Cesar Neto

O Equador é um país de grande tradição de lutas. Ao longo dos anos 80 fizeram dez greves gerais. Nos anos 90, na onda privatizadora resistiu bravamente em defesa de suas estatais, mas não resistiu a abertura da economia e a consequente desindustrialização. No começo dos anos  2000, o povo derrubou um vice-presidente e três presidentes. Por isso se diz: Equador terra de vulcões e revoluções.

Em 2019 assistimos as gigantescas manifestações. No início da pandemia vimos os corpos serem incinerados nas ruas, e na política o fim do governo populista de Rafael Correa e a ascensão do governo direitista de Guillermo Lasso, um banqueiro, que como todo banqueiro tem uma história suja pelos negócios de assalto às riquezas do Estado. No último dia 16, começou mais um levantamento indígena e popular.

Antecedentes da Mobilização

Logo após o início do governo Lasso, em maio de 2021, um setor do movimento indígena apresentou uma petição de 10 pontos e começaram a negociar entre eles. Os pontos eram: 1) redução e basta de aumentos dos combustíveis; 2) moratória de um ano no pagamento de dívidas ao sistema financeiro; 3) preços justos para os produtos agrícolas; 4) emprego e direitos trabalhistas; 5) não a mineração em terras indígenas e em fontes de água; 6) respeito aos 21 direitos coletivos; 7) não a privatização dos setores estratégicos; 8) políticas de controle e contra a especulação dos preços; 9) orçamento emergencial para saúde e educação; 10) geração de políticas públicas de segurança e proteção.

Muitos ativistas viram com desconfiança ou diretamente repudiaram essa negociação com um governo de extrema direita. Depois de um ano de negociação, sem nenhuma conquista e pressionados pela base, romperam com o governo e chamaram a mobilização.

As organizações de luta

A classe trabalhadora sempre teve um papel de protagonista no país, porém com o processo de desindustrialização primeiro e, depois, com o sucateamento e privatização de parte do sistema elétrico e petroleiro, os trabalhadores seguiram politicamente tendo importância, mas perderam peso social. Esse espaço foi paulatinamente ocupado pelo movimento indígena, onde se sobressaiu a CONAIE (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador). Internamente está dividida em vários setores políticos, sendo o setor mais dinâmico os chamados “mariateguistas” do qual Leonidas Iza (atual presidente da CONAIE) é membro.  Leonidas, preso nas manifestações , tinha sido o principal negociador com o governo.

As organizações sindicais estão há muitos anos esvaziadas fruto da desindustrialização e também por conta de uma burocracia completamente traidora. Não aceitam unidade com o movimento indígena para não perder o protagonismo que já não têm. Pressionados pela base marcaram mobilizações para os dias 22 e 23. Com a prisão de Iza, alguns falam em antecipar e se juntar a marcha indígena. “Se eles se juntarem tudo bem, se não se juntarem nós nos juntaremos assim mesmo”, dizia pela TV um irado morador do sul de Quito

13 de junho: o início das manifestações

Nesse dia começaria mais um período de mobilizações dos indígenas e de agricultores da região Costa (litoral) do país. Como sempre acontece, com algumas interrupções de estrada, manifestações nas pequenas cidades que poderiam ir crescendo ou não. O primeiro dia começou relativamente fraco, mas na madrugada do dia 14, um esquadrão especial da Policia, prendeu e sequestrou Leonidas Iza e a história mudou.

O dia 14, que seria um dia de pequenas mobilizações, se transformou na data dos primeiros enfrentamentos com o aparato repressivo. Cotopaxi, região de Leonidas,  foi tomada pela população que se manifestava em frente ao órgão Judicial. A manifestação ganhou uma enorme participação que colocou a policia para correr do local.

Na região amazônica as estradas foram sendo tomadas. Na região petroleira do Tena as comunicações com as outras cidades foram totalmente cortadas. Na região de Puyo nem a polícia e nem o exército se atreveram a enfrentar as mobilizações.

O recuo de Lasso

Lasso fez um cálculo político errado ao prender Leonidas, pois imaginava que o movimento refluiria. Mas aconteceu o contrário, e a mobilização cresceu e se radicalizou.

Essa relação entre repressão e a resposta das massas deve ser enquadrada no contexto da crise imperialista. Se, por um lado, cresce as organizações de direita, por outro, as massas se radicalizam também.

A mobilização começa a chegar na capital

O dia 16 começou com a expectativa das marchas terem maior incidência nas cidades , especialmente em Quito. Na cidade de Cuenca os estudantes da universidade suspenderam as aulas e saíram em uma gigantesca marcha. Na região amazônica mais uma vez os indígenas da região, que são diferentes dos indígenas da serra na medida em que estes estão mais vinculados ao mercado, colocaram o exército para correr com suas flechas e lanças!

Na capital Quito, começaram a chegar as primeiras marchas indígenas e a população dos bairros pobres saiu para recebê-los. Ao mesmo tempo o mercado central da capital com seus mais de mil vendedores suspendeu a atividade em apoio as manifestações. Em várias cidades os pequenos comércios fecharam e os transportes pararam de circular.

Impulsionar mobilizações

Indígenas e o povo pobre lutam. Os dirigentes negociam

A heróica luta do povo equatoriano é um exemplo para todos os lutadores latino-americanos. Mas não basta dizer: não. É preciso dizer o quê queremos. Os 10 pontos que a CONAIE levanta não tem nenhuma consigna contra a o governo do grande capital, não tem nenhuma proposta de governo que o país precisa para enfrentar a violência recolonização e suas consequências para os indígenas, trabalhadores e o povo pobre.

A primeira tarefa a nosso ver é impulsionar a mobilização. Caso as organizações sindicais se neguem a fazê-lo é preciso denunciá-los ás suas bases. Em segundo lugar é preciso dizer bem alto: Fora Lasso, os banqueiros e grandes empresários! E finalmente por um governo dos trabalhadores, dos indígenas e da juventude em luta.