Redação

Como um bom ex-espião stalinista, Putin lançou calúnias e mentiras para tentar justificar a invasão à Ucrânia. Afinal, não é fácil explicar ao povo russo uma guerra contra os seus irmãos ucranianos. Grande parte dos russos tem parentes, colegas e amigos ucranianos. E é muito difícil convencer alguém que a Ucrânia represente uma ameaça à segurança russa ou de qualquer outra nação. Por isso Putin realiza toda a campanha stalinista de mentiras dizendo que a Ucrânia é um país ou governo nazista, que não havia outra opção a não ser a invasão, pois a Ucrânia e a Otan invadiriam  a Rússia etc.

Tais calúnias são repetidas, disfarçadas ou não, por uma parte da esquerda ligada ao stalinismo, como a maioria dos partidos comunistas e setores ligados às ditaduras da Venezuela e de Cuba. A maioria defende que Putin tem uma política supostamente anti-imperialista de enfrentamento com os EUA e a Otan e quer transformar a Rússia em um país soberano. Mas tudo isso não passa de mentiras e ilusões para confundir parte dos ativistas de esquerda sobre o real caráter da guerra.

Putin não é anti-imperialista

Putin não é um lutador incansável contra o imperialismo. Ao contrário, com Putin, aprofundou-se a colonização do país. A Rússia hoje é mais dependente da exportação de produtos primários, como gás e petróleo, e de capitais e tecnologias estrangeiras, do que era há 20 anos. Neste período se privatizou, fecharam-se indústrias, houve massiva entrada de capitais externos na economia local, primarizou-se a economia, houve uma queda brutal nos investimentos em ciência, tecnologia e educação. E o país e suas empresas se endividaram junto ao capital internacional num nível inédito. As grandes empresas russas, como a Gazprom, Rosneft, Sberbank, têm todas dívidas junto a credores internacionais equivalentes aos valores de seus ativos. Na prática, os credores ocidentais são os verdadeiros donos dessas empresas. As multinacionais estão todas presentes na Rússia, ocupando os espaços no mercado interno que anteriormente eram ocupados por empresas nacionais.

A crise econômica atingiu em cheio a Rússia, com a redução de investimentos e, em especial, com a queda nos preços do petróleo. O orçamento do país passou a ser deficitário, reduziu-se a capacidade de investimento, o que obrigou o governo a uma reforma da Previdência muito impopular e a cortes nos serviços sociais, o que aumentou a insatisfação social.

A indústria de transformação perde peso dentro do país, e os únicos setores que crescem são aqueles controlados por multinacionais estrangeiras. A única exceção a essa decadência geral da indústria é o chamado complexo industrial-militar, por ser um setor estratégico para o regime, com grandes investimentos estatais.

Por outro lado, A Rússia ocupa um papel político na arena mundial desproporcionalmente superior à sua real importância econômica, graças a duas heranças da antiga URSS: um arsenal nuclear e o grande poderio das Forças Armadas, e influência em toda a região da ex-URSS. Estes dois elementos são um trunfo nas mãos da burguesia russa e, ao mesmo tempo, um ponto de tensão permanente com o imperialismo mundial, em especial com seu braço armado, a Otan.

Putin utiliza o velho nacionalismo grão-russo para submeter e explorar os países da ex-URSS. Por isso esmaga qualquer revolta popular contra as ditaduras aliadas do Kremlin, como fez na Belarus e, mais recentemente, no Cazaquistão. A ideologia chauvinista russa segue cumprindo seu papel, ao impedir que essa insatisfação se dirija contra Putin e seu regime, mas as contradições se acumulam.

A Rússia, apesar de sua política agressiva em relação aos processos de lutas nos países limítrofes, não é um novo país imperialista, nem caminha para se tornar um. E muito menos possui algo de “soviético” ou “socialista”, uma vez que a restauração do capitalismo ocorreu nos anos 1980 sob direção do partido comunista.

A Rússia não apenas segue sendo um país capitalista dependente, como se aprofunda sua dependência, e a invasão da Ucrânia está enraizada na debilidade do capitalismo russo em relação aos grandes imperialismos consolidados, o qual depende, em grande parte, de seu papel como fornecedor de energia. Mas é, ao mesmo tempo, uma superpotência militar herdada da URSS. Suas aspirações repousam, em primeiro lugar, na subjugação das ex-repúblicas soviéticas que pertenciam à URSS.

Protestos na Praça Maidan, em 2013

A Ucrânia não é nazista

Putin e os stalinistas defendem a Rússia, com a narrativa da “desnazificação” da

Ucrânia. Trata-se de uma mentira vergonhosa contra um país que, na luta contra o nazismo, perdeu entre 6 e 8 milhões de cidadãos.

Realmente existem grupos fascistas na Ucrânia, como o batalhão Azov. Da mesma forma existem muitos grupos fascistas apoiando a ocupação militar russa em Donetsk e Lugansk. Existem grupos nazifascistas dos dois lados. Os grupos nazifascistas da Ucrânia, no entanto, não têm nenhuma expressão de massa, obtiveram 1.5% dos votos nas últimas eleições e sequer têm algum representante no parlamento do país ou no governo.

Líder da extrema-direita italiana, Matteo Salvini

Por outro lado, Putin é o queridinho da extrema-direita europeia. Da Frente Nacional francesa, de Marine Le Pen, passando por Matteo Salvini, o líder da Liga (partido de extrema direita italiana), indo até o Vox da Espanha (liderado por Santiago Abascal), todos nutrem admiração por Putin e muitos são até mesmo financiados pela Rússia.

Não por acaso, Trump e Orban (presidente húngaro de ultradireita) apoiaram Putin no início, só mudando de posição frente ao gigantesco repúdio das massas contra a invasão russa. Não por acaso, Bolsonaro foi à Rússia às vésperas da invasão, prestou “solidariedade” a Putin e se nega a condenar a invasão da Ucrânia. Bolsonaro deseja também usar a estrutura de hackers da Rússia para interferir nas eleições brasileiras. Por fim, um dos maiores admiradores de Putin é Steve Bannon, o marqueteiro de Trump que sonha em organizar uma Internacional da extrema direita. Nela, haverá espaço para Putin.

Não se trata de uma luta contra o nazismo. Trata-se da invasão de um país oprimido, com apoio de grupos paramilitares no leste da Ucrânia, e de uma parte da ultradireita internacional, além dos stalinistas.  Ao contrário do que afirma o stalinismo, a luta ucraniana neste momento expressa a vontade de um povo oprimido contra uma invasão brutal da Rússia, por sua soberania e integridade territorial.

Fora as garras da Otan da Ucrânia!

Putin e os stalinistas justificam a invasão à Ucrânia, dizendo que não havia outra solução contra a ameaça da expansão da Otan. Obviamente, é preciso se colocar contra a Otan e defender sua dissolução. A Otan serve aos interesses do imperialismo norte-americano e foi usada em invasões criminosas como no Afeganistão – apoiada pela Rússia de Putin, diga-se de passagem.

As ações dos EUA, da UE e da Otan nada têm a ver com a defesa da soberania ucraniana. Aliás, os imperialismos americano e europeu se calaram frente à repressão russa ao levante do povo do Cazaquistão contra a ditadura no país. Os EUA-Otan e a Rússia de Putin são duas facções contrarrevolucionárias que estão usando o conflito ucraniano para defender suas posições, fortalecer o militarismo na Europa e no mundo e alimentar uma corrida armamentista.

Mas é Putin com sua política de agressão que fortalece a Otan. Basta ver que, após a invasão, a Alemanha conseguiu se soltar das amarras que a impediam de tomar parte em conflitos militares desde a Segunda Guerra e já anunciou que está triplicando seu orçamento militar. A Áustria segue pelo mesmo caminho. A Otan, que passava por uma crise há alguns anos (Trump até ameaçou retirar os EUA da organização), com dificuldade de justificar sua própria existência, se reafirma agora como “uma aliança para a defesa”. Diante das ameaças de Putin, países que nunca haviam aderido à Otan, considerados historicamente “neutros”, agora discutem abertamente a questão, como a Finlândia e a Suécia.

Lenin X Stalin

A defesa da autodeterminação dos povos

O nacionalismo grão-russo é evocado por Putin para justificar a agressão. Em um pronunciamento, o russo criticou abertamente a política bolchevique em defesa da autodeterminação dos povos. Para ele, a Ucrânia é um mito, criada artificialmente pelos bolcheviques de Lênin. “Esse processo começou imediatamente após a Revolução de 1917, e, ademais, Lênin e seus associados o fizeram da maneira mais desordenada em relação à Rússia: dividindo, arrancando da Rússia pedaços de seu próprio território histórico”, disse na TV.

De fato, a Ucrânia só conseguiu sua independência depois da revolução bolchevique de 1917. Após a revolução russa houve uma guerra civil na Ucrânia que levou os comunistas do país ao poder e, depois, a sua adesão à União das Repúblicas Soviéticas.

Mas Lênin sempre defendeu o direito à autodeterminação dos povos, inclusive em polêmica com outros marxistas da época, tal como Rosa Luxemburgo e Bukarin. Para ele, as antigas nacionalidades oprimidas pelo antigo Império Russo (como os ucranianos) deveriam ser livres para optar pela sua adesão à URSS ou não. A Finlândia que era parte do Império Russo, por exemplo, optou pela não adesão e sua decisão foi respeitada por Lênin. Enquanto muitos outros países, como a Ucrânia, aderiram à união das nações soviéticas, preservando sua autonomia e independência.

Trotsky explica como a posição de Lênin em defesa da autodeterminação nacional se combina com as tarefas da revolução socialista: “O direito à autodeterminação nacional é, sem dúvida, um princípio democrático, não um princípio socialista. Porém, na nossa era, quem apoia e aplica os princípios genuinamente democráticos é o proletariado revolucionário; por esta razão as tarefas democráticas se entrelaçam com as socialistas. A luta resoluta do Partido Bolchevique pelo direito à autodeterminação das nacionalidades oprimidas pela Rússia facilitou muito a conquista do poder pelo proletariado. Foi como se a revolução proletária tivesse absorvido os problemas democráticos, sobretudo o agrário e o nacional, dando à Revolução Russa um caráter combinado.”

Essa posição mudou radicalmente depois que Stalin chegou ao poder. Contra a política de Lênin de defender o direito à autodeterminação das nacionalidades oprimidas, Stalin impôs uma ditadura que transformou a URSS em uma prisão de povos, restabelecendo a velha dominação russa sobre as outras nacionalidades. A Ucrânia, segundo Trotsky, foi quem sofreu as piores consequências do expurgos stalinistas. Hoje tudo isso é copiado e reivindicado por Putin. Se o stalinismo está com Putin, Lênin está contra todos eles.

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