João Pedro Andreassy Castro

João Pedro Andreassy Castro*

Foi-se o tempo em que futebol era sinônimo de amor à camisa e paixão pelos clubes. Nos últimos anos, o esporte se viu cada vez mais imerso no mundo das apostas esportivas. Nesse ano de 2023, campeonatos como a Copa do Brasil (Betano) e o Campeonato Carioca (Betnacional) estão sendo patrocinados por sites de apostas esportivas eletrônicas, mais uma expressão da profunda mercantilização na qual os esportes e, nesse caso, o futebol se encontra.

Para começarmos a destrinchar a problemática de como esse meio tão sujo afeta o futebol, é preciso ressaltar que esse não é um fenômeno novo e tampouco exclusivo do Brasil. Desde pelo menos meados de 2007, o lendário Real Madrid de Kaká, Cristiano Ronaldo, Di Maria, Ozil, entre outros, já contava com o patrocínio de um site de apostas esportivas (Bwin). Esse segmento de cassinos online são uma grande fonte de dinheiro desde a criação e desenvolvimento da Internet. O Bet365, por exemplo, está na Internet desde o final dos anos 90, e continua movimentando um volume cada vez maior de dinheiro até hoje.

As influências danosas das grandes empresas do ramo dos jogos considerados de azar nos esportes é antiga. Um dos casos mais emblemáticos do chamado matchfixing (manipulação de resultados) foi o do Black Sox, (o termo é uma referência ao nome do time de beisebol de Chicago/EUA, White Sox) e tem fator importantíssimo de esquemas com grandes casas de aposta. O escândalo aconteceu em 1919, quando 8 jogadores do time profissional White Sox, favorito à conquista da Word Series, o campeonato nacional estadunidense de beisebol, foram acusados de perderem propositalmente as finais em troca de propina fornecido por um dos grandes sócios do ramo de apostas. As motivações dos jogadores nesse caso não foram nenhum pouco singulares, um dos acusados, Eddie Cicotte, chegou a declarar: “Não sei por que o fiz. Precisava do dinheiro. Tenho mulher e filhos”.

De fato, a situação dos jogadores não era nada confortável. Além de pouco valorizados (o salário pago pelo Sox era muito mais baixo do que as outras equipes costumavam pagar) eram submetidos a situações humilhantes, como por exemplo, o proprietário do time recusar-se a pagar a lavagem dos equipamentos, obrigando a que, durante vários jogos, os White Sox jogassem com um uniforme branco cada vez mais escuro, manchado pelo suor e pela terra. Quando finalmente ele cedeu e ordenou que os equipamentos fossem lavados, deduziu o valor dos salários dos jogadores.

Voltando ao futebol, como mencionamos essas companhias atuam já há bastante tempo, porém, a partir de 2020, com a pandemia, o mundo das apostas online deu um salto qualitativo. De pouca visibilidade aos olhos do grande público, elas se tornaram principais patrocinadoras de campeonatos, times e até mesmo jogadores profissionais. Um exemplo muito nítido disso é o Jogador Marcelo, patrocinado pelo site SportingBet, enquanto o seu clube, o Fluminense, tem o patrocínio da Betano, e joga o campeonato Carioca patrocinado pela Betnacional.

Essa bizarrice toda está por trás de escândalos como o que estourou na série B do Campeonato do Brasileiro de 2022. O caso, que está sendo investigado pelo Ministério Público de Goiás, envolve 3 jogadores (do Vila Nova/GO, Tombense/MG e Sampaio Corrêa/MA) que teriam sido, alegadamente, subornados para cometerem penalidades máximas em jogadores adversários, durante suas partidas no campeonato. O pagamento seria de R$ 150 mil para cada um que fizesse o que foi pedido por um mandante ainda não identificado. Com a crescente influência dos sites de apostas esportivas, a tendência é que outros casos como esse venham à tona.

Como a integridade das competições não pode ser aferida com 100% de confiança em momento algum, as competições ficam à mercê desses sites e escândalos; como o da Série B do Campeonato Brasileiro, ou o que ocorreu na primeira divisão Italiana na temporada 04/05 (quando Juventus de Turim, Milan, Fiorentina e Lazio, entre outros times se envolveram num escândalo de manipulação de resultados conhecido como Calciopoli); podem ser cada vez mais comuns.

A inserção desse tipo de ramo, junto a baixa remuneração de boa parte dos jogadores, especialmente de divisões inferiores, são um lugar perfeito para a criação e desenvolvimento desse esporte cada vez mais “combinado”. Para se ter uma ideia, o salário médio de um jogador da terceira divisão da elite do futebol brasileiro (Série C) é de, em média, R$ 4.000. Muito abaixo dos salários na casa das centenas de milhares de reais que se tem no imaginário popular quando se trata de jogadores de futebol.

A desilusão com os baixos salários, junto de uma proposta de ganhar dinheiro fácil e de conquistar uma vida melhor para si e sua família, faz com que muitos jogadores se encontrem sem escolha real. Porém, quem realmente se beneficia são os grandes apostadores e as casas de apostas que lucram muito, muito mais com cada resultado manipulado. Pior ainda é quando se percebe que nenhuma casa de aposta online que está operando é sediada no Brasil. Isso ocorre porque a lei veda a operação de empresas desse gênero no país. Todas as “Bets”, até as que se dizem 100% nacionais, estão sediadas em paraísos fiscais e com pouca ou nenhuma relação direta com o Brasil e, portanto, de regulamentação. Esse fator torna ainda mais difícil qualquer tipo de operação contra essas empresas, tanto do ponto de vista jurídico, quanto do ponto de vista do apostador que eventualmente for lesado por esse tipo de site.

É preciso, também, destrinchar porque, do ponto de vista dos trabalhadores, essa questão das apostas não traz nenhum benefício.  Ocorre que as casas e sites de apostas, de forma geral, são lugares projetados única e exclusivamente para lucrar em cima de falsas esperanças ofertadas aos trabalhadores, levando a um ilusório resultado a curtíssimo prazo, que instiga a continuar, mas que a médio e longo prazo lhes tiram tudo o que conquistaram.

Por se tratar de um tipo de jogo que pode acarretar vício, as casas e sites de aposta se tornam ainda mais degenerantes para com a classe, aproveitando justamente de uma dependência para conseguir retirar lucros exorbitantes pagos aos acionistas. E embora no Brasil esse tipo de atividade seja considerada ilegal, a proibição é meramente ilusória, pois basta ter acesso a um desses sites e se pode cair nesse mundo de apostas.

Nesse sentido, é preciso que levantemos a bandeira pelo fim da farra das apostas esportivas no futebol e nos esportes de forma geral, ajudando assim a garantir um mínimo de integridade das competições. Também que as transferências e transações do mundo do futebol tenham 100% de transparência, para que todos saibamos de onde e como o dinheiro está sendo movimentado (evitando escândalos de lavagem de dinheiro e favorecimento de empresários, por exemplo). Exigir salários dignos aos atletas e garantir condições mais justas para a prática profissional do esporte.

Porém, é preciso ter em mente que o futebol, enquanto símbolo de amor, alegria e determinação, só poderá ser vivido em toda sua magnitude quando não sofrer mais pressões do sistema capitalista, portanto, num outro tipo de sociedade. O futebol da raça e da paixão não combina com o futebol dos lucros para dirigentes, empresários e casas de aposta. A partir do momento em que os tentáculos sujos do capitalismo coloca sua mão nesse esporte tão querido, ele deixa de cumprir sua missão. O que chamamos de verdadeiro futebol só é possível no socialismo!

*João Pedro, torcedor do Corinthians e militante da Juventude Rebeldia e do PSTU