Bolsonaro e o agora ex-ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Antônio Cruz/Agência Brasil
Redação

Há um importante agravamento da crise política e institucional, tendo como pano de fundo a pandemia descontrolada e a enorme crise social, com o desemprego e o avanço da miséria e da fome.

O governo Bolsonaro é um governo autoritário que surgiu em meio à crise econômica e social, e também da Nova República, tentando retornar a um regime autoritário, ditatorial, apoiado nas Forças Armadas, sem ter, a priori, correlação de forças para tal. É por isso um governo de crise.

Neste momento, o governo Bolsonaro está muito mais em crise do que quando surgiu. Já a crise econômica e social está ainda mais profunda do que então, agora acrescidas de uma crise sanitária que agrava tudo. Incide na crise econômica, social e política. Precisamos nos lembrar que, junto e além da crise econômica mundial do capitalismo, o Brasil vive uma longa decadência, um processo de desindustrialização e reversão colonial, ligada à sua localização subalterna na divisão mundial do trabalho, à qual todos os governos aprofundaram, inclusive os do PT, que deram continuidade a FHC. Bolsonaro emerge na esteira desse desastre e, desde o aparato do Estado, tenta reverter o regime político, mesmo sem correlação de forças para isso.

Acuado, vendo sua popularidade caindo, assim como um deslocamento do próprio empresariado em relação ao seu governo (o que também incide para que se desloque do governo um setor da cúpula militar), treme em seus pés toda a institucionalidade burguesa. O centrão manda ver no Congresso Nacional e na exigência de ministérios e partilha do Executivo; governadores e prefeitos enfrentam ao seu modo (covarde e hipócrita) o governo central; o Supremo Tribunal Federal dá uma no cravo e outra na ferradura.

E agora essa crise, como prevíamos como uma das possibilidades no início desse governo militarizado, chega também nas Forças Armadas.

Bolsonaro e seus filhos sofreram uma de suas maiores derrotas, se vendo obrigado a defenestrar o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e a engolir a deputada Flávia Arruda (PL-DF) na Secretaria de Governo. Esposa do governador cassado por corrupção, José Roberto Arruda (então no DEM) e ligada ao líder do centrão e presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), Flávia Arruda vai comandar justamente o setor responsável pela liberação das emendas parlamentares.

Ao mesmo tempo, vendo também que perdia sustentação na cúpula militar, Bolsonaro resolveu bater de frente com ela, interferir no alto comando das Forças Armadas, na Polícia Federal, e tentar também controlar as PM’s, e alargar suas milícias.

O Presidente eleito Jair Bolsonaro e os novos comandantes das Forças Armadas, falam com a imprensa após reunião no Comando da Marinha, em Brasília.

Um governo em crise

A súbita dança das cadeiras promovida por Bolsonaro é expressão de um aprofundamento da crise política, com o consequente enfraquecimento e isolamento cada vez maior desse governo. Para contemplar o centrão, Bolsonaro teve que demitir Ernesto Araújo, não só seu ministro mais fiel como um símbolo para sua base mais radical. Para além disso, foi obrigado a colocar uma deputada diretamente ligada a Lira num ponto chave do governo. Isso num momento em que a Câmara, o Senado e o Executivo vivem uma guerra não-declarada em torno das emendas parlamentares e o Orçamento de 2021.

Já a demissão de Azevedo, a debandada do alto comando das Forças Armadas (fato inédito na história), e a nomeação de um quadro da Polícia Federal para a Justiça, provocaram vários questionamentos sobre a real intenção de Bolsonaro. Ainda mais nas vésperas do aniversário de 57 anos do golpe militar.

O que está por trás dessa mais grave crise política e institucional, como já dissemos, é, sobre um Brasil em franco retrocesso e decadência,  o agravamento da pandemia em todo o país, com o colapso da saúde e uma contagem diária de mortos que se aproxima dos 4 mil e que, segundo previsões de especialistas, pode chegar a 5 mil nas próximas semanas. Nessa toada, o Brasil pode contabilizar 500 mil mortos, (em números notadamente subnotificados) até a metade do ano, um verdadeiro massacre. Crise que se expressa também na situação dramática dos hospitais, com milhares à espera por uma vaga na UTI, falta de medicamentos de primeira necessidade como sedativos para intubação, e escassez de oxigênio.

Situação que afeta sobretudo a classe trabalhadora e a população mais pobre e vulnerável, como os desempregados e os informais, que enfrentam a queda na renda e uma inflação galopante nos produtos da cesta básica. O auxílio-emergencial, de R$ 150 a R$ 375, não cobre metade da cesta básica e só deve chegar em abril. Os pequenos comerciantes também vivem uma situação de penúria, tendo que fechar seus estabelecimentos sem qualquer auxílio.

Essa realidade vem afetando a popularidade do governo Bolsonaro, mas também corroi seu apoio nos demais setores. Cada vez mais parcelas do grande empresariado e do próprio sistema financeiro exigem mudanças, assim como aumenta a pressão no Congresso Nacional, no STF e na própria cúpula das Forças Armada. Não porque estejam preocupados com a população pobre que morre nas filas dos hospitais e com os que estão na penúria, mas porque uma crise tão profunda e devastadora coloca em risco seus próprios lucros e privilégios.

Um governo frágil que pode ser derrotado, mas que não deve ser subestimado

Mais uma vez, Bolsonaro joga com a ameaça de golpe, autogolpe ou estado de sítio. Desde que assumiu a presidência, esse governo defende abertamente um regime autoritário, utilizando uma tática de chantagem permanente de ameaça às liberdades democráticas, mesmo que nunca tivesse tido, como não tem agora, correlação de forças para isso.

Se por um lado essa reforma ministerial apressada demonstra um governo enfraquecido e cada vez mais nas mãos do centrão, por outro sua alteração no comando das Forças Armadas revela um outro processo.

O primeiro é o desgaste diante do alto comando, no qual ele não encontra o apoio que gostaria para continuar fustigando os outros poderes e prosseguir nas chantagens e ameaças às liberdades. E isso ocorre porque esse setor é condicionado pela posição da maioria do empresariado, e ainda porque segue uma perda da popularidade de Bolsonaro na base das PM’s. Há ainda o temor de que a desmoralização do governo contamine as Forças Armadas, a exemplo do que ocorreu com o então General da ativa Pazuello à frente do Ministério da Saúde.

A cara das Forças Armadas, entretanto, é Pazuello e o próprio Bolsonaro. Os generais do Exército especialmente estão profundamente entrelaçados com esse governo, apoiaram e participam dele com milhares de militares. Para a burguesia, e para elas mesmas, as Forças Armadas podem ser um fusível totalmente queimado quando queiram usá-las, mais uma vez, contra o povo, na eventualidade de uma explosão social. Além disso, como toda superestrutura, elas não estão nas nuvens, refletem os humores da sociedade, e essa movimentação mostra que um setor se afasta do genocida.

Mas, se isso tudo demonstra e reflete um governo mais fraco, com menos lastro e acuado, nem por isso, está morto e nem por isso o inimigo deve ser subestimado. Tem setores da oposição que fazem um discurso unilateral de fortaleza do governo que não corresponde (de início era o “fascismo”, o invencível); agora, outros, vão para o oba-oba, tudo é fragilidade e enquanto isso, mais uma vez, exercitam sua viseira estreita de partidos da ordem, que não enxergam nada além do horizonte da democracia burguesa e das eleições. E ao mesmo tempo em que apontam só fraqueza no governo, cruzam os braços e não fazem nada para botá-lo pra fora já. Deixam que o genocida continue matando e organizando (inclusive armando) a extrema-direita; deixando tudo para as eleições de 2022.

Bolsonaro já deu mostras mais do que suficientes que pretende organizar um setor das Forças Armadas de conjunto para, junto com a ultradireita, conformar o “seu Exército”, paramilitar e miliciano, seguindo exemplos do chavismo na Venezuela ou, mais recentemente, Trump. Esse é o seu objetivo quando confronta as medidas de isolamento social, ou quando ameaça com a força quem se opõe, inclusive deixando explícito que não aceitará um resultado eleitoral que não o tenha como vencedor.

No Congresso Nacional, essa política se revela na ofensiva em relação à lei “antiterrorismo”, ou na tentativa de emplacar projetos como o do líder do PSL, Major Hugo (PSL-DF), de aprovar uma “lei de mobilização nacional” que, na prática, é dar a Bolsonaro o poder de impor um estado de sítio, passando o controle das polícias militares para suas mãos.

É hora de partir pra cima. Cadê a oposição? Fora Bolsonaro e Mourão já!

O enfraquecimento de Bolsonaro deveria servir para ampliar a mobilização para tirá-lo de lá, junto com a sua corja, o mais rápido possível. Esse governo é o principal entrave para impedirmos a marcha do genocídio que vem transformando o Brasil num cemitério a ceu aberto.

É hora de lutar pelo Fora Bolsonaro e Mourão já. E por um lockdown nacional, com auxílio emergencial de R$ 600 (que deveria ser, na verdade, de pelo menos um salário mínimo), com apoio aos pequenos empresários, enquanto não chega a vacina. E para chegar o mais rápido possível, e superarmos esse atraso que mata cada vez mais, é preciso quebrar as patentes das grandes farmacêuticas, reconverter as fábricas e produzir em massa.

Também é preciso tirar Bolsonaro e Mourão para impedir que se amplie e se generalize a formação de milícias armadas, assim como a organização de um setor da ultradireita no interior das Forças Armadas. Neste sentido, é absurda a postura covarde e hipócrita de governadores, do Congresso Nacional e dos partidos de oposição ao defenderam, de fato, a manutenção do mandato de Bolsonaro.

A posição de Ciro Gomes, de minimizar a ameaça autoritária representada por Bolsonaro, assim como a de Marcelo Freixo, de priorizar 2022, cada uma a seu modo, deixam Bolsonaro livre para impor seu projeto genocida e autoritário no país. Ou do PT, que fica querendo ser novamente o escolhido da burguesia para um governo de “união nacional”.

Tampouco deve-se confiar a defesa das liberdades democráticas aos setores supostamente “democráticos” das Forças Armadas, como fazem o PT e o PSOL. É bom lembrar que Azevedo, por exemplo, não só foi fiador da candidatura Bolsonaro, como participou dela ativamente. Ao contrário, temos que confiar na nossa própria luta e tirar esse governo daí para impedir o genocídio e o retrocesso às nossas liberdades.

Estamos com quase 4 mil mortos por dia, é preciso tirar Bolsonaro já e lutar por um programa de emergência. Para isso é necessário organizarmos por baixo a classe operária e o povo pobre. É necessária uma greve geral sanitária. A oposição deveria ajudar a organizar essa greve geral e forçar um lockdown nacional, ao mesmo tempo exigir vacinas para todos, o que é possível se forçamos o Brasil a quebrar patentes e reconverte fábricas para produzir as vacinas necessárias, já; assim como forçar a garantir o auxílio emergencial já.

Se não, o que teremos é mera hipocrisia, com lockdown a meio pau, vacina a conta-gotas, enquanto empilhamos mortos. O papel hoje do empresariado, de governadores e prefeitos e do setor militar que começa a se afastar do governo é hipócrita e covarde. E, portanto, conivente com o genocida que aí está, que deveria cair já.