Brasília - DF, 15/03/2018) (E/D) Presidente da República, Michel Temer e o Sérgio Etchegoyen, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Foto: Marcos Corrêa/PR

Medida cria força-tarefa de inteligência, enquanto que leis criadas pelos governos petistas servem como uma luva para o projeto de repressão de Bolsonaro

A grande imprensa noticiou de forma discreta. Mas nas redes sociais houve muitos protestos contra o Decreto 9.527/18, assinado por Temer a dois meses e meio do final de seu governo. A preocupação é mais do que justa, pois o objetivo do decreto é aprofundar ainda mais a criminalização e repressão aos movimentos sociais.

De acordo com o Decreto 9.527/2018, publicado no Diário Oficial da União no último dia 16, foi criado uma Força-Tarefa de Inteligência “para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil com as competências de analisar e compartilhar dados e de produzir relatórios de inteligência com vistas a subsidiar a elaboração de políticas públicas e a ação governamental no enfrentamento a organizações criminosas que afrontam o Estado brasileiro e as suas instituições”.

Será o Poder Executivo, a partir do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que coordenará a Força-Tarefa de Inteligência, cuja composição integra a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), as Forças Armadas, a Polícia Federal, a Receita Federal e o Ministério da Segurança Pública, entre outras instituições que serão parte dos 11 representantes titulares do novo órgão.

Ao general Sérgio Etchegoyen, atual Ministro-Chefe do GSI, é atribuído a autoria intelectual do decreto. Bastante ativo nos bastidores, Etchegoyen tem tido cada vez maior protagonismo no governo com apenas 5% de aprovação. Foi ele quem deu as cartas na intervenção federal no Rio de Janeiro. Teve papel relevante durante a greve dos caminhoneiros. E, no último dia 21, esteve ao lado de Rosa Weber em entrevista coletiva na qual a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) disse que o processo eleitoral transcorre na “mais absoluta normalidade”.

No entanto, Temer também procura “ser útil” a quem vai assumir a presidência no próximo ano. Quer um salvo-conduto que possa evitar sua provável prisão por corrupção. É por isso que ele tenta também votar a reforma da Previdência ainda este ano.

Um decreto preventivo
O teor genérico do decreto, que não define o que será considerado crime organizado, é a lâmina que vai se voltar contra os movimentos sociais. “Organizações criminosas que afrontam o Estado brasileiro e as suas instituições” pode ser qualquer organização política, entidade sindical ou organização dos movimentos sociais que atuam nas lutas sociais do país. Afinal, por aqui historicamente as questões sociais sempre foram tratadas como casos de polícia, como dizia o ex-presidente brasileiro Washington Luís (1926–1930). Um vislumbre da forma como a grande imprensa trata sistematicamente os movimentos sociais é uma pequena mostra sobre como o ícone da República Velha é uma regra de conduta da burguesia brasileira.

Na atual conjuntura, o decreto de Temer é mais uma medida preventiva para reprimir e conter a generalização de lutas num possível cenário de recrudescimento da crise social.  A crise capitalista gerou uma das maiores taxas de desemprego da história do país. São 27 milhões se somarmos os desempregados, os subempregados e os que já desistiram de procurar emprego. Contando, os jovens e outros setores que não conseguem entrar no mercado de trabalho já são 66 milhões sem emprego formal.

Não há o menor sinal de recuperação da economia no horizonte, e o caldeirão social poderá explodir.  Em meio a esse cenário, a tarefa do próximo governo será aprofundar os ataques da reforma trabalhista e aprovar a reforma da Previdência, que liquidará com o sistema público de aposentadorias. O “andar de cima” sabe que tudo isso não vai se dar sem lutas e resistência.

Na América Latina o mesmo vem acontecendo. Na Argentina Mauricio Macri demitiu milhares de servidores públicos, aumentou em 400% a conta de energia, fez a reforma da Previdência e lançou um pacote de medidas repressivas para acabar com os protestos de rua semanais. Também prendeu ativistas que ousaram a participar dos protestos contra suas medidas, como é o caso de Daniel Ruiz, liderança sindical petroleira argentina. Seu crime foi ter participado da jornada de lutas contra a reforma da Previdência do governo Mauricio Macri, em 18 de dezembro de 2017.

Nesse sentido, o decreto de Temer é “mais uma medida” preventiva, pois se soma a outras que visam a criminalização daqueles que vão lutar contra a crise. Aliás, todas elas “sob medida” para o projeto de ditadura defendido por Bolsonaro. Uma excelente análise da reformulação legislativa no Brasil que visa recrudescer a criminalização das lutas sociais está no artigo “O aprofundamento da criminalização: o significado do Decreto 9.527/18 de Temer e as tarefas dos de baixo”. Vejamos algumas dessas mudanças.

– Criação da Força Nacional de Segurança (Lei nº 11.473/2007) pelo governo Lula
A Força Nacional de Segurança já foi usada para reprimir greves e mobilizações, como por exemplo a greve dos operários da Hidroelétrica de Belo Monte, em abril de 2013. Naquele momento, soldados cercaram a obra, vasculharam alojamentos e aprisionaram operários para “quebrar a greve”.

– Lei da Organização Criminosa (Lei nº 12.850/2013), criada por Dilma
A Lei de Organização Criminosa possibilita que as organizações políticas sejam declaradas criminosas e, assim, permite que tenham acessado seus “registros de ligações telefônicas e telemáticas” (…) “interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas”; (…) afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal;(…) “infiltração, por policiais, em atividade de investigação”. Essa lei foi aplicada em inúmeros processos contra ativistas abertos após as jornadas de junho de 2013, que enquadraram jovens no crime de “organização criminosa”.

– Portaria “Garantia da Lei e da Ordem” (Portaria Normativa nº 3.461/2013), também criada por Dilma 
Já a Portaria N 3.461/MD, que trata da “Garantia da Lei e da Ordem” se remete ao Artigo 142 da Constituição de 1988, que prevê o uso das Forças Armadas na garantia da “Lei e da Ordem” internas, o que equivale dizer: em funções de segurança pública. Essa foi a medida usada por Temer na tentativa de reprimir a greve dos caminhoneiros de maio deste ano.

– Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/ 2016) criada no apagar das luzes do governo Dilma
Apesar da lei ainda não ter sido utilizada contra as manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosas, de classe ou de categoria profissional, a tipificação do crime de terrorismo segue vaga. Isso abre brechas para uma criminalização de militantes políticos no Judiciário. Segundo a lei, terrorismo é a prática de “provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”. As penas previstas vão de 12 a 30 anos de prisão.

Como se pode ver, boa parte do cardápio de leis repressivas já está sendo utilizado para reprimir as lutas sociais, e cairá como uma luva em um eventual governo Bolsonaro que pretende “acabar com todo o ativismo do país” e fazer uma “faxina muito mais ampla” para botar seus opositores “para fora ou para a cadeia”, conforme discursou por telefone direto para a avenida Paulista no último dia 21.

O populismo de extrema-direita de Bolsonaro é certamente uma ameaça. Mas a última palavra virá das ruas e da classe trabalhadora que produz toda a riqueza deste país. E quando eles se movem não há lei que segure.