Roberto Aguiar, de Salvador (BA)

Apenas sete, das 27 capitais brasileiras – São Paulo (SP), Curitiba (PR), Campo Grande (MS), João Pessoa (PR), Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS) e Florianópolis (SC) – garantem 100% de abastecimento de água à população, aponta o Ranking do Saneamento do Instituto Trata Brasil de 2023, divulgado na última segunda-feira, dia 20. Realizado em parceria com o apoio da GO Associados, o estudo é baseado nos dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, referentes a 2021, último ano com as informações atualizadas.

O estudo, divulgado na semana comemorativa ao Dia Mundial da Água (dia 22/03), revela que somente nove capitais possuem ao menos 99% de abastecimento total de água. E embora o indicador médio seja de 94,80%, a situação no país é bastante heterogênea, pois há capitais no Norte do país com indicadores próximos ou abaixo de 50%, como Rio Branco (AC) com 60,73%, Macapá (AP) com 36,60%, e Porto Velho (RO) com 26,05%.

Em relação à coleta total de esgoto, apenas oito capitais têm índice de mais de 90% de atendimento. Contudo, assim como no indicador anterior, há capitais na Região Norte com taxas de esgotamento sanitário baixas, inferiores ou próximas a 20%. É o caso de Rio Branco (AC) com 22,67%, Belém (PA) com 17,12%, Macapá (AP) com 10,55%, e Porto Velho (RO) com 5,80%.

No que diz respeito ao tratamento de esgoto, os gargalos parecem ainda maiores, pois apenas seis capitais apresentarem ao menos 80% de tratamento de esgoto, dessas, não mais do que três coletam ao menos 90% do esgoto produzido: Brasília (DF) com 91,77% de coleta e 86,65% de tratamento, Boa Vista (RR) com 92,06% de coleta e 95,02% de tratamento, e Curitiba (PR) com 99,98% de coleta e 95,62% de tratamento. Importante destacar que Porto Velho (RO) sequer contabilizou seu esgoto tratado, demonstrando 0% neste indicador no SNIS, e Belém (PA) tratou menos de 3,63% do esgoto gerado, tendo coletado somente 17,12%.

100 maiores municípios

O Ranking de 2023 do Instituto Trata Brasil analisou os três quesitos – atendimento, coleta e tratamento de esgoto – nos 100 maiores municípios brasileiros, tendo em vista a estimativa populacional de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esses municípios concentram aproximadamente 40% da população do país.

O Ranking revela a lentidão com que avançam os serviços de acesso à água e de coleta e tratamento de esgoto no Brasil. Evidencia-se que a universalização dos serviços não ocorrerá sem um maior engajamento dos prestadores e sem o comprometimento dos governos federal, estaduais e municipais.

Quanto ao atendimento, que leva em consideração a porcentagem da população total do município que é atendida com abastecimento de água, os dados mostram que dos 100 municípios analisados há um total 35 municípios que possuem 100% de atendimento total de água, ou seja, possuem serviços universalizados em atendimento de água. Desses, nenhum município é da Região Norte e apenas 6 são do Nordeste: João Pessoa (PB), Campina Grande (PB), Olinda (PE), Caruaru (PE), Petrolina (PE) e Paulista (PE).

O indicador médio de atendimento dos 100 maiores municípios é 94,19% e mostra um pequeno regresso frente ao índice de 94,38% observado em 2020. No geral, os municípios considerados possuem níveis de atendimento em água superiores à média brasileira total, que, de acordo com os dados do SNIS (2021), foi de 84,20%.

Os cinco piores municípios no quesito atendimento de água são todos da Região Norte: Porto Velho (RO), 26,05%; Marabá (PA), 32,89%; Ananindeua (PA), 33,79%; Macapá (AP), 36,60%; e Santarém (PA), 50,61%.

Quanto à coleta de esgoto, indicador que mostra a porcentagem da população total do município tem esgoto coletado, o estudo do Trata Brasil aponta que apenas 10 municípios, todos o Estado de São Paulo, possuem 100% de coleta de esgoto. Outros 28 municípios possuem índice de coleta superior ou igual a 90% e, portanto, podem também ser considerados universalizados de acordo com a legislação.

Os cinco piores municípios em coleta de esgoto, assim como quesito atendimento, são todos da Região Norte: Marabá (PA), 0,73%; Santarém (PA), 4,12%; Porto Velho (RO), 5,80%; Macapá (AP), 10,55%; e Belém (PA), 17,12%.

O indicador médio de coleta dos municípios em 2021 foi de 76,84%, avanço bastante tímido frente aos 75,69% verificados em 2020. No geral, os 100 maiores municípios considerados possuem coleta de esgoto bastante superior à média total do Brasil reportada no SNIS (2021), que foi de 55,81%.

Tratamento de esgoto

Este indicador mostra, em relação à água consumida, qual a porcentagem do esgoto que é tratado.

Sete municípios, todos nas regiões Sudeste e Sul, apresentaram valor máximo (100%) de tratamento de esgoto e outros 20 municípios tem valores superiores a 80%, sendo considerados universalizados de acordo com a legislação no contexto deste Ranking.

O indicador médio de tratamento de esgoto dos 100 maiores municípios foi de 63,30%, em oposição aos 64,09% obtidos em 2020, indicando retrocesso neste indicador, quando um avanço era esperado. Segundo o SNIS (2021), a média nacional para tratamento para o tratamento dos esgotos gerados foi de 51,17%, ou seja, a média da amostra do estudo é, novamente, maior do que a média nacional. No entanto, em ambos os casos, o indicador está em um patamar ainda baixo, apontado uma área com grandes desafios a serem superados.

Dez piores municípios no quesito tratamento de esgoto: todos das regiões Norte e Sudeste: São João de Meriti (RJ) e Porto Velho (RO), ambos, com 0,0%; Marabá (PA), 2,26%; Belém (PA), 3,63%; Bauru (SP), 4%; Belford Roxo (RJ), 4,72%; Juiz de Fora (MG), 5,93%; Duque de Caxias (RJ), 5,95%; Itaquaquecetuba (SP), 9,20% e Santarém (PA), 9,50%.

Ranking do saneamento

O Trata Brasil também elabora uma lista dos 20 melhores e piores municípios quanto ao saneamento, dentre os 100 analisados pelo estudo. No Ranking 2023, na lista dos melhores oito são do estado de São Paulo, seis do Paraná, um de Minas Gerais, um do Rio de Janeiro, um do Tocantins, um da Paraíba, um da Bahia, e Brasília, no Distrito Federal.

Dos 20 piores municípios do Ranking de 2023, quatro são do Pará, quatro do Rio de Janeiro, e dois do Rio Grande do Sul. Do restante, quatro pertencem à Região Norte, quatro situam-se no Nordeste, um na Região Centro-Oeste, e outro no Sudeste.

Desigualdade sanitária e social

Os dados do estudo do Trata Brasil mostram que a desigualdade sanitária está relacionada à desigualdade social. Assim como, a desigualdade regional, que é visível no estudo, já que municípios das regiões Norte e Nordeste, por exemplo, estão muito mais presentes nos grupos com indicadores baixos, revelam a ausência de um plano estruturado de saneamento por parte das três esferas de poder – federal, estadual e municipal –, bem como, de investimento financeiro necessário. O que demonstra que o acesso ao saneamento básico não é uma prioridade dos governantes.

A falta de um plano unificado e coordenado nacionalmente, assim como a falta de investimento, mantém a desigualdade sanitária no Brasil.  Quanto ao investimento médio por habitante em obras e serviços de saneamento, o Trata Brasil mostra que as 20 melhores cidades investiram, em média, R$ 166,52 por habitante em serviços de saneamento. Já as 20 piores investiram apenas R$ 55,46 — bem abaixo, inclusive, da média de investimento nacional, que foi de R$ 82 por habitante em 2021.

A comparação das melhores e das piores cidades deixa explícita essa desigualdade sanitária. Veja alguns destaques:

– Acesso a água potável: enquanto 99,7% da população das 20 melhores cidades têm acesso às redes de água potável, nos 20 piores municípios, o número é de 79,6% da população;

– Acesso a coleta de esgoto: 97,7% da população nos 20 melhores municípios têm acesso aos serviços, enquanto somente 29,2% da população nos 20 piores municípios são atendidos;

– Tratamento de esgoto: enquanto o primeiro grupo tem, em média, 80,1% de cobertura de tratamento de esgoto, o grupo dos piores trata apenas 18,2% do esgoto produzido.

Privatização da água avança com Novo Marco Regulatório

A desigualdade sanitária em nosso país vai aumentar, com o avanço da privatização da água, proporcionado pelo Novo Marco Regulatório do Saneamento, aprovado em 2020 pelo do governo Bolsonaro. A proposta foi vendida como uma solução para a universalização do saneamento básico, mas os dados anuais do Trata Brasil, sempre divulgados em março – na semana comemorativa ao Dia Mundial da Água – mostram que a promessa de universalização está longe de ser garantida. Assim como, os mais de 1 milhão empregos prometidos com a aprovação do projeto.

O Novo Marco Regulatório tem como objetivo central entregar os serviços às empresas privadas, que podem ser multinacionais. Enquanto avançamos na privatização da água, o resto do mundo faz o oposto. O Instituto Transnacional (TNI), em estudo publicado em 2020, revela que 312 cidades de 36 países reestatizaram serviços na área de água e esgoto entre 2000 e 2019. Incluem-se aí cidades como Paris e Berlim. Os problemas constatados foram de descumprimento de metas, sobretudo nas regiões mais pobres, às tarifas abusivas.

Após a aprovação no Novo Marco Regulatório do Saneamento o que vimos foi o avanço do sucateamento das empresas estatais de saneamento e a busca de privatizá-las, como ocorreu com a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE), no Rio de Janeiro. Como vem acontecendo aqui na Bahia, onde ex-governador Rui Costa (PT) avançou na privatização da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), política que segue sendo implementada pelo atual governador, também do PT, Jerônimo Rodrigues.

Água não é mercadoria!

Água é um bem básico e não uma mercadoria. O capitalismo impõe a lógica de mercado, comercialização e obtenção de lucro com direitos básicos. Temos exemplos concretos de a privatização não vai trazer melhorias à população, mas apenas garantir o lucro de empresas, incluindo multinacionais.

A privatização do setor elétrico mostrou como a entrega de um serviço público essencial ao capital privado, ao invés de universalizar e melhorar esses serviços, provoca justamente o contrário. Aumento de tarifas, desmantelamento do que resta das estatais, forte precarização dos trabalhadores do setor e, principalmente, a perpetuação e aprofundamento da falta desses serviços, principalmente à população mais pobre, que é majoritariamente negra e feminina. É isso que vai acontecer também com a privatização da água.

É preciso impedir a privatização da água, lutar pela reestatização das empresas de saneamento básico que foram privatizadas. Temos que exigir no governo Lula a revogação do Novo Marco Regulatório e a elaboração e aplicação um plano de obras públicas que garanta saneamento básico, água tratada e coleta de esgota a todas as cidades. A falta de políticas públicas de saneamento básico reflete em inúmeros problemas de saúde e mortalidade, sobretudo infantil.

Só um sistema, que se sustenta à custa da exploração, da miséria e da pobreza da população, é capaz de transformar um bem básico e tão necessário a todos em mercadoria. Só com a destruição desse sistema e com a construção de uma outra cidade, baseada em uma relação com a natureza de acordo com nossas necessidades e não no lucro e na exploração, teremos água e vida digna a todos.