Presidente da Colômbia, Gustavo Petro Foto World Economic Forum/Jakob Polacsek
Redação

Opinião Socialista: Estamos a um ano da eleição de Gustavo Petro como presidente da Colômbia. É um governo que se apresenta como o primeiro alternativo do país. Queremos saber seu ponto de vista sobre ele e o que significa para a luta de classes em seu país

Dirigente do PST-Colômbia, María Paula Hougton

María Paula Hougton: Primeiro, é importante entender em que contexto Gustavo Petro ascendeu à Presidência da Colômbia.

Gustavo Petro ganhou a presidência da Colômbia como um reflexo distorcido de uma nova situação que caracterizamos como pré-revolucionária. Depois de várias décadas de lutas defensivas e desarticuladas, uma nova situação política caracterizada por amplas lutas radicais começou a se gestar na Colômbia. Inicialmente, na forma de lutas setoriais, porém, de grande magnitude que foram acompanhadas por manifestações de apoio em nível nacional. Entre eles a paralisação agrária em 2013; paralisações cívicas no Pacífico, uma região com altíssimos índices de miséria e enormes riquezas naturais, e uma grande greve de professores em 2017. Crescia o descontentamento e os questionamentos aos sucessivos governos uribistas e também ao regime.

Em 21 de novembro de 2019, as direções das centrais sindicais fizeram um chamado para uma mobilização nacional, inicialmente burocrática e limitada, mas que extrapolou pelo número de manifestantes e pela extensão no tempo, configurando a primeira grande paralisação nacional das últimas décadas. A mobilização havia sido convocada para um dia, mas durou cerca de 15 dias com importantes manifestações de rua, bloqueios de estradas em algumas cidades, incluindo Bogotá, e em rodovias nacionais, resultando na interrupção da produção.

Esta paralisação foi desmontada com a chegada do Natal, sendo convocado um encontro nacional e uma nova jornada de lutas para 25 de março de 2020. Lamentavelmente, veio a pandemia e a quarentena geral foi decretada em 23 de março. Por isso, as lutas ficaram confinadas. Porém, com a pandemia, o descontentamento só piorou; a fome e as medidas policiais para controlar a população fizeram com que a situação novamente voltasse a explodir na capital no dia 9 de setembro. A faísca foi o assassinato do jovem advogado Javier Ordóñez pela polícia, em circunstâncias muito semelhantes ao assassinato de George Floyd, meses antes nos Estados Unidos. Primeiro ele foi incapacitado com um taser e depois espancado até a morte. A resposta da juventude da capital foi enérgica, 45 centros de atenção imediata (CAI) que são pequenas delegacias nos bairros, foram incendiados, mas a resposta policial foi brutal; entre 9 e 10 de setembro, 23 jovens foram assassinados a tiros. Isso ficou conhecido como o massacre de Bogotá.

Este massacre não apaziguou o descontentamento, pelo contrário, foi como jogar lenha na fogueira. A população assolada pela fome, pela repressão e a péssima gestão da saúde não encontrava saída. Mais uma vez, a burocracia sindical foi pressionada a convocar uma jornada de mobilizações nacional de 24 horas para 28 de abril de 2021, diante de um projeto de reforma tributária do governo Duque que ameaçava aumentar o preço dos alimentos em 19% e de uma reforma sanitária que agravava a já calamitosa situação. Nesta ocasião, a luta durou cerca de 60 dias, convertendo-se numa greve nacional. A maioria da população apoiou a greve, inclusive não se importavam de caminhar vários quilômetros até suas casas, generalizaram-se a organização das “Primeiras Linhas” e as assembleias populares associadas às ondas comunitárias. A mobilização começou a alcançar conquistas ao derrubar os projetos de contrarreformas tributária e de saúde, dois ministros e a sede da Colômbia para a Copa Sul-Americana de futebol; e com isso o governo cambaleou por vários dias.

A mobilização radical teve como resposta do governo uma repressão brutal. 89 jovens foram mortos, calcula-se que cerca de cem desaparecerem, dezenas de mulheres lutadoras foram estupradas e muitos jovens perderam os olhos por disparos da polícia. No entanto, a razão pela qual o governo não caiu foi porque o reformismo, as direções sindicais e o próprio Gustavo Petro, atuaram como quinta coluna do regime, sustentando-o. A greve foi suspensa com a promessa de que mudanças viriam quando Petro ganhasse a presidência e, assim, a mobilização fosse canalizada para o terreno eleitoral.

A luta foi substituída pela estratégia parlamentar e pela campanha eleitoral. As ilusões de milhares foram levadas para as eleições, e é graças a esse processo e nesse contexto que Petro ganha a presidência.

Quem é Gustavo Petro? Que forças políticas representa e com que forças disputou as eleições presidenciais de 2022?

É um economista de profissão, foi membro do grupo guerrilheiro M-19, anistiado em 1990. Foi senador e prefeito de Bogotá. Promoveu a organização de movimentos políticos como a Aliança Democrática M-19, o Polo Democrático Alternativo, a Colômbia Humana e, atualmente, a frente policlassista do Pacto Histórico. Podemos localizá-lo socialmente como parte da pequena burguesia, mas com um programa político burguês liberal. Embora tenha dito inúmeras vezes que não é revolucionário nem de esquerda, a imprensa burguesa e, em geral, a população o colocam como um político de esquerda. Nós o caracterizamos como neorreformista, social-democrata e liberal. No entanto, suas constantes denúncias contra a corrupção feitas a partir do parlamento burguês lhe renderam reconhecimento. Ele e seus movimentos políticos são defensores da Constituição Política de 1991 e da institucionalidade e, como já dito, canalizaram o descontentamento social, apresentando-se como o “governo da mudança”, em oposição aos governos de direita. No Pacto Histórico, setores da esquerda se reúnem como setores da burguesia, que veem em Petro a possibilidade de conter as massas. O setor da burguesia que não entrou no Pacto Histórico e fazem oposição aberta de direita, é o setor do uribismo. Mas há outros burgueses como o Partido Conservador, o Partido da Mudança Radical e frações do Partido Liberal que o apoiam ou se opõem à sua política de acordo com suas conveniências.

Durante as eleições de 2022, diante do acirramento da luta de classes, consolidaram-se três setores fundamentais, sendo o primeiro formado por Petro, organizações reformistas e alguns setores burgueses, organizados no Pacto Histórico; a coalizão de centro-direita liderada pelo Partido Verde, cujos prefeitos foram eleitos sob a bandeira de alternativos, mas desempenharam um papel protagonista na repressão à mobilização de 2021; e a coalizão de direita chamada Núcleo Colômbia, que representava não apenas o uribismo, mas também os partidos burgueses tradicionais. Essa coalizão tinha a expectativa de ser um contrapeso a Petro, e seu candidato Federico Gutiérrez despontava como principal adversário. Essas três coalizões foram a consultas interpartidárias para escolher seus candidatos, nós participamos criticamente da consulta do Pacto Histórico, defendendo o voto em Francia Márquez, uma liderança negra que representava até certo ponto muitas das reivindicações da Greve Nacional.

Nessas consultas, que mais se assemelham a uma espécie de eleições primárias, os vencedores foram Gustavo Petro pelo Pacto, Sergio Fajardo pelo centro, mas com uma consulta pobremente votada, como uma punição das massas ao papel dos prefeitos; e Federico Gutiérrez à direita. Entretanto, apresentando-se de forma independente, com uma máscara antissistema e anticorrupção (tendo contra si mais de 15 processos judiciais por corrupção, um dos quais em que foi recentemente condenado), começou a destacar a figura do empresário Rodolfo Hernández, com um perfil muito semelhante ao de Donald Trump que se apresenta como antissistema, mas representa o pior dele. Fez campanha com um discurso abertamente autoritário, machista, homofóbico e racista. Desde sua campanha, ameaçou aumentar ainda mais a jornada de trabalho e cortar os direitos das mulheres. Para surpresa de todos, esse foi o candidato que passou para o segundo turno para disputar com Gustavo Petro.

A mensagem foi nítida, a população estava farta de mais do mesmo, direita ou esquerda, gritavam por mudança. A polarização foi máxima. Definimos acompanhar esse processo dando um voto crítico a Gustavo Petro, acompanhando os anseios das massas de infligir uma derrota eleitoral ao uribismo, mas sem confiar nele e mantendo nossa independência política. Junto com as massas celebramos o golpe político na direita com este resultado eleitoral, mas desde o início mantivemos a independência, a crítica e a denúncia do novo governo.

Qual é a natureza do governo de Petro? É um governo de esquerda comprometido com a classe trabalhadora e as massas populares, como afirmam setores da esquerda ao redor do mundo?

Um problema em responder a essa pergunta é o significado de esquerda ou direita, já que são termos vagos que podem ter muitas interpretações. Hoje os políticos liberais são chamados de esquerda e os mais conservadores de direita; ao contrário de tempos atrás, quando esquerda eram os comunistas, socialistas e anarquistas.

Nas aparências, existe um campo de esquerda ou progressista e um campo reacionário, o “campismo” consiste justamente em nos pressionar a agir ao lado de um suposto campo dos trabalhadores e da ala progressista da burguesia, mas aí está o erro. Não há burguesia progressista, todas as alas burguesas são nossas inimigas, inclusive aquelas que estão no governo hoje e que, na realidade, ditam sua política, defendendo seus interesses em detrimento dos nossos, os trabalhadores. O país, e o mundo, continua verdadeiramente dividido em classes, com interesses irreconciliáveis.

Nós preferimos usar as categorias de classes sociais para caracterizar o governo. Embora hoje muitos busquem extinguir a análise de classe marxista, ela ajuda muito melhor a entender a realidade. Apesar das aparências, a contradição fundamental entre a burguesia e a classe trabalhadora se expressa dentro do governo.

Basicamente, o governo Petro é um governo de conciliação de classes, mais especificamente um governo de Frente Popular, que se baseia em uma coalizão entre organizações reformistas de base operária, como o Partido Comunista que hoje tem dois ministérios (chegou a ter três), organizações pequeno-burguesas e representantes da burguesia, que se expressa em seu gabinete de governo. Esse caráter também se expressou nas alianças com os partidos burgueses tradicionais, aliança que se rompeu há alguns meses por conta das reformas apresentadas pelo governo ao parlamento.

Petro é um político que se aproxima do fenômeno do neorreformismo, liberal em seu programa que usa uma retórica com elementos que questionam o capitalismo, a crise ambiental, a injustiça social etc. Seu propósito, como reconheceu abertamente, é desenvolver o capitalismo com uma face humana, por meio de reformas que aliviem a situação de vida das massas, reformas do aparelho de Estado para alcançar algumas mudanças democráticas e, como ele explica, desenvolver o capitalismo. Ao contrário do velho reformismo, Petro dissocia-se completamente da perspectiva do socialismo (ainda que seja somente em palavras); apoia-se na velha e reacionária teoria maoísta e stalinista de que, em países como o nosso, o principal problema é que o capitalismo não pode se desenvolver devido a um suposto traço feudal e que, portanto, o que deve ser feito é superá-lo e permitir que o capitalismo se desenvolva. Essa estratégia o coloca em uma permanente contradição, de responder às expectativas dos trabalhadores e das massas ou manter sua aliança com a burguesia. Para nós, e como foi demonstrado até agora, trata-se de uma contradição insolúvel, em que os aliados da burguesia, mesmo que sejam poucos, acabarão por pender a balança a seu favor e impedir qualquer mudança real. Assim o demonstram as tentativas de aprovar reformas no parlamento e, em geral, sua política quotidiana.

Durante este ano, em várias ocasiões, vimos mobilizações a favor e contra o governo, o que as motivou? É verdade, como afirma a esquerda internacional, que o governo está tentando aprovar medidas progressistas?

Petro sabe que, se não conceder concessões às massas, o descontentamento vai extrapolar. Na campanha eleitoral, revelou que sua principal missão era desmantelar o descontentamento social, ou seja, desmobilizar e desmontar o ascenso das lutas em troca da concessão de reformas controladas para que a roda do capitalismo e da exploração continuasse seu curso. Mas para isso sabe que o discurso não basta, ele tem que dar respostas concretas às massas que ainda confiam nele. No início de seu governo, confessou que se não concretizasse seu plano de reformas no primeiro ano de governo, o descontentamento voltaria às ruas.

Por isso, desde o primeiro dia começou um plano de formulação de projetos de lei, supostamente progressistas, que superariam as injustiças históricas na Colômbia.

Prometeu acabar com a intermediação privada de saúde, recuperar direitos trabalhistas retirados nos últimos 30 anos, acabar com a depredação da mineração e a exploração petroleira, reformar a polícia, libertar jovens presos políticos. Mas várias dessas promessas, quando se trata de concretizá-las em projetos de lei e decretos, são diretamente rejeitadas ou cerceadas por seus aliados burgueses, removendo qualquer conteúdo que questione seus lucros e seu poder.

O resultado foi que a maioria dessas reformas termina em mudanças muito mornas que esperam obter algumas migalhas para os trabalhadores e as massas, mas sem revogar as leis neoliberais aprovadas no período anterior, como a manutenção do critério da regra fiscal (um teto de gastos do Estado que não comprometa o pagamento da dívida externa), etc. Mas, inclusive, a reforma da Previdência é diretamente regressiva, não só mantém os fundos privados, como agora será obrigatória para os trabalhadores que ganham 3 salários-mínimos ou mais (uma camada grande de funcionários do Estado, trabalhadores da saúde e profissionais em geral) contribuírem para esses fundos, salvando-os e diminuindo a aposentadoria no futuro. Tenha em mente que 3 salários-mínimos é o custo atual da cesta básica.

Mas, ainda assim, a burguesia colombiana é tão reacionária que nem está disposta a compartilhar migalhas. Por isso, se opõe abertamente a qualquer reforma que questione seu modelo de acumulação das últimas décadas baseado na privatização de serviços e na superexploração da força de trabalho. Assim, vimos como a frágil aliança de governo desmoronou na hora de debater e aprovar essas reformas a ponto de aquelas que apareciam como progressivas serem afundadas no parlamento, enquanto a reforma da Previdência continua avançando.

Paralelamente ao debate sobre reformas, o setor de oposição burguesa de direita não perde uma oportunidade de desacreditar o governo e, para isso, conta com a colaboração aberta da grande mídia. Levam qualquer tropeço do governo e até fabricam escândalos para enfraquecer seu apoio na população.

Petro e o reformismo, para defender suas reformas e combater ataques ao seu governo, tratam de organizar mobilizações de apoio.

É neste marco que várias convocatórias foram feitas, das quais a convocatória para a marcha de 7 de junho foi a mais numerosa. Essa marcha foi convocada por Petro, pelo Pacto Histórico e pela maioria da burocracia sindical, que são ecoadas pela maioria da esquerda em apoio ao governo e suas reformas. Em vez de serem marchas contra a burguesia, seu objetivo era instrumentalizar a mobilização para tentar se limpar em meio à crise e como mecanismo de pressão sobre o Congresso para aprovar suas reformas.

Mas a oposição burguesa também apela para mostrar força nas ruas. A direita uribista organizou sua própria mobilização contra o governo em 20 de junho, que teve um chamado importante em nível nacional, com uma participação não desprezível, embora menor que à governista, foi maior em relação aos anteriores. Eles pretendem enterrar definitivamente os projetos de reforma de Petro e tentar capitalizar o descontentamento com os escândalos do governo, a crise social e suas medidas regressivas, como o aumento do preço da gasolina. Para isso, apelam para o mais reacionário da ideologia burguesa de direita defendendo seu conceito de família, propriedade privada e religião, com seu inevitável discurso de ódio homofóbico, racista, sexista e anticomunista.

Após essas mobilizações em junho, o governo e a oposição burguesa tentaram novamente ir às ruas, mas não conseguiram mobilizações significativas até agora.

E a denúncia de setores que alegam que um golpe está sendo forjado contra eles, é verdade ou não? Qual tem sido a posição da direita nesse processo?

Na democracia burguesa decadente, a competição por cargos de governo envolve uma luta entre governo e oposição. Enquanto um setor burguês governa, os outros se opõem e aproveitam qualquer escândalo para desacreditá-lo. Para isso também usam a grande imprensa que, de acordo com os interesses dos monopólios (seus donos), agitam a favor ou contra o governo.

Da mesma forma, o reformismo, que normalmente se encontra marginalizado dos governos, aceita esse jogo e exerce oposição dentro dos limites da democracia burguesa, do parlamentarismo e do “Estado de Direito”. Mas, quando chegam excepcionalmente ao governo, enfrentam esse jogo na própria carne, mas sem a força do grande capital plenamente a seu favor.

A história nos mostrou que este tipo de governos de colaboração de classe enfrentam uma oposição burguesa de direita que não está disposta a ceder nada. No fim das contas, o que os incomoda não é tanto o governo em si, mas a luta de classes quando ela sai do controle. Toleram esse tipo de governo sempre e quando não gere um “duplo poder”, isto é, processos de luta, organização e mobilização independente dos trabalhadores e das massas, que não podem ser controlados pelo governo ou por seus agentes na burocracia sindical.

O governo tem sido constantemente bombardeado com críticas às suas reformas, a qualquer pisada em falso de seus funcionários e qualquer escândalo de corrupção. Nisso, tiveram como primeira linha o veículo de comunicação Semana, que pertence à família Gilinski, uma das mais poderosas do país. Por outro lado, a oposição parlamentar às suas reformas conseguiu até agora paralisá-las, impedindo que o governo apresentasse sucessos às massas.

Diante da impossibilidade, por sua política e seus compromissos, de enfrentar essa campanha permanente da oposição, o governo agora recorre ao discurso do “golpe brando” para tentar se justificar dizendo que há um plano coordenado e orquestrado em curso da direita para remover Petro do governo.

Para nós, o termo “golpe brando” surge como parte da política imperialista que chamamos de “reação democrática”. Com ela, o imperialismo recorre à democracia burguesa e a certas liberdades democráticas para desmantelar processos revolucionários e governos incômodos quando não podem recorrer a invasões ou golpes militares.

Segundo a teoria do “golpe brando”, os governos podem ser derrubados através de uma combinação de manipulações, conspirações e enfrentamento institucional. Esse termo também tem sido usado pela esquerda reformista para defender os chamados “governos progressistas”, justificando alianças e colaboração com a burguesia, silenciando qualquer crítica ou questionamento vindo de baixo e instrumentalizando a mobilização apenas para apoiar os interesses do governo. Dessa forma, impedem a independência política e organizativa das massas.

É verdade que há uma campanha difamatória consciente e sistemática e que há até setores da ultradireita abertamente golpistas que buscam abrir campo; buscando desesperadamente que a burguesia tradicional recupere as rédeas do Estado para voltar a governar pessoalmente. Apesar disso, não vemos nenhum tipo de golpe se configurando até agora, nem acreditamos que os escândalos sejam produto de uma conspiração de direita.

Por enquanto, a burguesia está focada em neutralizar o governo no parlamento e tentar conquistar postos nas próximas eleições regionais, em outubro.

Não se pode descartar que, se as massas voltarem às ruas exigindo suas reivindicações, ou uma crise generalizada se instale no governo, uma saída golpista dentro da burguesia tome peso, mas caracterizamos que essa não é sua política majoritária hoje, nem é a política do imperialismo. A política majoritária continua sendo a campanha de difamação e obstrução. Suas denúncias são cínicas e descaradas e as usam oportunisticamente para encobrir seus próprios crimes. Devemos rejeitar qualquer manifestação reacionária da direita e qualquer tentativa de organização golpista.

Nesse momento, após o início de um novo período legislativo, o governo tenta recompor a maioria parlamentar para aprovar suas reformas, em meio à campanha eleitoral e a novos escândalos, como a recente captura e prisão de seu filho Nicolás Petro, investigado por enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro.

Essa mesma esquerda que considera Gustavo Petro “progressista” considera seu governo como um modelo de como um presidente de esquerda deve governar, contando com a mobilização popular para se contrapor a um parlamento reacionário e à burguesia. É isso que está acontecendo atualmente na Colômbia?

Esse governo tem como principal objetivo, de mãos dadas com o imperialismo, garantir a “paz social” e evitar uma nova explosão social, por meio de reformas e de um plano de desenvolvimento capitalista que não conflite com as indicações da OCDE, do Banco Mundial e do FMI, ou seja, ajustado aos planos neoliberais. As mobilizações que são convocadas, a nosso ver, são de natureza instrumental, para defender acriticamente o governo e apoiar reformas que não correspondem às reais necessidades dos trabalhadores e das massas.

O governo, apesar da importância das mobilizações, prefere demonstrações de força pelo pulso com a burguesia aliada e oposicionista. Seus apelos retóricos à luta e às ruas não correspondem a um processo de organização conscientemente pela base, para constituir organismos de massas que possam sustentar o poder, o que deixa o caminho livre e um ambiente extremamente perigoso para o avanço da contraofensiva burguesa.

Lamentavelmente, apesar do próprio Petro em seus discursos, e a bancada do Pacto em suas declarações, denunciarem que é justamente a burguesia (oligarquia diz Petro) que não lhes permite avançar mudanças, que boicotam ou sabotam qualquer possibilidade, etc., sua estratégia é absolutamente incoerente com sua própria caracterização do momento atual.

Basicamente, propõem reconstruir um governo de unidade nacional para reapresentar os projetos de lei ao mesmo Congresso que já os afundou, apoiar-se em mobilizações nos feriados, disputar as eleições regionais fazendo acordos de todo o tipo, cujas consequências são mais do que nítidas, e, evidentemente, ceder mais para recompor a atualmente fraturada coalizão de governo com partidos burgueses tradicionais como o Conservador e o Liberal.

Mas o pior de tudo, é que inclusive com sua política de Paz Total, eles passam pano para paramilitarismo anunciando a nomeação de Salvatore Mancuso como Gestor de Paz, um dos comandantes dos exércitos paramilitares que massacraram, torturaram e sumiram com milhares de ativistas e a população por décadas.

A justificativa dada para que esse plano de fazer o mesmo, esperando resultados diferentes, é que, por um lado, as alianças com políticos tradicionais e seus partidos, alas da burguesia supostamente aliadas etc., eram necessárias porque, segundo eles, não temos a correlação de forças necessária para promover reformas. Não existe nenhuma autocrítica ou balanço sobre estas alianças, sobre a política de concertação e, pelo contrário, se busca insistir nela. Claro que a atual correlação de forças não é das melhores, isso porque as lutas foram intencionalmente desmontadas para direcionar o processo para as eleições, com a promessa de converter as reivindicações em projetos de lei que afundaram já com esta em três legislaturas diferentes. Enquanto isso, enquanto as massas são desmobilizadas, a burguesia opositora de direita organiza a contraofensiva, embora, por enquanto, não vejamos que a política majoritária seja uma saída golpista, nunca se deve confiar na burguesia, pois no momento há um risco iminente de que avancem eleitoralmente nas eleições regionais.

Qual a posição de vocês sobre esse processo?

Desde nossa perspectiva, um ano de governo Petro nos deixa com a conclusão inequívoca de que não há nenhuma possibilidade desse Congresso corrupto legislar em favor das maiorias, ou avançar nas transformações que o país precisa e pelas quais saiu para lutar em 2019 e 2021. Qualquer iniciativa moderadamente progressista no Congresso será recortada até se tornar inócua ou inútil, ou pior, até se tornar seu oposto, como é o caso da reforma da Previdência que é uma verdadeira armadilha para os trabalhadores e as massas. Por isso, reiteramos nossa convicção e acreditamos que os fatos o comprovam, de que não conseguiremos no Congresso o que não conquistamos nas ruas, ou seja, através da organização e da luta independente.

Nessa disputa interburguesa nenhum campo representa os interesses dos trabalhadores, pois, como explicamos, apesar das aparências, o governo Petro não é um governo dos trabalhadores, pelo contrário, é um governo que, apesar do discurso vermelho que frequentemente mostra, zela fundamentalmente pelos interesses do imperialismo e do setor burguês que o apoia, usando algumas concessões às massas para controlar a mobilização e evitar o descontentamento. Em meio a essas contradições, a classe trabalhadora deve assumir um ponto de vista de classe, ou seja, independente tanto do governo quanto da oposição de direita, organizando-se e mobilizando-se pelas reivindicações históricas e urgentes expressas na greve nacional, que não foram resolvidas pelo governo e muito certamente não serão através das limitadas e até regressivas reformas.

É por isso que propomos uma estratégia oposta pelo vértice à estratégia parlamentar, que provou ser o caminho rápido e seguro para a derrota.

É preciso retomar o caminho da luta, para o qual propomos a organizar um grande encontro nacional de setores, que retome as reivindicações levantadas nas greves de 2019 e 2021 para reconstruir um programa unificado de exigências ao governo. Para conquistá-la, é preciso organizar um plano de luta independente que inclua dias de greve convocados pelas centrais, não marchas em feriados que não afetem, ou mesmo dificultem a produção e o lucro; e que se avance na preparação de uma nova greve nacional contra os exploradores e opressores que se recusaram a ceder inclusive em reformas mínimas para aliviar a situação penosa da maioria.

Este plano de luta deve sustentar-se na reativação das assembleias populares e comitês de empresa, mas não de forma instrumental para sair em defesa do governo quando este está em apuros, ou para defender cegamente reformas que não são discutidas, mas onde é realmente se discuta e decida de forma independente. O governo terá que escolher se se coloca a serviço dessas mudanças e resolve em favor desse programa, ou se continua tecendo alianças por cima.

Finalmente, acreditamos que o movimento de massas deve se desfazer de qualquer ilusão de que, sob o capitalismo, as demandas que todos esperam podem ser resolvidas.

Seguir pretendendo que um suposto desenvolvimento capitalista beneficiará a todos é levar a classe trabalhadora e as massas populares à paralisia.

Além disso, o governo Petro, por seu caráter, as organizações que o acompanham e pelas alianças com a burguesia que tanto cuida e pretende manter, não é um governo que conseguirá realizar as demandas mínimas.

Os trabalhadores e as massas precisam de um verdadeiro governo operário e popular, que derrube o regime bonapartista que ainda se mantém de pé, que julgue e puna os responsáveis por décadas de violência política, que reparta a terra e exproprie a burguesia criminosa e as multinacionais, para colocar toda a riqueza e força de trabalho a serviço dos próprios trabalhadores.