Foto: Reprodução vídeo do YouTube / Canal “Marcelo Freixo”

Em artigos anteriores, já destacamos como Marcelo Freixo, que sempre foi um humanista e democrata, foi girando sua posição política na medida do avanço do governo Bolsonaro e Witzel. A justificativa do giro seria a necessidade de construir uma frente mais que ampla – amplíssima – cujo único critério político é o combate a Bolsonaro.

Na frente de Freixo, cabe gente como Rodrigo Maia e Eduardo Paes. Apesar de manter pontos de críticas, Freixo legitima esses representantes diretos das classes dominantes do Rio de Janeiro com o título de democratas.

Como parte desse movimento, Freixo rompe com o PSOL, entra no PSB e busca apoio de Lula. Esse apoio a sua candidatura a governador, inclusive, já foi sacramentado pelo diretório do PT na última semana.

Freixo é um dos grandes defensores da frente Lula/Alckmin como estratégia para a derrota do que ele chama de bolsonarismo e para defender a democracia. Como se Alckmin, que representa os setores de direita ultraliberal (inclusive da Opusdei) – responsável pelos maiores ataques à classe trabalhadora nas últimas décadas, como o desmonte dos serviços públicos, as privatizações e as reformas trabalhista e previdenciárias – fosse um poço de democracia.

Mesmo alguém como Freixo, que nunca foi socialista, precisa moderar seu discurso para cair nas graças daqueles que busca como aliados. Mais do que isso, Freixo desconstrói sua própria história.

Freixo renega seu passado.

Gostaríamos de chamar a atenção para a entrevista de Freixo a Roberto D’avila, em 26 de Janeiro (disponível no Youtube), em que o político já deu sinais do discurso e programa que apresentará nas eleições deste ano e das mudanças profundas na forma como encara temas que sempre lhe foram caros, como a luta contra a violência do estado, a política da chamada guerra às drogas e a relação entre milícia e tráfico.

Disse, entre outras coisas, que tem pânico de drogas e que nunca fez uso de substâncias ilegais. O que é, claro, uma opção sua, e, portanto, válida. No entanto, defendeu o uso de tecnologias e de um serviço de informação mais especializado para combater o tráfico. Ou seja, para Freixo, o problema não é que a guerra às drogas é, em si mesma, um erro absurdo que tem levado à morte de milhares de pessoas, em sua maioria jovens, negros e periféricos. Não! O problema é que se está conduzindo de forma errada essa guerra, porque os atuais comandantes, os estrategistas, não se apropriaram devidamente dos meios para conduzi-la.

Em última análise, por essa lógica, seguiremos prendendo jovens, em sua maioria os pobres, por porte de substâncias ilegais; seguiremos com “batidas” policiais; seguiremos com criminalização do consumo e do porte de qualquer substância ilegalizada, pois Freixo sequer se aproxima da solução mais que sabida para o problema das drogas, a saber: sua legalização, e o investimento em informação e tratamento para os dependentes químicos.

Ao falar da PM, Freixo faz a mesma coisa: cita o policial que beija seu filho, sai de sua casa e não sabe se vai voltar, como se a crítica à PM fosse dirigida a esses soldados, cabos e sargentos, quase todos negros, que estão nas camadas inferiores da instituição, e, portanto, não mandam nada em seu funcionamento.

Freixo sabe muito bem que a PM tem duas carreiras bem distintas, inclusive com concursos, formas de ingresso e promoção distintos. A carreira dos suboficiais, sargentos, cabos e soldados, que ganham salários miseráveis, tem uma jornada de trabalho absurda, não tem direitos políticos nem sindicais, e são eles que morrem em operações que não fazem o menor sentido.

Estão entre as categorias que mais têm problemas de transtornos psicológicos ligados ao trabalho e consumo de drogas e de álcool, além de números altíssimos de suicídio, que no geral é o que mais mata soldados e policiais.

Essa realidade não tem nada a ver com a cúpula da PM, que, no Rio de Janeiro, está envolvida em casos de corrupção e tráfico e se beneficia do esquema das milícias. É bom não esquecer o que disse Torquato Jardim, na época ministro da Justiça, sobre os comandantes da PM do Rio: “sócios do crime organizado”, “fazem acertos com o crime organizado”.

Freixo faz aquilo que os comandantes da PM querem, coloca um sinal de igual entre os soldados e os oficiais, para no final defender não os “que saem de casa, beijam seus filhos e não sabem se voltam”, mas aqueles que ficam no ar-condicionado e recebem dinheiro de propina, gerem negócios ilegais e protegem a políticos corruptos.

Quando fala de Paes, o discurso de Freixo também está mudado. Não há mais críticas, Paes deixou de ser o “mal menor” contra Crivella ou Witzel (coisa que também discordamos, mas que era a opinião de Freixo), passou a ser “uma pessoa muito importante para o Rio”, uma pessoa com quem Freixo tem “muito diálogo”, que apoiou “duas vezes”… Mais que isso! Segundo o próprio Freixo, ele teria dito a Eduardo Paes que os “dois têm responsabilidade com o Rio de Janeiro; vamos nos unir e pensar o Rio de janeiro daqui pra frente” (!)

Ou seja, Paes, que, só para dar um exemplo, esteve contra a decisão do STF que proibiu as operações nas favelas, ou, para dar outro exemplo, perseguiu os dirigentes da greve dos garis no início deste ano, é a pessoa com quem Freixo vai pensar junto o futuro do Rio?

Os novos amigos de Freixo

Como se fosse pouco, Freixo não deixou de citar seus novos amigos e conselheiros. Armínio Fraga, nas palavras de Freixo, se preocupa muito com o Rio. O economista, ex-presidente do Banco Central no governo FHC, sócio de uma gestora de investimentos, que mantém boa relação com os empresários e o mercado financeiro, além de ser “próximo” do PSDB, pode até se preocupar com o Rio de Janeiro, seja lá o que isso significa, mas, quando teve oportunidade, demonstrou cabalmente que não se preocupa com a maioria da população, com os pobres, com a classe trabalhadora.

O outro amigo que Freixo fez questão de mencionar é Raul Julgmam, esse ex-comunista arrependido, membro de governos como FHC, Gilberto Kassab e Aécio Neves.

Os ausentes

No entanto, quando um político fala, há que se dar atenção não apenas ao que ele diz, mas também sobre o que ele se cala.

Na entrevista a Roberto D’avila, sumiram temas muito caros a Freixo: a defesa dos direitos humanos, o combate à violência policial e estatal, o fim da guerra às drogas.

A classe trabalhadora não existe no discurso de Freixo, nem suas organizações. Também não existem os milhões de desempregados (aliás citou o número e não disse como resolver o problema). Não existe a violência machista, lgbtfóbica, racista.

As graves diferenças sociais do estado do Rio de Janeiro, com seus 11 bilionários de um lado e os 18% de desempregados do outro, desapareceram. Como também desapareceu a concentração imobiliária.

Freixo não disse uma palavra de alento aos milhares de funcionários públicos há anos sem aumento, perseguidos e esquecidos por todas as administrações públicas. Nada sobre o plano de recuperação fiscal, cujo objetivo é sucatear ainda mais os serviços estatais para privatizar os poucos serviços restantes.

É preciso construir uma candidatura socialista e revolucionária para o Rio de Janeiro

Freixo aparece nas pesquisas atuais com um forte candidato nas eleições a governador, apesar de que há muita “água para rolar” até outubro. E, apesar de partirmos da mesma necessidade – a derrota dos governos Bolsonaro e Cláudio Castro e milicianos – discordamos totalmente da estratégia de Freixo. Já conhecemos essa história. E, como diria Marx – a história se repete. Primeiro como tragédia, depois como farsa. Esses passos nos levam a novas desmoralizações que acabam recaindo sobre toda a esquerda. Por isso, o PSTU não compactuará com esses gravíssimos erros. E não apoiaremos Freixo.

É preciso construir uma candidatura para o Rio de Janeiro que enfrente os grandes problemas sociais do estado. Que rompa com o programa de recuperação fiscal, reverta a privatização da CEDAE, enfrente os grandes poluidores da bacia do Rio Guandu para garantir água potável para todos.

É preciso uma candidatura que defenda um forte IPTU para as mansões e áreas nobres da cidade, que ataque a especulação imobiliária, que coloque os prédios e apartamentos abandonados das grandes construtoras e imobiliárias do centro das cidades a serviço dos milhares de sem teto do estado.

É preciso construir uma candidatura que se coloque a serviço da desmilitarização da PM, da garantia de direitos democráticos para soldados, cabos, sargentos e suboficiais, que dê à polícia o direito de se sindicalizar, que puna exemplarmente todos os envolvidos em massacres, assassinatos. Que dê às comunidades poder para se organizar e se autodefender.

Precisamos construir uma candidatura que busque construir e governar por meio de conselhos populares, em diálogo com sindicatos, movimentos contra as opressões, associações de bairro, movimentos de luta por terra e moradia.

É preciso apresentar uma candidatura que defenda o projeto socialista e revolucionário por inteiro, contra todos os outros, e dizer: sim! Seguimos socialistas e revolucionários!