burguesia e negociando direitos das mulheres, como a pauta do aborto ou a lei do salário igual para trabalho igual.

A Lei Maria da Penha, sancionada por Lula, foi fruto dapressão do movimento combinada com acondenação do Brasil pela Organização dos Estados Americanos por violação dos direitos humanos, mas a conquista nunca saiu efetivamente do papel, pois sempre faltou verbas para sua implementação.

Já a estratégia do PSOL de limitar a luta das mulheres a eleger parlamentares “feministas” não tem nada de progressivo, pois,ao contrário de candidaturas a serviço de fortalecer as lutas, são as lutas que estão a serviço de sua estratégia eleitoral, que, além de tudo,agora está atrelada à Rede, cujo programa é contrário até mesmo à legalização do aborto.

Por isso, é necessária uma alternativa de classe para as mulheres trabalhadoras. Por um lado, porque a libertação da mulher trabalhadora só é possível com o fim do capitalismo e, portanto, a luta contra a opressão deve ter sempre uma perspectiva socialista. Mas também porque atualmente até mesmo as conquistas mais pontuais dependem do grau de ameaça que a mobilização é capaz de impor à burguesia e ao sistema.

A pré-candidatura da Vera é parte da busca por apresentar essa alternativa e organizar as mulheres trabalhadoras de forma independente e colocar a classe de conjunto na vanguarda das lutas contra a opressão e a exploração, contra o machismo, a violência e os assédios, pela legalização do aborto garantido pelo SUS, emprego e direitos, salário igual para trabalho igual e socialização do trabalho doméstico.