Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil
Zé Maria

Metalúrgico e presidente nacional do PSTU.

De um lado, em apenas cinco dias, nesta última semana, em “operações” realizadas pelas polícias militares de São Paulo, Rio de Janeiro e da Bahia mataram 45 pessoas, se considerarmos os números oficiais. É apenas mais um de muitos capítulos dessa tragédia que assola a vida da população mais pobre do nosso país, e não apenas nas grandes cidades, como vimos no exemplo de Itatim, Bahia.

De outro lado, cerca de um mês atrás a Comissão de Segurança Publica do Senado aprovou relatório de autoria do senador Fabiano Contarato, do PT, relativo ao PL 3045/2022, que estabelece normais gerais para a organização das policiais e bombeiros militares no Brasil, que teria o objetivo de substituir o Decreto Lei 667/1969, da Ditadura Militar que estabeleceu as normas atuais de funcionamento das PMs, designando-as como forças auxiliares do Exército Brasileiro.

O relatório aprovado, por incrível que pareça, não apenas mantem todas as excrescências do Decreto Lei da Ditadura. Além de manter intacta a estrutura militar das PMs e sua subordinação ao Exército, a submissão dos praças (soldados, cabos, sargentos e subtenentes) a um regime disciplinar draconiano que lhes impõem obediência cega aos oficiais e negam direitos básicos como a ter seus sindicatos, fazer greve, ou filiar-se a partidos políticos, ainda amplia o alcance das atribuições das PMs e cria um limite/teto para o ingresso de mulheres na instituição.

Ou seja, o relatório aprovado consegue o que parecia impossível, piorar ainda mais o que já era péssimo. Na verdade, é uma receita para agravar ainda mais o quadro de violência do Estado contra a população pobre e negra já instalado neste país. A responsabilidade por essa situação são os governos. Federal e estaduais.

O massacre promovido pela PM de São Paulo na Baixada Santista, com apoio enfático do governador Tarcísio de Freitas apenas confirma o bolsonarismo que corre nas veias deste crápula, assim como do governador Claudio Castro, do Rio. É o que a ultradireita reserva ao povo pobre e negro.

Mas o fato de o relator do projeto de lei que tramita no senado seja do PT não é mera coincidência. É expressão do sinal verde dado pelo governo do PT e seu ministro da justiça para o andamento e aprovação deste projeto de lei.[1] Nada a estranhar, vinda de um partido que, em governos anteriores já fez aprovar a lei das organizações criminosas e a lei antiterrorismo.

E esta postura criminosa do PT frente a este projeto de lei é coerente com a sua prática no governo. Apenas no ano passado a Policia Militar da Bahia, governada pelo PT, matou 1464 pessoas (o número é do Fórum Brasileiro de Segurança Pública). O atual chefe da Casa Civil do governo Lula, Rui Costa, foi o governador de estado da Bahia que proferiu a célebre frase, “o policial é como o artilheiro em frente ao gol”, diante de um massacre promovido pela PM na comunidade do Cabula em 2015, que matou 11 pessoas.

Desmilitarizar a segurança pública

É lugar comum no discurso de todos esses governos, quando assumem seus mandatos, dizer que farão uma guerra contra a pobreza, para melhorar a vida das pessoas. No entanto, só o que se tem visto da parte deles até agora é uma guerra brutal, sim, mas contra os pobres, não contra a pobreza

Precisamos denunciar e exigir punição rigorosa a todos os policiais que cometem esses crimes contra a população, assim como também aos seus comandantes e governadores, pois são os mandantes. No entanto é preciso ir além, sob pena de ficarmos enxugando gelo. Se não houver mudanças na estrutura de segurança pública do país para cada policial assassino que tirarmos das ruas, outros mais serão formados dentro da própria instituição que deveria proteger a população.

A real função das instituições policiais em nosso país, é proteger os privilégios dos ricos e poderosos, a propriedade privada capitalista, fonte de todas as mazelas que afligem a vida da classe trabalhadora e do povo pobre. Nunca foi garantir a segurança da população. Uma polícia violenta, ferreamente disciplinada pelos seus comandantes, é necessária ao sistema, que ao não poder garantir condições dignas de vida para a maioria da população, precisa conter sua revolta pela força, pela violência.

A disciplina militar é muito importante para esta finalidade, pois é preciso fazer com que os policiais, a ampla maioria oriundos de famílias pobres, de trabalhadores, atuem como bucha de canhão contra sua própria gente, para proteger os donos do dinheiro. Não se trata apenas da repressão aos piquetes de greve, às ocupações urbanas e rurais, quando os policiais agridem trabalhadores e famílias, pobres como eles mesmos, que apenas lutam por seus direitos, direitos negados também à ampla maioria dos policiais que ganham salários baixos e trabalham em situação precária.

A expressão mais emblemática dessa situação talvez seja o fato de que a PM do Brasil é uma das polícias que mais mata no mundo, mas também que mais morre. Ela mata jovens em sua ampla maioria, pobres e negros. Assim como são pobres e negros e jovens, a grande maioria dos policiais que morrem nessa guerra que é movida contra a pobreza pelo Estado brasileiro, hoje governado pelo PT de Lula.

A chamada “guerra contra as drogas” é apenas uma grande cortina de fumaça que tenta disfarçar o indisfarçável. Tudo que essa violência não faz é acabar com o tráfico de drogas, armas e pessoas que, pelo contrário cresce cada vez mais alimentando esse ciclo da violência, inclusive corrompendo policiais e autoridades públicas – é preciso ver se os acontecimentos da baixada não estão relacionados a isso.

Não temos dúvida de que, enquanto houver capitalismo, as instituições policiais vão estar sempre a serviço da defesa do sistema, contra a população. Numa sociedade governada pelos trabalhadores a segurança pública não será exercida dessa forma e sim através da auto-organização da própria população. No entanto, isso não pode nos impedir de lutarmos por mudanças desde já, não podemos simplesmente continuar assistindo cenas como essas que vimos nas chacinas mais recentes.

É preciso denunciar o escândalo que é o posicionamento do PT ante essa situação assim como o silencioso obsequiosos de partidos como o PSOL e PCdoB. É preciso exigir do Governo Federal e dos estados a abertura da discussão sobre esse assunto e a desmilitarização das PMs. É preciso estimular a auto-organização da população nos bairros pobres de maneira a dar conta da sua autodefesa.  E é preciso chamar os soldados, cabos, sargentos, enfim, os praças que estão na base dessas instituições a se rebelarem contra essa situação e a se unirem aos trabalhadores na luta para mudar toda essa situação.

Os soldados precisam se unir à luta dos trabalhadores e da população pobre

São os banqueiros e grandes empresários, ou seja, os grandes capitalistas e os governos que são seus serviçais, os responsáveis pela desigualdade e injustiça dessa sociedade, que condena a ampla maioria da população a viver em condições cada vez mais sub-humanas. São eles também os responsáveis em última instancia pelas mazelas que afligem a vida dos praças e de seus familiares, assim como pela brutalidade e desrespeito com que os praças são tratados pelos seus oficiais escudados na estrutura militar das PMs (também por isso a desmilitarização da segurança pública interessa aos praças).

É preciso levar esta discussão para dentro das instituições policiais, chamar os policiais a recusarem o papel de bucha de canhão contra os trabalhadores e a população pobre do nosso país, a se unirem aos trabalhadores na luta para mudarmos tudo isso que está ai. Da mesma forma que os trabalhadores e suas organizações precisam apoiar as lutas dos policiais quando estes defendem seus direitos democráticos ((contra os abusos de seus comandantes, direito de ter sindicato, fazer greve) e melhores salários e condições de vida. É dessa forma que caminharemos na unidade e na luta necessária para acabar com toda forma de opressão e exploração a que somos submetidos no capitalismo. Na luta por uma sociedade socialista onde possamos, todas e todas, vivermos plenamente, como seres humanos que somos.

Façamos a paz entre nós, e guerra aos senhores!

[1][1] Sua origem remonta a 2001, em proposta enviada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional que estava parada no Congresso até o bolsonarismo reativar sua tramitação. Agora o PT assume a tarefa de consumar o crime.