Deyvis Barros, do Ceará (CE)

Depois dos tristes episódios de ataques em escolas em Blumenau (SC) e na capital paulista, está ocorrendo uma série de ameaças em escolas por todo o país. Esse é um problema que vem se agravando.

Quando fechávamos a edição deste jornal, disseminava-se pelas redes sociais a ameaça de que usariam o aniversário do massacre escolar de Columbine, nos EUA, para atacar escolas. Isso exige assembleias, organização e mobilização de pais, alunos, professores e funcionários e medidas emergenciais de autodefesa. Ao mesmo tempo, é preciso fazer um debate sobre as raízes dessa violência nas escolas e das saídas que efetivamente possam resolver pela raiz tal situação.

Um levantamento feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) registrou 22 ataques a escolas de 2002 a 2023 no Brasil. Do ano passado para cá, o número de atentados já é maior que o total registrado nos 20 anos anteriores.

Afinal, o que está acontecendo para que atos tão bárbaros estejam se tornando rotina em nosso país?

O capitalismo está levando o mundo para a barbárie

Por que dizemos que atentados em escolas são problemas do capitalismo? Porque o sentimento que leva jovens a cometerem esse tipo de crime cresce justamente pela falta de perspectiva, pelo aumento da violência da sociedade e pelos preconceitos contra setores oprimidos (mulheres, negros, imigrantes, LGBTIs etc.).

Todos esses problemas são expressões da decadência capitalista que, neste momento, são impulsionados pelos grupos ligados à ultradireita, um produto desse sistema doentio.

Em uma pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), ao serem perguntados se o mundo está se tornando um lugar melhor, somente 31% dos jovens brasileiros achavam que sim. A ampla maioria pensava que o mundo está se tornando um lugar pior. Já uma pesquisa do Datafolha de 2022 apontava que 80% dos jovens passaram por algum problema de saúde mental nos últimos anos.

É a sede insaciável de lucros da burguesia que alimenta as contradições sociais que geram a falta de perspectiva, os preconceitos e a própria violência. Governos e empresários de educação  mantêm um sistema educacional sucateado, opressor e repressivo, onde não se garante um  ambiente saudável na escola, propiciando o adoecimento geral. É preciso mudar o atual modelo de educação e a escola, que atualmente é a reprodução do funcionamento “normal” da sociedade capitalista de individualismo, competitividade, opressão e repressão.

Lutar por uma escola e a educação diferentes é lutar para colocá-la a serviço da luta dos trabalhadores contra o capitalismo, pois enquanto essa sociedade existir, estaremos sempre submetidos aos governos e à lógica do sistema capitalista que  superexplora os professores e funcionários e deixa a escola à mercê da decadência da sociedade capitalista atual, da qual a extrema direita é uma  expressão.

Ódio

Combater a ultradireita e seus discursos de opressão e discriminação

Os grupos de ultradireita que se proliferam na internet e em plataformas de jogos online, em especial após a vitória de Bolsonaro em 2018, são parte do processo de cooptação de jovens para práticas de atentados violentos como os que aconteceram nas escolas.

Discursos como os de Bolsonaro e seus aliados contra mulheres, LGBTIs, negros, indígenas etc. levam a uma lógica supremacista que provoca a discriminação, busca a desumanização de grupos inteiros e os torna vítimas em potencial.

Esses grupos de ultradireita, muitos de caráter neofascista, canalizam a violência causada pela barbárie capitalista não contra a burguesia que é responsável por ela, mas contra setores oprimidos ou indefesos, como as crianças.

Não há como ter uma política consequente contra o aumento de atentados contra escolas sem combater a fundo esses grupos e seus porta-vozes, como Bolsonaro.

Por que não resolve?

Policiamento nas escolas não é a solução

Diante da situação de medo criada pelos ataques, vários políticos, em maioria ligados a essa ultradireita bolsonarista defendem o aumento da violência do Estado e o policiamento das escolas.

Mas não existe nenhuma comprovação científica de que colocar policiais armados em escolas resolva a questão, ao contrário, pode acabar gerando problemas colaterais.

As escolas, que precisam ser um espaço de aprendizado e acolhimento, acabarão se tornando espaços ainda mais violentos e repressivos para crianças, adolescentes e profissionais da educação, em especial para os negros.

Isso não quer dizer que defendemos que os autores de atos como o de Blumenau não sejam punidos. Muito pelo contrário. Precisam ser punidos exemplarmente. Mas o que estamos discutindo é quais medidas emergenciais são efetivas para impedir novos atentados agora, e quais estruturais são necessárias para acabar de vez com isso. E o policiamento das escolas não é a solução.

A experiência dos Estados Unidos

Normalmente quem defende o aumento do uso da força policial se apoia na experiência dos EUA. Mas justamente o caso desse país comprova a ineficácia dessa lógica.

Nunca os EUA gastaram tanto com segurança escolar e também nunca houve tantos atentados com mortes em escolas naquele país. Atualmente 51% das escolas dos EUA têm guardas com armas de fogo. Mas isso não fez diminuir o número de atentados, ao contrário, 2021 e 2022 foram os anos com maior número de atentados a escolas com mortos na história do país. Um estudo do Instituto Nacional de Justiça dos EUA aponta que o número de mortes em escolas com guardas armados tendia a ser quase três vezes maior do que naquelas sem seguranças armados.

Efeito contrário

Além do mais, o policiamento pode gerar um efeito contrário, de aumento dos casos de violência e de evasão escolar.

A polícia brasileira é uma instituição de um Estado racista e utiliza sua força como mecanismo de controle e repressão da população pobre e negra, principalmente nas periferias. As frequentes mortes evitáveis e prisões arbitrárias nas periferias são uma expressão disso.


Não resolve

Medidas do governo Lula são mais que insuficientes

Poucos dias após anunciar seu novo marco fiscal, que garante restrição de gastos sociais para priorizar o pagamento de banqueiros, Lula destinou o valor de R$ 150 milhões para o combate à violência nas escolas. O equivalente a menos de R$ 700,00 para cada escola do país.

Além de representar um investimento limitado, todo o esforço do governo Lula está concentrado em uma resposta policial (patrulha escolar e investigação).

Seria necessário que o governo investisse recursos para diminuir a quantidade de alunos por sala de aula e aumentar o número de funcionários de apoio nas escolas, possibilitando o acompanhamento adequado dos alunos.

Mas, para isso, o governo precisaria aumentar a verba da educação, o que não poderá fazer com um orçamento que privilegia os interesses dos bancos.

Também precisaria revogar o Novo Ensino Médio, que é um modelo de educação voltado para atender as necessidades do mercado, e a reforma trabalhista, que precariza as condições de trabalho da juventude, fazendo com que não tenham perspectivas de futuro.

Auto-organização

A comunidade escolar pode e deve se auto-organizar para se defender

Diante desse problema real, a comunidade escolar (professores, servidores, mães, pais, estudantes e população do entorno das escolas) deve se organizar para prevenir e se defender de possíveis ataques.

Nos dias dos atentados, diante de novas ameaças, escolas de São Paulo usaram grupos de whatsapp para organizar a paralisação das aulas. Esse tipo de iniciativa mostra que a comunidade pode estar mobilizada para se prevenir.

A comunidade escolar pode e deve controlar e cuidar da sua defesa.

Uma hipótese de como isso poderia funcionar seria que os membros da comunidade escolar elegessem brigadas dentro da própria comunidade (mães, pais, funcionários, ex-alunos adultos) que pudessem cuidar da segurança e do acesso às escolas. Seria necessário que o governo financiasse essas brigadas de pessoas da própria comunidade e eleitas por ela.

Ao invés de colocar policiais armados que desconhecem os estudantes e profissionais, isso garantiria mais proximidade com a própria escola, mais confiança, segurança e maior possibilidade de identificar casos.

Dizemos que esse funcionamento é uma hipótese porque a própria comunidade escolar organizada encontrará as melhores formas de se defender. Os governos, ao invés de propor medidas repressivas de baixo para cima, precisam ouvir os envolvidos e construir alternativas junto com eles.

Saída

Algumas propostas emergenciais para combater ataques violentos em escolas

Auto-organização da comunidade escolar para se defender: realizar assembleias nas escolas junto à comunidade escolar, grêmios e sindicatos para debater e votar uma brigada eleita, composta por pais, estudantes, professores e funcionários. O governo deve financiar (garantir salário para) essas brigadas eleitas pela comunidade e, se elas exigirem, garantir treinamento.

Parar o Brasil no próximo dia 20 de abril contra a violência nas escolas, exigir investigação, prisão e punição exemplar dos envolvidos em ameaças na web;  e pela autodefesa das escolas.

Construção de um plano em conjunto com educadores, estudantes, funcionários, pais e pessoas que vivem o problema do aumento da violência nas escolas que poderão propor medidas que ajudarão a impedir novos casos. É necessário investir em pesquisa para entender o que realmente pode dar resultado.

Reduzir o número de alunos por turma e contratar funcionários: não é possível para o professor, em uma turma superlotada, dar a devida atenção aos alunos, nem aos alunos terem espaço e liberdade para discussão e   perceber comportamentos estranhos. Nem existem funcionários suficientes para cuidar das escolas. O governo precisa aumentar o orçamento da educação e investir em uma estrutura adequada.

Investimento em polícia investigativa: ao invés de policiar as escolas, é necessário apostar em investigação, através de grupos da Polícia Civil específicos para esse fim. A maioria dos casos pode ser desmantelada antes que aconteça. Assim como criar canais de denúncia anônima e combate às fake news.

Apoio psicológico: investimento no SUS para garantia de mais profissionais que possam sustentar o apoio psicológico demandado pela mediação escolar e brigadas escolhidas por alunos, pais, professores e funcionários.

Política de combate ao racismo,  machismo, LGBTIfobia, xenofobia e toda opressão dentro e fora das escolas: os grupos de ultradireita se apoiam em ideologias preconceituosas para cooptar jovens para ações violentas. É preciso combater esses preconceitos.

Revogar Novo Ensino Médio e reforma trabalhista: a falta de perspectivas para a juventude está na raiz do aumento da violência escolar e de casos extremos, como os atentados. É preciso assegurar o direito ao futuro melhor para os jovens. Devemos exigir que Lula revogue integral e imediatamente todas as reformas que retiram direitos.