O ex-presidente Jair Bolsonaro, julgado inelegível por 8 anos. Foto Tania Regina/ABr
Júlio Anselmo

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu nesta sexta-feira, 30, pela inelegibilidade de Jair Bolsonaro (PL). O julgamento diz respeito a abuso de poder político e uso indevido de meios de comunicação. Esse é apenas um dos processos, mas já estão correndo dezenas de ações que o ex-presidente deverá responder.

Os crimes de Bolsonaro – cometidos antes, durante e depois do mandato – são evidentes e inquestionáveis. Não apenas o escancarado uso de maracutaias na comunicação com fake news e o uso do aparato da Presidência para fazer campanha eleitoral, mas principalmente as ameaças autoritárias que proferiu ao longo dos últimos anos tentando criar uma narrativa de questionamento às eleições como meio para justificar uma tentativa de golpe.

Primeiro, é preciso afirmar que não defendemos a democracia dos ricos e que as eleições, em geral, não são realmente democráticas. Elas não são justas, na verdade são bem pouco democráticas justamente por causa do controle do poder econômico. Há eleição justa e democrática apenas para a burguesia, para os ricos. O que defendemos, enquanto vivermos sob o capitalismo, são as liberdades democráticas, que inclusive poderiam ser mais amplas, com maior igualdade na disputa e menos controle dos ricos sobre o processo. Poderíamos ter, por exemplo, tempo igual na TV para todos os candidatos e a participação de todos e todas nos debates, um teto de gastos mais reduzido para as candidaturas, salário dos parlamentares igual a de um professor ou operário.

Poderíamos, enfim, ter mais liberdade para que a classe trabalhadora tivesse capacidade de se defender e também mais espaço para organizar e defender outra sociedade, justa, igualitária e realmente democrática, ou seja, na qual a classe trabalhadora e a imensa maioria do povo realmente mandassem e controlassem. Contudo, uma democracia de verdade pressupõe outro sistema econômico, um Estado dos trabalhadores e outro regime político, de democracia operária, baseado no poder dos trabalhadores e na expropriação da burguesia.

Bolsonaro, ao contrário, critica o regime eleitoral para ter menos democracia para os trabalhadores, defende ainda mais controle dos ricos, a ponto de questionar o resultado das eleições para justificar um possível autogolpe. Não encontrou, contudo, apoio suficiente entre a burguesia brasileira e internacional para criar as condições para um golpe vitorioso. Essa falta de apoio não possibilitou que uma maioria ativa na cúpula das Forças Armadas fosse ganha para o projeto golpista, tampouco mobilizou setores o suficiente para pressionar ambos nas ruas, apesar de movimentar um contingente para obstruir estradas, cercar quarteis e ocupar Brasília.

Isso não o impediu de tentar. O dia 8 de janeiro foi incitado por Bolsonaro e seu entorno, e todos os fatos apresentados pelo coronel Mauro Cid ou que estão sendo revelados pela CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do golpe corroboram isso.

Depredação praticada por bolsonaristas em Brasília

Enterrar de vez as ameaças autoritárias de Bolsonaro e da extrema direita, militar e não militar, que ele organiza, julgá-lo e puni-lo é somente uma parte do que seria necessário. Inclusive, ele deveria não só ficar inelegível como ser preso. Mas é preciso ainda demitir os milhares de militares encastelados em cargos no Executivo e punir os militares que participaram ou fizeram corpo mole no dia 8 de janeiro.

O governo Lula (PT), contudo, não vem enfrentando nem a extrema direita golpista incrustrada nas instituições civis do Estado, muito menos os militares golpistas. Pelo contrário, capitulou aos militares na escolha do atual ministro da Defesa, assim como, mais uma vez, mostra sua submissão ao devolver o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) para o controle dos militares. As medidas de Lula são todas para repactuar com a cúpula das Forças Armadas. Também não avança a investigação, muito menos as necessárias mudanças nas Forças Armadas para abolir o bolsonarismo e o golpismo de seu interior.

Lula e o PT relegam para o Judiciário o papel de enfrentar Bolsonaro, o bolsonarismo e a ultradireita. O problema é que isso não garante nem sequer a punição desse setor, posto que o Judiciário defende os interesses dos ricos, além de ter também influência da ultradireita. Por isso, no Brasil, punem-se trabalhadores, pobres e negros, com muito rigor, enquanto se garante impunidade aos ricos e poderosos. Além disso, a derrota que precisamos infligir na ultradireita vai muito além de processos judiciais. É preciso que sejam derrotados politicamente, pois apenas processar, punir e prender não garante que, ali na frente, voltem ao poder ou que suas ideias sigam tendo peso na sociedade.

A tarefa de enfrentar o bolsonarismo não pode ficar nas mãos do Judiciário, de qualquer instituição do Estado ou de outro setor da burguesia. Inclusive o próprio TSE livrou a cara de Braga Neto, o que demonstra sua subserviência aos militares e golpistas. Nenhuma anistia a golpista é o que queremos. Mas o governo Lula-Alckmin, não atende a essa exigência. Diz que vai enfrentar, mas sempre se defronta com seu próprio limite, que é a defesa dos interesses dos capitalistas e do atual regime político dos ricos. Por isso, o STF (Supremo Tribunal Federal), no mesmo momento que vai pra cima da ultradireita, toma medidas pra lá de questionáveis do ponto de vista da liberdade expressão, que podem amanhã se virar contra a esquerda e o movimento dos trabalhadores.

O governo Lula cumpre um duplo desserviço nessa luta: ao mesmo tempo que capitula aos militares, é hoje o principal responsável por fazer acordões com Arthur Lira (PP e líder do centrão) e outros setores que eram bolsonaristas até ontem. Mas não somente isso, Lula hoje é o comandante-chefe das Forças Armadas, assim como o garantidor dos interesses dos negócios capitalistas e, ao administrar o capitalismo em crise e decadente, mantém o Brasil nos grilhões de um setor burguês que defende o aprofundamento da exploração e da opressão e dá margem para o surgimento de coisas como Bolsonaro.

Contra a ultradireita, em situações pontuais, é necessária a mais ampla unidade para lutar. Mas isso não pode significar o apoio ao governo ou sequer uma unidade política ou permanente com o governo, como faz a maior parte da esquerda, como o PSOL. Isso desarma não só a luta pelos direitos dos trabalhadores que o governo vem atacando, mas inclusive a própria luta contra a ultradireita.

Se os trabalhadores querem enfrentar Bolsonaro e evitar a ascensão da ultradireita novamente, devem manter-se independentes do governo Lula. Além disso, é preciso construir uma oposição ao governo, de esquerda, classista e socialista, que enfrente a ultradireita de verdade, exigindo não só punição a Bolsonaro, mas lutando politicamente para derrotar todo o bolsonarismo que infelizmente o PT ajuda e alimenta hoje.

As lutas dos trabalhadores contra os ataques econômicos do governo, como o Arcabouço Fiscal, também são fundamentais, pois podem ser encaradas como ponto de partida para lutas mais amplas contra a exploração capitalista.

Somente os trabalhadores podem levar a luta contra Bolsonaro e o bolsonarismo até o fim de forma consequente, garantindo não só investigação e punição por seus crimes, mas impondo uma derrota também política e expurgando todo o bolsonarismo.

Enquanto o governo Lula demonstra a cada dia que governa para a burguesia e os ricos, compactuando inclusive com os militares, os trabalhadores precisam construir um projeto de país que tenha independência em relação à burguesia e ao governo Lula, enfrente a ultradireita e defenda um programa socialista.

Finalmente, lutamos contra as ameaças autoritárias de Bolsonaro, mas também não queremos a democracia dos ricos com seus juízes, políticos profissionais e burgueses podres de ricos que vivem à custa do sofrimento dos trabalhadores. Por isso, precisamos derrotar o capitalismo, construir outro sistema que seja socialista e um regime político com democracia de verdade, que não seja nem a democracia dos ricos nem a ditadura dos ricos, mas sim uma verdadeira democracia dos trabalhadores.

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