Vera, de São Paulo (SP)
Uma declaração machista do presidente da Fundação Municipal de Saúde (FMS) de Teresina, o médico Gilberto Albuquerque, causou revolta. Explicando a alteração dos horários para a imunização na cidade, o gestor alegou que as mulheres vacinam pela manhã pra voltarem pra casa a tempo de fazer o almoço. “É para as mulheres voltarem logo pra fazer a comida cedo, segue essa regra aí. Mulher tem prioridade, vai de manhã. Homem à tarde”, disse durante uma entrevista de TV.
Como de praxe, após a repercussão negativa, ele alegou que foi uma simples “brincadeira”. Em nota, a FMS afirmou que “as mulheres são vacinadas no horário da manhã como prioridade e reconhecimento por elas terem o dom da vida” e pelas “mil funções” que exercem “como profissionais, mães, donas de casas, filhas, avós e netas” e que a fala do presidente foi “em tom de brincadeira”. Não colou.
A declaração de Albuquerque é mais um exemplo da reprodução do machismo que naturaliza o fato das mulheres serem as principais responsáveis pelos afazeres domésticos. O que pode parecer apenas um gracejo, na verdade, ajuda a perpetuar o senso comum de que cuidar da casa, dos filhos, dos familiares doentes é tarefa das mulheres e que na melhor das hipóteses os homens “ajudam”.
Uma ideologia a serviço da exploração capitalista
Para as mulheres trabalhadoras, a reprodução desse tipo de ideologia tem consequências muito concretas. A primeira delas é a enorme sobrecarga de trabalho que pesa sobre nós, pela dupla e às vezes tripla jornada. Segundo o IBGE, as mulheres trabalham em média 3 horas a mais que os homens por semana. Em 2019, enquanto a jornada semanal feminina demandava 53,3 horas semanais, sendo 34,8 horas de emprego e 18,5 horas de tarefas domésticas, entre os homens essa média era de 50,3 h/semanais, das quais 10,4 horas de cuidados em casa. Com a pandemia, essa sobrecarga aumentou ainda mais, para a maioria absoluta das mulheres as tarefas domésticas e de cuidados se intensificou, em especial cozinhar (80,5%), lavar louça (81%) e limpar a casa (81%) e metade passou a cuidar de alguém.
Vale ressaltar que os dados do IBGE consideram apenas pessoas ocupadas com 14 anos ou mais de idade, mas nós sabemos muito bem que, para as meninas pobres da classe trabalhadora, em especial as meninas negras, a escravidão doméstica começa bem mais cedo. De acordo com o IPEA, 25% das meninas negras de cinco a nove anos desempenham atividade domésticas no lar, seguidas por pouco mais de 20% das meninas brancas, entre os meninos, brancos e negros, igualmente, esse percentual é de 16%. Estima-se ainda que de 10 milhões de crianças em todo o mundo trabalhem em condições semelhantes à de escravos em casas de terceiros, a maioria dos trabalhadores infantis domésticos são meninas.
Por outro lado, ao ter que dedicar uma parte considerável de tempo aos afazeres domésticos, sobra menos tempo para as mulheres trabalhadoras exercerem atividades remuneradas, o que incide diretamente na média salarial feminina e ainda permite aos patrões pagarem menos às mulheres sob a alegação de que o salário da mulher é “complementar” ao do homem, apesar do fato de que atualmente 40% das famílias sejam chefiadas por mulheres.
No Brasil as mulheres ganham em média, 22% menos que os homens, e não importa quantos as mulheres se esforcem, entre trabalhadores com Ensino Superior, a diferença chega a 38%. E quando se faz o recorte racial, a situação fica ainda mais gritante, o salário médio da mulher negra representa tão somente 40% do salário médio do homem branco.
Outra consequência é a transformação das mulheres num exército de reserva especial, que o capitalismo utiliza para regular o mercado de trabalho de acordo com suas necessidades. Por isso em momentos de crise as mulheres são as primeiras a serem demitidas e as últimas a serem recontratadas, mesmo sendo uma mão de obra mais barata.
Não é novidade que as mulheres são a maioria dos desempregados, sendo que a taxa de desocupação feminina é quase 40% maior que a masculina. Para isso são usadas justificativas como o fato da mulher engravidar, as ausências para acompanhar os filhos e familiares doentes, reuniões escolares, etc. As mulheres também são maioria dos desalentados e do que o IBGE considera como “inativos”, ou seja, pessoas em idade para trabalhar que estão fora da força de trabalho.
Somente no terceiro trimestre de 2020, 8,5 milhões de mulheres deixaram a força de trabalho em face da pandemia e da crise. Esse movimento rumo à inatividade fez com que mais da metade da população feminina com 14 anos estejam fora do mercado de trabalho. A taxa de participação feminina na força de trabalho ficou em 45,8%, uma queda de 14% em relação a 2019.
Por fim, esse tipo de ideologia, reproduzida em falas como a de Gilberto Albuquerque, que atribuem às mulheres quase que de forma exclusiva a responsabilidade por cozinhar, lavar, passar e cuidar dos filhos e dos doentes, ainda permite à burguesia economizar com gastos sociais, ao descarregar sobre as mulheres de forma individual e não remunerada tarefas que deveriam garantidas pelos patrões e pelo Estado, por meio da construção de creches e escolas em tempo integral para as filhas e filhos da classe trabalhadora, de restaurantes comunitários, lavanderias públicas, centros de convivência de idosos e outros serviços de apoio que tirem do âmbito privado o máximo possível da carga de trabalho doméstico.
Chega de opressão e exploração
Como se pode ver não se trata apenas de uma fala infeliz, mas de uma ideologia, a serviço da exploração capitalista, que é sistematicamente reproduzida e tem consequências concretas para as mulheres trabalhadoras.
Por isso repudiamos essa fala machista de Gilberto Albuquerque assim como repudiamos qualquer fala que desqualifique as mulheres, que naturalize a desigualdade e justifique a opressão. Entendemos que esse é um assunto que afeta todos os trabalhadores, mulheres e homens, porque é usado pela burguesia para rebaixar o nível de vida de toda a classe e superexplorar metade dela, as mulheres trabalhadoras.
Chega de reprodução de machismo! Chega de opressão e exploração!