Daniel Luz, de São Paulo (SP)
O relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental” traz informações importantes sobre a crescente violência contra as escolas motivada pela ideologia de extrema direita. O levantamento feito pela equipe de educadoras sob orientação do professor Daniel Cara (FE-USP) revela como o crescimento da ultradireita tem impactado o ambiente escolar.
Elaborado como contribuição à transição ao governo Lula-Alckmin, o relatório assim se apresenta: “O objetivo deste relatório é apresentar como os ataques violentos às escolas estão relacionados com um contexto social que se vincula com a escalada do ultraconservadorismo/extremismo de direita no país e a falta de controle e/ou criminalização desses discursos e práticas, bem como de sua difusão através de meios digitais.”
Neste comentário ao relatório, buscaremos relacionar a violência que tem como alvo as escolas, perpetrada por jovens convencidos por ideias de extrema direita, com a atual crise econômica, social e política mundial, observando a expressão nacional desta crise a qual aqui, bem como em outros países, levou ao poder um governo de extrema direita. Porém, apontaremos também a responsabilidade inequívoca dos governos petistas de conciliação de classe por essa situação. Somos parte daquelas/es que, desde a sala de aula, temos percebido e sofrido com o aumento das perseguições, ameaças e ataques aos trabalhadores da educação, aos estudantes, à comunidade escolar como um todo e é dessa perspectiva que escrevemos.
De partida, o relatório faz a seguinte consideração geral: “Desde o início dos anos 2000 já ocorreram 16 ataques, dos quais 4 aconteceram neste segundo semestre de 2022. Ao todo, 35 pessoas perderam suas vidas e 72 sofreram ferimentos.” Antes deste período, não há registros de ataques à escola no Brasil.
A escola seria alvo prioritário desses ataques por ser espaço privilegiado de socialização dos jovens o que contemplaria dois fatores: “1) um sentimento de vingança exacerbado em relação à comunidade escolar, por algo que trouxe sofrimento aos agressores;” e “2) por sua centralidade social, os ataques às escolas têm alto impacto midiático, servindo como estratégia de propaganda do extremismo de direita.”
Do ponto de vista ideológico, as ideias que movem os agentes desses ataques caracterizam-se pela crença na supremacia branca e masculina, pelo ódio às chamadas minorias nacionais e étnicas (xenofobia e racismo), pelo desprezo às mulheres (misoginia e machismo), pelo ódio à população LGBTQIA+, pelo anticomunismo, por não aceitar sequer as instituições da democracia burguesa, por exemplo, o parlamento. Assim, o relatório prossegue, “Junqueira (2018), aponta que no país, a reação mais enfática desses grupos começa, entre os anos de 2010 e 2011, quando o projeto que propunha distribuir em algumas escolas materiais de promoção do reconhecimento da diversidade sexual, foi rotulado como “kit-gay”. Em tom enfático e alarmista, aponta ele, uma petição dirigida a instituições do Estado diz que “[O] Kit Gay (…) é um estímulo ao homossexualismo e incentivo à promiscuidade e à confusão de discernimento da criança sobre o conceito de família”.
O relatório aponta que nem toda cooptação de jovens resulta em ataques, por isso é necessário não reduzir a ação da extrema direita aos ataques violentos. Esses jovens, majoritariamente homens brancos, são acessados pela extrema direita por meio de fóruns de debate na internet, como os chamados chans ou por fóruns de jogos como Freefire, Roblox, etc.
De dentro da luta dos trabalhadores da educação e do cotidiano nas escolas, vemos e sentimos a tentativa de controlar e censurar o conteúdo das aulas, a liberdade necessária ao exercício da educação, sob discurso extremamente retrógrado. De fato, o relatório constata: “Os parlamentares que disseminam o pânico moral têm convocado estudantes e familiares para gravar aulas das e dos docentes, que estejam trabalhando conteúdos que na verdade são essenciais à formação, como o respeito às diversas formas de existir, que abordam a necessidade de combater as múltiplas formas de violência e as desigualdades étnicas, raciais, sociais e de gênero. As denúncias feitas por familiares conservadores, seja pelas redes sociais ou pelo envio de vídeos ou áudios, têm levado parlamentares que se colocam como os defensores da moral e da família tradicional, a invadirem os espaços escolares, denunciarem nas tribunas e redes sociais, as instituições, estudantes e profissionais da educação, o que tem provocado adoecimento docente, ataques e ameaças de morte aos atores envolvidos.”
Frente à realidade exposta pelo relatório e a ameaça a qual estamos expostos nas salas de aula de todo país, propomos olhar para a situação política nacional e mundial de modo a reconhecer o contexto social, econômico e político onde a ideologia de extrema direita ganha força e seduz parte da juventude trabalhadora e de “classe média” (pequena-burguesia).
Como sabemos, a escola não existe isolada da sociedade e da luta de classes. Neste momento, isso significa que a escola está inserida no sistema capitalista em crise econômica, social e política. Mundialmente, a grande burguesia tem avançado ferozmente contra direitos da classe trabalhadora conquistados à custa de muita luta, aprofundando a exploração de nosso trabalho, de modo a manter e aumentar sua margem de lucro. Ao fazer isso multiplica as condições de miséria de populações inteiras. A pandemia mostrou a monstruosidade capitalista: os ricos/bilionários concentraram mais riqueza em suas mãos, enquanto a maioria da humanidade padecia na miséria e na doença.
O Brasil desenvolveu, sob os anos de governo da extrema direita, índices cada vez mais alarmantes de fome, desemprego, precarização das condições de trabalho, foi exemplo de tudo que um governo não deve fazer numa pandemia, estando entre os países com o maior número de mortes proporcionalmente à sua população.
O sistema educacional como um todo conheceu o avanço de propostas ultrarreacionárias: a cruzada contra a chamada ideologia de gênero, o avanço da militarização das escolas, a destruição do currículo em que disciplinas consideradas “críticas” estão sendo expurgadas da escola pública, em prol de empreendedorismo e outras alinhadas aos interesses capitalistas e à ideologia neoliberal.
A escola foi eleita pela extrema direita no poder como alvo e laboratório de sua ideologia retrograda. Por todo país temas como identidade de gênero, pensamento antirracista, a ditadura militar brasileira, o holocausto e muitos outros passaram a ser considerados “doutrinação comunista”. O clima de perseguição e caça às bruxas aos trabalhadores da educação – particularmente, professoras e professores – se instalou país afora. Cenas de vereadores de extrema direita invadindo escolas para confrontar e ameaçar professoras/es passaram a ser comuns.
Devemos acrescentar nesse cenário os dados do relatório sobre o crescente armamento de parte da população e seus impactos sobre jovens e crianças. O registro de armas nas mãos da população civil aumentou quase seis vezes entre 2018 e 2022. Majoritariamente, essas armas estão nas mãos de CAC’s – colecionador, atirador desportivo e caçador -, atualmente a quantidade de armas pertencentes a estes acervos particulares é superior àquela registrada em posse das forças policiais, segundo dados do Sigma e do Sinarm.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, em 2021, sete crianças ou adolescentes foram vítimas de violência letal, a cada dia. Desse total 50% das crianças e 88% dos adolescentes foram mortos por armas. O relatório afirma: “Segundo levantamento do Instituto Sou da Paz, em metade dos ataques contra escolas as armas vieram das casas dos atiradores, seja por se tratar de armas registradas por CACs, seja por uso de armas pertencentes a policiais.”
O papel do PT e seus governos
Neste contexto, muitas professoras e professores compreensivelmente veem com esperança o retorno de Lula/PT ao governo federal. Mas, propomos o exercício de interpelar essa esperança, comparando-a com a política real dos governos petistas na educação em seus treze anos de governo, bem como com os sinais dados nestes primeiros dois meses de governo Lula-Alckmin.
Lembremos que proposta de reforma do Ensino Médio que deu origem ao Novo Ensino Médio (NEM) foi elaborada sob o governo de Dilma Roussef, foi também em seu governo que foi vetada a confecção e distribuição de materiais de promoção do reconhecimento da diversidade sexual, foi também sob o governo da petista que se iniciou o processo de militarização das escolas. Lembremos que o governo Lula teve como política central de acesso ao Ensino Superior a transferência de milhões de reais aos empresários da educação o que resultou em extremo endividamento dos trabalhadores. Junte-se à isso, a criação de diversas instituições de ensino superior no país não foi acompanhada de uma política de investimentos adequada. Medidas progressistas como a lei 10.638 que institui o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira também não foi acompanhada de uma política de preparação adequada dos profissionais para se tornar efetivamente realidade.
O atual governo Lula/Alckmin já manifestou que não irá revogar a reforma do Ensino Médio. Inclusive, isso é um recuo em relação ao programa eleitoral petista de 2018, em que se defendia a revogação da reforma do Ensino Médio. Em verdade, ao agir assim, o governo Lula/PT-Alckmin busca preservar a sua aliança com os grandes capitalistas como a Fundação Lehman, o Banco Mundial, dentre outros. Por essa via, segue os planos do imperialismo de destruir a educação pública do país e ampliar seus lucros fazendo da educação mera mercadoria. A CNTE-CUT aprovou em seu congresso a bandeira da revogação do NEM, entretanto segue apostando na boa vontade de Lula, apegando-se a tímidos acenos de reavaliação da questão. Até agora, na prática, o MEC abriu consulta pública para ouvir a sociedade sobre a questão do NEM. Na verdade, deveriam apostar na mobilização independente das/os trabalhadoras/es da educação e das/os estudantes pra impor a revogação do NEM (Novo Ensino Médio).
Um programa socialista para construir a escola que queremos
O capitalismo mundial vive uma grave crise, que se expressa também no Brasil. De modo geral, a política dos capitalistas e seus governos de direita e de esquerda tem sido fazer com que os trabalhadores paguem pela crise. Isso significa o aumento da pobreza, da fome, do desemprego e do subemprego, a destruição de direitos expressa em reformas como a previdenciária e a trabalhista. Tudo isso afeta diretamente as perspectivas de vida da juventude trabalhadora que não vê saída para sua vida.
Nesse ambiente, as falsificações da extrema direita se apresentam como uma solução “realista” para acabar com as mazelas da sociedade. Portanto, o combate à violência contra as escolas promovida pela extrema-direita deve passar necessariamente por uma política que seja independente da burguesia, do imperialismo e de seus governos. Que unifique a classe trabalhadora em base a um programa socialista para construir uma sociedade e uma escola que atendam aos interesses e necessidades do conjunto da classe trabalhadora, preservando a vida dos profissionais da educação e dos estudantes.
Nesse sentido, em janeiro de 2021, em meio à pandemia e a política de genocídio promovida pelo governo federal e governos estaduais, escrevemos:
“A decadência da educação é parte da decadência de todo o país. Existe um sucateamento da educação pública, com verbas muito abaixo das necessidades, desde o ensino fundamental até as universidades. Os professores e todos os funcionários da educação são atacados com baixíssimos salários e condições de trabalho.
Junto com isso, cresce uma burguesia da educação, com grandes grupos privados se aproveitando da crise da educação pública.
Nós defendemos uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos, em todos os níveis do fundamental as universidades. Defendemos o aumento das verbas para a educação. Pela expropriação dos grupos privados da educação! Acesso livre as universidades!
É preciso que haja uma expansão qualitativa do investimento para a produção de conhecimento no país, na produção científica e tecnológica nas universidades, mas também para além delas.”
Dessa forma, percebemos a importância do relatório O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental e do grande trabalho das pesquisadoras que o realizaram. Certamente, muitos de seus aportes e propostas poderão ser fundamentais na luta contra os ataques da extrema direita. Entretanto, não concordamos com a posição de conselheiros do governo Lula-PT/Alckmin, pois este, hoje, mais do que no passado, está comprometido com os interesses da grande burguesia nacional e internacional. Particularmente, busca manter sua aliança com a burguesia da educação, como demonstra a manutenção do Novo Ensino Médio, contra as múltiplas e diversas vozes que exigem a sua revogação imediata.
A perspectiva política do relatório se mostra também no ponto “8 – Ações a serem desenvolvidas na sociedade – para além do espaço escolar” em que são apresentadas propostas que se restringem à vigilância de grupos extremistas, aprimoramentos da legislação penal e a proposição de um desarmamento genérico da população civil. Sem negar a importância daquelas medidas, bem como da alteração da Lei dos Crimes de Discriminação e Ódio Racial (lei n°7.716/1989), propomos ao debate um programa que ouse projetar uma escola à serviço dos interesses e necessidades da classe trabalhadora, independente e contra os interesses dos capitalistas e seus governos, da extrema direita à esquerda. Assim, apresentamos ao debate os seguintes pontos:
- Controle pela comunidade: A limitada política de gestão democrática tem sido cada vez mais substituída pela gestão empresarial. Só com a participação ativa dos Conselhos de Escola, o respeito à autonomia e o controle efetivo da comunidade e dos trabalhadores nas tomadas de decisões, na construção da política educacional e inclusive no controle dos investimentos, poderemos reverter de fato essa situação.
- Mais investimento e valorização: Para ter modernização, tecnologia e infraestrutura é preciso mais investimentos públicos na escola pública e melhores salários para todos os trabalhadores da educação.
- Condições de trabalho e de estudo: É preciso reduzir o número de alunos por sala de aula, garantir a abertura de escolas e de turmas no período noturno e no EJA (Educação de Jovens e Adultos), melhorar a alimentação e garantir a inclusão com qualidade dos alunos com deficiência. O combate ao racismo, ao machismo, à lgbtfobia e à xenofobia, assim como as políticas para ampliar o acesso e a permanência nas escolas, são essenciais.
- O filho do rico e o filho do trabalhador na mesma escola! É preciso reverter as privatizações e estatizar os grandes grupos empresariais que transformam a Educação em mercadoria. A Educação é um direito de todos e não um privilégio de quem pode pagar, por isso todos têm que ter acesso à mesma escola!
- Baseada em novas relações de trabalho e de estudo: Ao longo da história, o ensino sempre esteve ligado às necessidades do trabalho, e por isso é limitado aos interesses do capitalismo, cada vez mais decadente e em crise. Para que as crianças e jovens tenham acesso a uma formação completa e universal é preciso construir pelas mãos da classe trabalhadora, uma sociedade socialista que supere a contradição da sociedade atual, na qual o trabalho da maioria alimenta o lucro de uma minoria exploradora.