O ano de 2021 está terminando e vivemos a antecipação do calendário eleitoral que virou prioridade absoluta para Bolsonaro, passando pela oposição de direita, como o PSDB de Dória e Eduardo Leite, por Sérgio Moro (recém-filiado ao Podemos) e chegando ao PT de Lula, acompanhado pelo PSOL.
Mas a inflação, a carestia e o desemprego estão longe de acabar. Pelo contrário, as perspectivas só pioram. O próprio governo admite que, no próximo ano, a inflação deve continuar subindo ou, na melhor das hipóteses, irá desacelerar com os preços nas alturas, incluindo, aí, o custo dos alimentos, da gasolina, do gás de cozinha e da energia elétrica.
A expectativa em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), por sua vez, vem sofrendo sucessivas revisões para baixo, devendo crescer 4,80% este ano, apenas recuperando a queda de 4,1% do ano passado, quando já partíamos de um patamar muito baixo e havia auxílio-emergencial de R$ 600 para 67 milhões de pessoas. Para o próximo ano, as análises mais otimistas preveem estagnação ou, mesmo, recessão.
Perspectivas sombrias
Sem o auxílio-emergencial, extinto pelo governo Bolsonaro e que deixa algo como 22 milhões à míngua, sem emprego e com uma precarização cada vez maior do mercado de trabalho, as cenas das filas por ossos e de famílias buscando alimento no lixo devem se repetir em 2022.
As perspectivas sombrias, porém, não se restringem ao próximo ano. Segundo levantamento do economista Bráulio Borges, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o país deve amargar desemprego alto pelo menos até 2026. Só aí voltaríamos a ter 10% de desemprego, quando hoje, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua registra 13,2%.
Ainda que esses números escondam boa parte do desemprego de fato (o Instituto Latino Americano de Estudos Socioeconômicos, Ilaese, por exemplo, calcula que a taxa de pessoas sem emprego, em 2020, era de 27,87%), eles indicam uma tendência: uma década inteira de desemprego em massa.
Bolsonaro se enfraquece, mas continua atacando e na disputa pela reeleição
Na esteira dessa crise, a rejeição ao governo Bolsonaro continua subindo, chegando a 64%, segundo levantamento da XP/Ipespe (instituto ligado ao mercado financeiro), no início de novembro. Mas segue com uma significativa base de apoio ligada a setores da ultradireita e a corporações como a Polícia Militar, totalizando pouco mais de 20%. Insuficiente, ainda, para ganhar as eleições, mas o bastante para se manter no jogo e na disputa de um lugar no segundo turno.
Para isso, Bolsonaro entregou o governo ao Centrão, dando a Arthur Lira (Progressistas-AL) a chave do cofre do Orçamento, incluindo os R$ 16,8 bilhões das emendas secretas para comprar apoio e votos de parlamentares.
E, agora, tenta aprovar, no Senado, a PEC dos Precatórios, medida que, junto à mudança do teto dos gastos, libera R$ 106 bilhões para turbinar ainda mais essas emendas, implementar o Auxílio Brasil, de R$ 400, até o final de 2022 e prorrogar a desoneração da folha de pagamentos para empresários de 17 setores, por mais 2 anos (ao custo de R$ 15 bilhões).
Calote e mais ataques
A grana viria do calote dos precatórios; ou seja, as dívidas de ações judiciais contra a União já julgadas. Ao contrário do que diz Bolsonaro, a medida vai afetar aposentados, pensionistas e servidores públicos, a maior parte dos credores dos chamados “precatórios alimentares”.
Isso porque o total das dívidas que teriam prioridade e quem incluem o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Fundef/Fundeb), os precatórios de menor valor (até 60 salários mínimos) e os precatórios alimentares de grupos prioritários (idosos com mais de 60 anos, com doenças graves ou deficiência, de até 180 salários mínimos), já ultrapassam R$ 47,2 bilhões. Mais do que o limite do pagamento de R$ 45 bilhões da PEC do Calote, em 2022.
Ao mesmo tempo, o governo tenta ressuscitar a Reforma Trabalhista, derrotada no Senado, através da MP 1045. Quer com isso retomar os principais pontos da “carteira verde e amarela”; ou seja, modalidades de contrato de trabalho sem direitos básicos da CLT, como 13º salário e férias, institucionalizando o trabalho precário. Desta vez, ao invés de uma Medida Provisória, a Reforma viria do próprio Congresso, através de um Projeto de Lei.
Resumindo: o governo Bolsonaro ataca o conjunto da classe trabalhadora, dá o calote em servidores, pensionistas e aposentados, ao mesmo tempo em que concede isenção bilionária aos empresários e turbina as emendas secretas. Prossegue no ataque aos servidores e serviços públicos, através da Reforma Administrativa, e em sua política de extermínio dos povos indígenas e de destruição ambiental.
Por outro lado, apresenta como vitrine eleitoral o Auxílio Brasil de R$ 400, com data para acabar em 2022, mas que, na verdade, vem ao custo do fim do auxílio-emergencial e do próprio Bolsa Família, além de 22 milhões de pessoas que dependiam do auxílio deixadas à míngua.
PEC do Calote
Precatório alimentares prioritários (idosos, deficientes, com limite de 180 salários mínimos) – R$ 12 bilhões
Demais precatórios alimentares – R$ 8 bilhões
Dívidas do Fundef/Fundeb – R$ 7,2 bilhões
Requisições de pequeno valor (RPVs) de até 60 salários mínimos e que devem ser pagas antes de qualquer precatório – R$ 20 bilhões
TOTAL: R$ 47,2 bilhões
LIMITE DA PEC DO CALOTE: R$ 45 bilhões
TOTAL DAS DÍVIDAS: R$ 89,1 bilhões
Crise na burguesia e indefinição eleitoral
Enquanto Bolsonaro aluga o governo ao Centrão e tenta um lugar no Partido Liberal (PL) do mensaleiro Valdemar da Costa Neto, com vistas à reeleição; o PT e Lula aprofundam sua política de conciliação de classes e frente ampla com a burguesia. Ao mesmo tempo em que flerta com uma chapa com Geraldo Alckmin, Lula faz uma tour pela Europa com o objetivo de se mostrar confiável ao imperialismo, capaz de unificar o país e garantir estabilidade, enquanto eles continuam com o saque e rapina.
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Parte majoritária da burguesia, porém, prossegue em sua busca da tão sonhada “terceira via”. Isso porque já abandonou a perspectiva de um novo mandato de Bolsonaro, fonte permanente de instabilidade. Por outro lado, embora o PT pareça mais confiável, e numa eventual disputa com Bolsonaro leve vantagem, o projeto da burguesia, hoje, é de um liberalismo ainda mais selvagem. Ou seja, seu plano é acelerar o processo de destruição e entrega do país, sendo parte dele, como sócia-menor do imperialismo.
Moro: “segunda via” do bolsonarismo
Nessa perspectiva, a última novidade foi o anúncio da candidatura de Sérgio Moro. Filiado ao Podemos, partido que tem 10 de seus 19 parlamentares envolvidos em casos de corrupção, Moro vai tentar encampar os votos dos que abandonaram o bolsonarismo e não querem a volta do PT. Mas, se o ex-juiz vinha sofrendo críticas em relação à falta de um programa e de um projeto político, para além de seu genérico (e hipócrita) discurso contra a corrupção, isso vem se delineando rapidamente.
Para guru da economia, Moro elegeu Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central (1983-85), durante a ditadura, e conhecido por defender o desmonte da CLT, a Reforma da Previdência, privatizações desenfreadas e que, mais recentemente, criticou o auxílio-emergencial dizendo que, em meio à maior crise econômica e social da história, ele foi concedido a quem não “precisava”. Moro, enfim, é mais uma “segunda via do bolsonarismo”, sem as bravatas autoritárias do ex-chefe.
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Outros candidatos a candidato na “terceira via”
Por outro lado, o PSDB se engalfinha numa luta fratricida (entre “irmãos”) para definir seu candidato à presidência. Os governadores tucanos de São Paulo (João Dória) e do Rio Grande do Sul (Eduardo Leite) disputam o posto em meio a uma série de acusações de compra de votos e fraudes. No momento em que fechávamos esta edição, as prévias do partido continuavam suspensas por conta de uma pane no aplicativo de votação. Mais um mico na já folclórica tradição de prévias conturbadas dos tucanos.
Soma-se ao time de candidatos a candidato da “terceira via” o atual presidente do Senado, recém-filiado ao Partido Social Democrático (PSD), Rodrigo Pacheco, representante do Centrão, e um apagado Ciro Gomes (PDT), que chegou a ameaçar a retirar sua candidatura devido aos votos de seu partido à PEC do Calote de Bolsonaro. Uma indefinição e uma confusão que expressam a crise no andar de cima.
Uma alternativa socialista e revolucionária para as lutas e as eleições
O “Fora Bolsonaro” é, hoje, a necessidade mais urgente e, para isso, é preciso ampliar as mobilizações e construir uma Greve Geral, como vem chamando a CSP-Conlutas.
As direções partidárias e do movimento, porém, se lançam num movimento inverso a isso. Com o PT à frente, seguram as mobilizações e buscam desgastar Bolsonaro eleitoralmente. E nem nisso são coerentes.
Os parlamentares do PT, por exemplo, votaram pela recondução ao cargo do Procurador Geral da República, Augusto Aras. O mesmo que, agora, mantém o relatório da CPI da Covid, realizada no Senado, engavetado. As direções das grandes centrais, por sua vez, desmontaram o ato nacional no dia 15 e praticamente não jogaram peso nas manifestações do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
Se Bolsonaro vem caindo nas pesquisas, definitivamente não é por culpa da oposição parlamentar. E, por isso, pode seguir com seu projeto autoritário adiante. É duplamente vergonhoso: desmobilizam e seguram as lutas, blindam o governo, enquanto constroem alternativas de conciliação e “unidade nacional” com a burguesia e figuras como Alckmin. E a direção do PSOL, lamentavelmente, caminha nessa mesma perspectiva.
Construir o Polo Socialista e Revolucionário
É preciso romper com esse imobilismo imposto pelas direções do movimento, retomar as lutas e manifestações de massa contra Bolsonaro para derrubá-lo agora. O “Fora Bolsonaro e Mourão” é urgente. E é para ontem: por emprego, salário, contra a carestia, pela volta do auxílio-emergencial de R$ 600 (enquanto durar a crise) e contra o genocídio negro, indígena e a destruição do meio ambiente.
Além da retomada das mobilizações, é preciso construir uma alternativa de independência de classe, socialista e revolucionária, que coloque, no horizonte, a luta pelo socialismo e o fim de toda a exploração e opressão, e não à barbárie cada vez maior do capitalismo. O Polo Socialista e Revolucionário é a ferramenta para que possamos fortalecer essa alternativa revolucionária, nas lutas e nas eleições.