Estátua de Alexander III inaugurada por Putin
Edu H. Silva, de São Paulo (SP)

Caminhamos para dois meses da invasão russa na Ucrânia, o que já resultou em milhares de ucranianos refugiados e quase 25 mil mortes de civis. Mesmo assim, apesar do apoio criminoso que as organizações stalinistas estão dando à limpeza étnica promovida por Putin na região, a resistência operária ucraniana segue firme.

Como toda guerra, entre balas e canhões, há também como instrumento bélico a utilização de falsas narrativas. Bush usou a chamada “luta contra o terror” como meio de justificar a invasão no Iraque e Afeganistão, assim como seu vassalo, Lula, usou a narrativa de “estabelecer a paz” para legitimar a invasão no Haiti. Putin não faria diferente. Para justificar a invasão na Ucrânia estruturou sua narrativa a partir de uma suposta luta contra o nazismo que, em sua visão de mundo, somente existe na Ucrânia.

Como importante instrumento de legitimação dos massacres promovidos pelo exército russo, o stalinismo vem divulgando imagens de estátuas do Lênin sendo reconstruídas, como se esse ato representasse um retorno do desejo aos tempos da extinta URSS e todo o seu calabouço de repressão envernizada de vermelha. O reerguimento dessas estátuas, heranças do culto ao personalismo defendido por Stálin, está sendo associada à luta de Putin para “desnazificar” a região. Só que esqueceram de combinar isso com a burguesia russa, pois a invasão russa passa longe de uma “desnazificação”. Está mais para tentativa de limpeza étnica aos moldes do que Israel de Ariel Sharon e Alemanha de Hitler promoveram.

Putin e o culto ao czarismo

Os discursos de Putin de louvor à “Mãe Rússia”, convocando os russos ao patriotismo estéril de seu território, está bem longe de representar uma reivindicação ao período onde o país foi governado pela classe operária nos anos iniciais da Revolução de Outubro de 1917. Pelo contrário, Putin consegue combinar a tirania de séculos sob domínio dos czares com um verniz avermelhado do stalinismo para a barbárie que promove.

Em 2017, na Criméia, Putin inaugurou a estátua em homenagem ao czar Alexander III, que, além de ter feito um governo de perseguições aos grupos anarquistas e socialistas no território russo, também foi responsável pela aplicação da reacionária chamada “Leis de Maio”, que tinha como principal estrutura legislativa o seguinte: “Provisoriamente proibida a emissão de hipotecas e outros títulos para judeus, bem como o registro de judeus como locatórios de bens imóveis situados fora das cidades e bairros; e também a emissão de procurações para os judeus para administrar e dispor de tal imóvel”, medida que possibilitou no fortalecimento dos pogroms, que tinham como alvo de suas perseguições os judeus.

Outra estátua inaugurada por Putin foi a de Ivã, o Terrível, conhecido por sua crueldade contra seus opositores que iam desde violência sexual até sessões de tortura. A estátua em homenagem a ele foi inaugurada em 2016. Mas ao que parece, para o stalinismo e demais apoiadores, as estátuas quebradas de Lênin causam mais horror do que as homenagens a genocidas e antissemitas promovidas por Putin. Pelo contrário, essas organizações adotam o famoso “passar o pano” para o antissemitismo de Putin que, em 2018, já chegou a desejar “que seus sonhos se tornem realidade” para Alexander Projanov, escritor conhecido pela afirmação de que os judeus ucranianos por “precipitaram um novo Holocausto”, referindo-se aos judeus que apoiaram a revolução ucraniana de 2014.

Putin: o espelho de Ariel Sharon

Recentemente a artista Rita Flores, do grupo russo Pussy Riot, revelou que teve a porta do seu apartamento pichada pela letra Z, conhecida como marca dos tanques russos como símbolo de desejo de vitória da invasão militar de Putin à Ucrânia. Pussy Riot, assim como outros grupos, manifestou-se em solidariedade à resistência ucraniana. O mesmo grupo, anos atrás, foi chamado de antissemita por Putin pelo fato de em suas letras conter críticas políticas ao governo russo.

O mesmo Putin que saúda czares marcados na história por sua perseguição aos judeus, taxa seus opositores de antissemita como forma de justificar ações repressivas. O método de calúnia e difamação utilizado por Putin, é uma cópia do que o Estado de Israel faz a anos para exterminar os palestinos que, tendo suas terras roubadas pelos sionistas, são acusados de antissemitismo pelo crime de dizerem que merecem existir. Nessa semana, novamente as redes sociais foram impactadas pelas imagens dos bombardeios promovidos por Israel na Faixa de Gaza. Ainda não se sabe a quantidade de vítimas, a única certeza que se tem é que o genocídio promovido pelos sionistas na região está longe de se encerrar. Até mesmo porque conta com apoio de Putin, que já caminha a décadas de união consolidada entre Rússia e Israel.

Em 2005, Putin como uma sinalização de apoiar Israel, assumiu o discurso de combate ao “terrorismo” colocando que essa luta unificava os dois países,[1] ação que é uma continuidade da política externa do Kremlin de apoiar a tomada de terras palestinas conforme o próprio órgão oficial russo, em 2003, destaca: “Vladimir Putin disse que a Rússia estava comprometida em continuar a tomar parte no processo de assentamento no Oriente Médio”[2].

Putin e Sharon

Putin chegou a ter como principal aliado o carniceiro Ariel Sharon, responsável por uma série de crimes ao longo de sua carreira política. O jornalista estadunidense Ralph Shoenmann, em seu livro A História Oculta do Sionismo, descreve o seguinte sobre o líder sionistas: “Ariel Sharon dirigiu pessoalmente a ação em que homens, mulheres e crianças foram assassinados em suas casas”[3], referindo-se ao massacre na aldeia de Kybia. A lista de crimes de Sharon é grande, chegando a ser responsável direto pelos “massacres nos campos de refugiados palestinos no Líbano, Sabra e Shatila, e cujos crimes contra a humanidade são inúmeros”.[4] Eis a imagem de quem Putin tenta se refletir.

Putin e o stalinismo

Há uma teoria política que há décadas o movimento operário se choca. É a chamada teoria dos dois campos, sustentada por Zdhanov, referendada por Stálin e, infelizmente, muitas vezes aplicadas por organizações que se dizem críticas ao stalinismo.

A lógica estruturada por Zdhanov parte da afirmação de que o mundo é dividido entre dois campos burgueses, progressivo – sabe-se lá o que isso significa – e reacionário. Esse último espectro, o reacionário, seria atribuído ao imperialismo, resultando em “cerrar fileiras, unir os seus esforços na base de uma plataforma anti-imperialista e democrática comum e reunir em torno de si as forças democráticas e patrióticas do povo”.[5] Na prática, o que Zdhanov diz é que a principal tarefa das organizações comunistas é buscar um programa em comum com suas burguesias na tentativa de desmantelar o imperialismo.

Em Traição da OCI, Moreno polemizando com Lambert, que capitulava ao governo de frente-popular de Mitterrand, alertava sobre as consequências da aplicação da teoria dos dois campos na realidade, o que resultaria numa desmoralização da classe operária e adaptação das organizações ao regime burguês de plantão. Infelizmente, vemos a teoria dos dois campos expressada no caso da invasão russa: de um lado há o imperialismo representado pela Otan e EUA, e do outro lado há Putin que – em suas cabeças! – se diz contra o imperialismo estadunidense, logo, como trágica conclusão vem o apoio ao massacre promovido pelas tropas russas na Ucrânia. Mas agora não basta mais essa justificativa, da existência de dois campos burgueses distintos, onde um “dá para se aliar para combater o outro”. Não. O stalinismo elevou sua elaboração política. Ao justificar as ações em Bucha como parte da luta pela “desnazificação” do país, conseguem inaugurar uma nova estrutura – criminosa – de pensamento onde há grupos nazistas reacionários que merecem ser bombardeados e há grupos nazistas progressivos que merecem serem chamados de aliados, como no caso o Grupo Wagner que, além de ter um contingente maior do que o Batalhão Azov, tem apoio em forma de “passar o pano” de parte da esquerda dirigida pelo stalinismo.

É óbvio que há extrema-direita na Ucrânia, assim como em vários países. A crise econômica que o mundo vive, possibilita o surgimento e fortalecimento desses grupos. O próprio Brasil, dirigido por Bolsonaro, vem crescendo absurdamente o número de organizações de extrema-direita. Mas o fato da extrema-direita no Brasil ter crescido 270% nos últimos anos três anos[6], significa que todos os brasileiros compartilham desses ideais? Aliás, pela lógica do stalinismo, os trabalhadores brasileiros, principalmente os que moram nas periferias, mereceriam serem bombardeados? Infelizmente, por mais que neguem, todo o discurso aponta feito pelo stalinismo aponta que a resposta seria “sim”.

Apoiar a resistência ucraniana é lutar contra a invasão russa, a extrema-direita e as técnicas de falsificações da realidade

Como descrito aqui, é falsa a narrativa de Putin de tentar “desnazificar” a Ucrânia, pois o mesmo é mantido no poder por grupos da extrema-direita e setores da esquerda stalinista. A utilização dessa justificativa, não é nova. A vemos aplicada nas várias tentativas de justificar os crimes de guerra que Israel realiza na Palestina.

Enquanto alguns setores da esquerda se esforçam em tentar justificar a limpeza étnica que Putin vem promovendo, chegando a “passar o pano” para seus aliados como a organização da extrema direita Grupo Wagner ou o alto comando checheno, responsável por campos de concentração da população LGBTQIA+,[7] a classe trabalhadora ucraniana vive na pele a expressão da barbárie sem máscaras que o capitalismo vem promovendo. A situação ucraniana está longe de ser um ato local e isolado, como a imprensa burguesa diz, muito pelo contrário, em situações de deterioração do capitalismo até mesmo as demandas mais democráticas, como no caso o direito a autodeterminação dos povos, consiste uma forte denúncia à existência da propriedade privada colocando em xeque o destino que o capitalismo reserva para a humanidade.

Assim como os palestinos resistem bravamente à invasão sionista, e devem ser cercados de apoio e solidariedade internacional da classe trabalhadora, a resistência ucraniana vem provando há dois meses que é possível tomarmos o destino sob nossas próprias mãos, principalmente a hora em que vamos e como morreremos.

[1] BBC Brasil

[2] President Vladimir Putin met Israeli Prime Minister Ariel Sharon • President of Russia (kremlin.ru)

[3] SHOENMANN, 2008, p.85

[4] Confira em: Ariel Sharon, o açougueiro | PSTU

[5] Zhdanov: Pela Paz, a Democracia e a Independência dos Povos (marxists.org)

[6] Grupos neonazistas crescem 270% no Brasil em 3 anos; estudiosos temem que presença online transborde para ataques violentos | Fantástico | G1 (globo.com)

[7] ‘Campos de concentração para homossexuais’: a crescente perseguição a gays na Chechênia – BBC News Brasil