“Nós pedimos aos trabalhadores e ao governo brasileiro que estejam ao lado dos trabalhadores egípcios, até a vitória final de todas as reivindicações da revolução, tanto as específicas dos trabalhadores quanto as gerais do povo. E temos que estar todos juGharir é funcionário da companhia Misr-Iran Textile, em Suez, e membro do comitê de fábrica. Esta entrevista foi concedida a Luiz Gustavo Porfírio no 15 de fevereiro, na véspera de sua volta ao Brasil. Eles se encontraram na sede do Centro pela Renovação Socialista (ruptura do grupo do SWP inglês no Egito)
Luiz Gustavo – Como os trabalhadores se organizam na sua companhia?
Gharir – Quando começamos, decidimos organizar um comitê. Existe hoje um comitê.
Qual foi o efeito do regime de Mubarak no dia-a-dia da fábrica?
Gharir – O efeito não é apenas nos trabalhadores, é também em estudantes e outros setores do povo, claro. Mas os efeitos na classe trabalhadora são, principalmente: primeiro, roubou dos trabalhadores um pagamento justo; segundo, retirou o direito de se organizarem; e terceiro cancelou direitos como seguro saúde. O governo egípcio tomou algumas medidas nos últimos anos no sentido de entrar para o livre mercado e a globalização. Eles tinham um plano para destruir as fábricas, para torná-las inúteis e privatizá-las. Há provas desses planos. Eles têm uma comissão na compra de importados, por isso não se importam com a produção nacional, fazem-na perder a proteção na competição com os importados. Eles querem destruir a produção nacional, para apoiar a privatização. O setor exportador depende muito do algodão, mas o governo tende a não apoiar os camponeses que produzem-no, para acabar com essa indústria. Isso ficou claro no ano passado, quando o preço do algodão subiu de 500 libras para 1.500 libras num prazo pequeno. Isso deixou os trabalhadores em pé de guerra com a gerência da fábrica. Mas o preço do algodão continuou subindo, então a administração achou apenas uma solução: resolveu tirar os direitos dos trabalhadores para compensar esses prejuízos.
Durante os 30 anos passados, houve muitos administradores corruptos, que só queriam seu próprio bem, não dos trabalhadores. Essa corrupção do regime fez com que a maior parte da administração trabalhe apenas para si, não para o bem geral dos trabalhadores dali. Esses membros corruptos, a maior parte vive das privatizações e de outros esquemas dentro do governo; não são confiáveis, são relacionados com o regime. Devido à alta dos preços do algodão e péssima administração que tende a abusar da fábrica e do mercado egípcio, a indústria inteira foi quebrando. A receita da fábrica passou a ser a venda de partes inteiras do maquinário. A administração da Misr-Iran tentou vender uma imensa parcela de seu terreno, 150 hectares. Por um preço ridículo. Por causa da corrupção… é tão óbvio para o povo!
Os trabalhadores da Misr-Iran conseguiram parar a venda, usando a experiência de outras categorias. Depois do anúncio da venda iminente ao Banco El-Ahly, os trabalhadores lutaram por seu direito e fizeram valer seu direito de barrar essa transferência. As táticas foram ameaçar uma greve e exigir do investidor iraniano uma posição. O parceiro iraniano congelou os investimentos até que parassem a venda. Isso na verdade tem a ver com um processo maior de congelamento dos investimentos do Irã no Egito, por briga política. Depois o Irã aumentou o investimento, para resolver o problema dos trabalhadores, mas também exigiu ter uma administração iraniana. No regime do Mubarak, a condição de qualquer negócio é que tudo tem que passar pelo governo, eles têm que saber de tudo e aprovar ou não. Mas antes de aprovarem o novo investimento, começou a revolução.
O que os trabalhadores da fábrica pensam do novo governo militar?
Gharir – Os trabalhadores participaram da revolução, mas defendem que o novo governo é parte do velho regime. Isso é óbvio para todos, sejam lideranças ou gente da base. Esse governo novo ainda não aprovou o congelamento das contas de Mubarak oferecida pela Suíça, menos ainda de outros empresários corruptos. Eles querem apenas congelar a revolução. O resto das reivindicações também não foi aceito, coisas básicas exigidas por todos, nada específico das categorias: o fim da Lei de Emergência; uma Assembleia Constituinte. É um governo temível, não confiamos nele.
Em sua opinião, qual é o próximo estágio nessa revolução e qual o papel dos trabalhadores nele?
Gharir – A próxima etapa tem que cumprir as outras exigências da revolução, de que falei. Os trabalhadores são parte dessa revolução.
Mas quais são as demandas específicas dos trabalhadores?
Gharir – Há várias. Em primeiro lugar, aumento do salário mínimo. Na indústria têxtil, queremos do novo governo que proteja a indústria, ajude os camponeses que plantam o algodão e faça com essa indústria, uma das maiores do Egito, possa florescer novamente. Vocês, brasileiros, com certeza conhecem a fama dos tecidos egípcios, competiam com o inglês.
Há muitas greves acontecendo agora. Você acredita que a continuação da revolução está principalmente nas mãos dos trabalhadores?
Gharir – Não apenas dos trabalhadores. Completar a revolução é uma tarefa de todo o povo.
E há algum desafio organizativo dos trabalhadores na próxima etapa dessa revolução?
Gharir – É o que os trabalhadores mais pensam ultimamente. Nos últimos dias, ocupamos a greve. Há um comitê de trabalhadores, com 11 membros, do qual faço parte. Dez estavam contra a ocupação, queriam ir apelar para a Federação dos Sindicatos. Eu não queria, porque é um órgão do governo. Mas nós, no comitê, somos os únicos que têm a confiança dos trabalhadores, eles não vão ouvir ninguém mais. Nosso desafio é ter mais desses comitês nas outras fábricas.
Em que os trabalhadores brasileiros podem ajudar a luta egípcia?
Gharir – Creio que é forçando seus governos a não apoiar esse novo governo. Nós pedimos aos trabalhadores e ao governo brasileiro que estejam ao lado dos trabalhadores egípcios, até a vitória final de todas as reivindicações da revolução, tanto as específicas dos trabalhadores quanto as gerais do povo. E temos que estar todos juntos numa federação internacional de trabalhadores.