Redação
Paulo Honório e Pedro Silva, de São Paulo
Na recente visita a Donald Trump, Jair Bolsonaro e sua comitiva deram um show de subserviência ao governo dos EUA. Para além das vergonhosas demonstrações de “amor” ao império, houve pelo menos um prejuízo muito concreto ao país: após mais de 20 anos de negociações, o Brasil concedeu o uso da base de lançamentos aeroespacial de Alcântara para os norte-americanos.
Uma localização estratégica
Alcântara é um município perto de São Luís, capital do Maranhão. Sua localização próxima à linha do Equador é ideal para o lançamento de foguetes de grande porte capazes de pôr em órbita satélites de comunicação. Tal posição geográfica permite gerar uma economia de até 30% de combustível nos lançamentos, em relação à mesma operação na Flórida. Se não bastassem essas vantagens, as condições meteorológicas favorecem lançamentos o ano todo. Lar de comunidades quilombolas, a região passou a abrigar o Centro de Lançamento de Alcântara em 1983 como parte da política aeroespacial do governo da época.
Acordos anteriores
Em 2000, o governo FHC fechou um acordo com os EUA para utilização da base. Mas tal proposta foi rechaçada em 2002 pelo conjunto dos trabalhadores brasileiros, por meio da mobilização de comitês contra a concessão da base, que acabou forçando o Congresso Nacional a recusar o acerto feito pelo governo.
Além de garantir aos norte-americanos o controle exclusivo de um território dentro do Brasil, o TSA (Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, em português) impedia a transferência de tecnologia para nosso país, algo evidentemente de interesse para o desenvolvimento das pesquisas aeroespaciais nacionais.
Nos anos seguintes, pesquisadores brasileiros realizaram tentativas de lançamento de Veículos de Lançamento de Satélites (VLS). Todos os testes fracassaram, sendo que no último uma explosão ainda em solo matou 21 pessoas que trabalhavam no projeto.
Em 2004, já sob o governo Lula, uma parceria com a Ucrânia foi firmada para utilizar a base. Um pouco mais favorável em termos da possibilidade de transferência tecnológica, o acordo acabou anulado em 2015.
Documentos vazados há alguns anos pelo Wikileaks mostram qual foi a posição do Departamento de Estado dos EUA em relação à demanda ucraniana por apoio em Alcântara: “Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil“, dizia a mensagem dirigida à embaixada em Brasília. Ou seja, os Estados Unidos pressionaram para que a base ficasse inutilizável.
A superioridade tecnológica é importantíssima para que as potências mantenham sua posição no mercado mundial. Não é de interesse delas que países periféricos possam desenvolver tecnologia própria em campos estratégicos, como o aeroespacial.
Para impedir que seu monopólio seja quebrado, vale desde o uso de patentes até a pressão política e sabotagem. É como colocar uma cerca em volta das descobertas científicas com uma placa escrita: “Propriedade privada! Não ultrapasse!”. Perde a Humanidade, que sem essas amarras poderia acelerar as descobertas científicas, ganha o capitalismo.
A questão quilombola
Soma-se aos problemas anteriores a preocupação com o futuro das comunidades quilombolas que vivem na região: em Alcântara há mais de 200.
Seu destino com possíveis ampliações da base provavelmente seria a expulsão, facilitada pelo governo cuja política de titulação de terras está, como sempre em nossa História, entregue aos ruralistas.
Bolsonaro: America first!
Depois de trabalhar tanto contra o desenvolvimento científico do Brasil, por que agora os EUA agiriam diferente? Ainda mais com um presidente cujo lema é “América em primeiro lugar”?
O presidente Bolsonaro bate continência para a bandeira norte-americana e aprofunda qualitativamente o que governos anteriores iniciaram: o processo de recolonização do Brasil. Não podemos esquecer que o governo Dilma iniciou a desnacionalização e a venda de áreas do pré-sal, o governo Temer iniciou a venda da Embraer para a Boeing e agora Bolsonaro aprofunda com a concessão de território brasileiro para os EUA .
O atual governo, por meio de seu ministro Marcos Pontes, afirma que a concessão não fere a soberania nacional, pois mantêm sob jurisdição brasileira. Se o fato de outro país decidir quem pode ou não entrar em instalações brasileiras não é uma quebra da soberania, é melhor o ministro rever os seus conceitos.
Com a concessão da base de Alcântara e a venda da Embraer o Brasil praticamente se retira do mercado aeroespacial, e vira somente um entreposto para os lançamentos, pois toda a tecnologia estará sob controle dos EUA.
Sem tecnologia não tem como o Brasil investir em novas fábricas e na criação de novos postos de trabalho. O governo Bolsonaro aprofunda sua política entreguista a um grau poucas vezes visto, mostra que quer transformar o país em uma grande fazenda dos EUA, produtor de soja, petróleo e banana, com a conivência das Forças Armadas.
Finalmente, o governo ignora completamente as demandas por território dos povos que ali vivem e precisam as terra para trabalhar e viver.
É preciso dizer não à concessão da base aos EUA!
Como em 2002, as organizações populares, de trabalhadores e de estudantes precisam se opor a esse crime contra a soberania nacional. Está em jogo permitir que o EUA controlem parte de nosso território. O que garante que eles não usarão para fins militares? Um papel assinado por Trump certamente não.