Otávio Calegari é militante do PSTU e integra um grupo de estudantes da Unicamp que está no Haiti realizando pesquisa de campo. Acompanhe o relato do estudante que testemunha o sofrimento do povo haitiano e a completa omissão da Minustah.“Hoje (dia 14) saímos às ruas de Porto Príncipe. Depois de muitos alarmes que havíamos recebido sobre o perigo nas ruas da capital, resolvemos ver as coisas com nossos próprios olhos.

O primeiro grupo saiu de manhã para uma caminhada que durou mais de 3 horas. O segundo grupo (onde eu estava) saiu no fim da tarde. Os relatos foram muito semelhantes.

Nossa casa fica há menos de 15 minutos a pé do centro político e comercial da cidade.Já a três quarteirões de casa fomos abordados por um grupo de jovens haitianos. Quando nos viram, a primeira reação foi de nos pedirem um trator para remover os entulhos de uma grande casa desabada. Segundo eles, havia várias pessoas presas lá dentro, mas devido ao risco de novos desabamentos, eles não tinham se arriscado a adentrar os escombros.

Quando dissemos que éramos estudantes brasileiros e não podíamos ajudar com um trator, eles pediram luvas e martelos, para que pudessem fazer qualquer coisa. Prometemos procurar, mas infelizmente não conseguimos qualquer uma das coisas.
Continuando nossa caminhada, pudemos ver muita destruição. Casas, escolas, barbearias, tudo soterrado. Corpos eram freqüentes nas calçadas.

O que mais nos impressionou, na verdade, foi o esforço dos muitos haitianos trabalhando em busca de seus parentes, familiares, amigos ou mesmo desconhecidos. Em um dos diversos edifícios destruídos pudemos ver uma grande escavadeira do governo auxiliando os jovens.

A Champs de Mars, praça central de Porto Príncipe, está simplesmente tomada de pessoas. São dezenas de milhares. Uma imagem impressionante. Com pedaços de madeira e roupas de cama, muitas barracas foram montadas por todo o espaço. Havia pessoas comendo, lendo, dormindo, brincando.

Quem garante a alimentação, como antes do terremoto, é o chamado “setor informal” – as madames sarras, senhoras que vendem comida nas calçadas, feita em grandes panelões. O preço da comida é o mesmo de antes do terremoto – de 70 a 100 gourdes, algo próximo a 4 ou 5 reais. E a comida é muito boa.

Há alguns caminhões-pipa distribuindo água. Filas imensas de pessoas com garrafas e galões vazios se formam. Não sabemos a procedência dos caminhões, mas são poucos. Há uma ausência completa da ONU ou da Minustah. Antes do terremoto, víamos seus carros com freqüência.

Não pudemos presenciar qualquer tipo de violência. A impressão que tivemos foi completamente diferente. Há uma solidariedade impressionante entre os haitianos. Dois dias após o terremoto, não temos qualquer dúvida de que os trabalhadores têm sido protagonistas na salvação da cidade.

  • Recebemos uma notícia bastante triste e perturbadora hoje. Jean Anil Juste, grande intelectual e lutador haitiano, o professor da Université d’État que estávamos indo entrevistar quando aconteceu o terremoto, foi assassinado momentos antes do tremor enquanto participava de uma manifestação do movimento estudantil. Dois rapazes acabaram com a vida de Anil Juste.

    Infelizmente esta notícia retrata um pouco do que acontece com os haitianos que tentam se opor às diversas diretrizes internacionais tomadas para seu país. Vale lembrar que o movimento estudantil tem sido linha de frente nas mobilizações pelo aumento do salário mínimo e contra a ocupação do país pela Minustah. A Faculdade de Ciências Humanas, onde trabalhava Juste, foi cercada e atacada diversas vezes este ano pela Minustah.”