A abertura da Casa Luiza Mahin foi uma mescla de profunda emoção, reafirmação de disposição de rebeldia e luta
Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

A abertura da Casa Luiza Mahin, na noite de 1 de julho, na Brasilândia, na periferia de São Paulo, foi uma mescla de profunda emoção, reafirmação de disposição de rebeldia e luta e festiva confraternização entre pessoas que, apesar de pertencerem a distintas gerações, terem diferentes histórias, orientações sexuais, etnias e raças ou localizações na sociedade, compartilham da certeza de que “só a luta muda a vida” e, que, para tal, é preciso nos solidarizarmos e nos autorganizarmos.

Como discutido no artigo “No dia 1º de julho, acontece a inauguração da Casa Luiza Mahin na Brasilândia“, a escolha do nome do espaço se deve à trajetória daquela que esteve na linha de frente da Revolta do Malês (1835) e da Sabinada (1837/38), na Bahia, e fez de sua própria casa o “quartel-general” dos rebeldes e revoltosos.

Foi exatamente isto que foi destacado por Israel Luz, ao abrir a noite, lembrando da importância de avançarmos na organização dos “de baixo” e destacando que, apesar de bancada coletivamente pela militância do PSTU, a Casa estará sempre aberta para todos e todas que precisem de um espaço para se reunir, promover atividades, confraternizar, estudar, trocar ideias ou o que for necessário para fazer avançar as lutas e a consciência contra os que nos exploram e oprimem.

Um espaço para organizar as lutas e desenvolver a consciência e solidariedade de classe

Na sequência, a professora Flávia, nascida e criada no bairro e que recentemente assumiu a coordenação da Subsede da Lapa do sindicato dos professores do estado (a Apeoesp), ressaltou que a Casa surge num momento muito importante, marcado pela derrota eleitoral de Bolsonaro e a ascensão de um governo de Frente Ampla, que prega a ilusão de que é possível enfrentar a opressão e a exploração capitalistas de mãos dadas com a burguesia.

Professora Flávia, militante do PSTU, nascida e criada na Brasilândia

Um ilusão, lembrou Flávia, que, na verdade, só tem resultado em novos ataques, como exemplificado pela aprovação do Marco Temporal e do Arcabouço Fiscal.

Já a metroviária e sindicalista Vânia Maria destacou a garra e a importância das lutas das mulheres negras, no passado e no presente, diante da massacrante combinação do machismo e do racismo. Depois, Sônia Bischain, fotógrafa, escritora e historiadora do bairro, lembrou da sofrida história da região, mas também de como seus moradores nunca pararam de lutar, criar e se autorganizarem.

De passagem por São Paulo, o companheiro Hertz Dias não pode deixar de prestigiar  a abertura da Casa e, além de destacar como a Brasilândia lembra tantas outras quebradas, inclusive as do Maranhão, Hertz cantou “Herói de preto é preto”, do “Gíria Vermelha”: “Sou mano de quebrada, sou mina de favela. Sou todos os que lutam por um mundo sem miséria. Sou mano de atitude. Sou mina que é de fibra”.

As vozes e as lutas de quem acredita que é preciso e possível “fazer Palmares de novo!” 

Ao cantar, Hertz, de improviso, incorporou dois nomes na música que, de fato, fizeram da noite na Brasilândia algo inesquecível: Daniela e Andressa, as mães de Rodrigo e Jonathan, dois jovens que, há tempos, lutam contra uma injusta prisão por crimes que comprovadamente não cometeram, mas que lhes foram atribuídos pelos racistas sistemas policial  e judiciário.

Hertz Dias cantou “Herói de preto é preto”, música do grupo de rap maranhense Gíria Vermelha, do qual é vocalista

Daniela e Andressa contaram suas história e agradeceram, de forma emocionada e emocionante, a solidariedade que têm recebido da militância do PSTU e demais ativistas presentes na inauguração, o que pode fazer com que o calvário vivido por seus filhos e familiares se encerre na próxima semana.

Dentre os ativistas presentes na atividade, destacam-se os jovens do “Coletivo Rebeldia: Juventude da Revolução Socialista”, os que atuam no “Comitê Brasilândia em Luta”, formado na época da pandemia para organizar solidariedade numa região duramente atingida pela covid-19 e completamente abandonada pelo Estado e, também, os(as) que organizam o “Prevenção de Todes”, que trabalha com ações de prevenção contra doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e HIV/AIDS nas escolas, pelo bairro e junto à comunidade LGBTI+.

Destacando a importância de que esta juventude se aproprie do espaço, Israel lembrou que uma das primeiras atividades programadas, já para o final do mês, é o curso “Revoltas e Revoluções do Povo Brasileiro”, que tem como objetivo discutir tudo aquilo que, geralmente, é invisibilizado pela História Oficial.

E, por isso mesmo, não por acaso, algumas vezes as falas foram interrompidas e acompanhadas pelos versos versos de “Notícias”, de José Carlos Limeira: “(…) por menos que conte a história / não te esqueço meu povo / se Palmares não vive mais / faremos Palmares de novo (…)”

Estiveram presentes no evento o Coletivo Rebeldia, o Comitê Brasilândia em Luta e o grupo Prevenção de Todes

Aquilombe-se!

“A ponte entre o passado e o futuro”. Foi assim que o companheiro Antônio Duarte, morador desde sempre da Brasilândia e militante “histórico” do PSTU, abriu sua fala ao lado do Rodrigo Sousa, um dos jovens moradores do bairro e do partido, que lembrou que a Casa é um espaço pra pensar e organizar as lutas que nos garantam um futuro: um mundo socialista.

Na atividade, coube a mim apresentar um pouco da vida de Luiza Mahin e suas lutas (que podem ser conhecidas no artigo mencionado acima) e, inclusive, como, apesar de dedicar toda sua vida para a libertação de seu povo, Mahin ainda deixou como legado Luiz Gama, um filho cuja trajetória como organizador de quilombos, jornalista e advogado abolicionista é exemplar.

Alguém que deixou um ensinamento que citei na atividade exatemente por ser bastante apropriado para os dias de hoje, quando reformistas de várias matizes nos pedem “paciência” em relação a tudo o que nos explora e nos oprime.

“É muito difícil organizar uma revolução, muito mais difícil realizá-la, e absolutamente insuportável a opinião dos humanitários que nos apregoam máximas e dão lições de prudência no meio das tempestades e hecatombes.”, escreveu Gama, em 1876.

A Casa Luiza Mahin é, agora, mais um espaço para organizar a revolta e a indignação crescentes, não só contra o capitalismo e seus agentes diretos, mas também os que assumem a posição de capitães-do-mato, feitores ou colaboracionistas, esquecendo muito do que foi ensinado pro nossas(os) ancestrais.