Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU
Américo Gomes, do Instituto José Luís e Rosa Sundermann

Wilson Honório da Silva, da Secretaria de Formação do PSTU; e Américo Gomes, da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT- QI)

Desde o início da pandemia, estamos denunciando o apartheid de vacinas criado pelo imperialismo. A “quarta onda”, que assola a Europa, e a nova mutação do coronavírus, chamada Ômicron, provam que estávamos corretos em afirmar que os governos nacionais, de todos os países, e as grandes multinacionais estavam, e ainda estão, mais interessados em garantir seus lucros do que a vida da classe trabalhadora.

Foi por isso que os países do continente africano receberam uma quantidade muito inferior de vacinas do que necessitam, fazendo com que as percentagens de população vacinada sejam muito baixas.

Fronteiras fechadas

A nova cepa do vírus causador da Covid-19 foi identificada por cientistas sul-africanos, em 24 de novembro, e, apesar de que, dias depois, foi noticiado que, pelo menos desde o dia 19, já havia pessoas com o ômicron na Holanda, ela passou rapidamente a ser identificada como a “variante africana”. O que foi respondido de uma forma que nos enche de indignação.

A reação dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos vassalos do imperialismo, como o Brasil, ao invés de desenvolver um movimento de solidariedade para com os países do sul da África, ou uma mobilização para apoiá-los com vacinas e pessoal médico, foi fechar as fronteiras a esses países, suspendendo voos e conexões aéreas.

As evidências de que a medida tem muito mais a ver com a marginalização e discriminação históricas que cercam o continente africano podem ser exemplificadas por dois fatos: por um lado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que não há informações suficientes sobre a nova variante que justifiquem medidas extremas; por outro, há notícias generalizadas de que a 4ª onda na Europa está muito forte e, mesmo assim, estas conexões aéreas foram mantidas, inclusive no que se refere a Holanda.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu uma recomendação ao governo de suspensão imediata de voos procedentes de seis países: África do Sul, Botsuana, Eswatini (antiga Suazilândia), Lesoto, Namíbia e Zimbábue. E mesmo sabendo que a nova variante (detectada em Botsuana e na África do Sul) também tenha sido detectada em Hong Kong, Israel e Bélgica e muitos outros países da Europa, o governo Bolsonaro, agora quer barrar os viajantes de mais quatro países africanos: Angola, Malawi, Moçambique e Zâmbia.

Imperialismo e o genocídio dos mais pobres

Em novembro de 2020, a OMS afirmou que faria uma distribuição equitativa de vacinas pelo mundo inteiro, quando o Reino Unido e a União Europeia bloquearam os pedidos de um grupo de países liderados pela África do Sul e pela Índia para que as patentes fossem liberadas, de modo que pudessem aumentar sua produção e aumentar a disponibilidade de vacinas para os países pobres. Mas tudo não passou de uma nova mentira.

Cerca de 60% das vacinas produzidas em 2021 estão sendo monopolizadas por Estados que representam 16% da população mundial. Além disso, 76% das doses aplicadas foram concentradas nos dez países mais ricos do mundo. Das 6,4 bilhões doses de vacinas administradas globalmente, apenas 2,5% foram na África, embora o continente seja responsável por pouco mais de 17% da população mundial.

A solução para a escassez de vacinas proposta pelo imperialismo foi a iniciativa Covax, um programa criado pela OMS para distribuição da vacina, à qual 72 países aderiram. Mas, sua meta máxima, em 2021, era imunizar 20% da população mundial, um índice evidentemente insuficiente. Para os países em piores condições financeiras, limitava-se a redistribuir os excedentes. Isto é, somente as sobras dos países ricos. E mais: a verba do programa para a compra de vacinas é de US$ 2 bilhões, quando seriam necessários US$ 5 bilhões.

Nem mesmo o objetivo ínfimo da OMS (de que todos os países vacinassem pelo menos 10% de sua população) foi cumprido. Na prática, mais de 50 países não conseguiram cumprir essa meta, a maioria deles na África, onde apenas cerca de 7% dos habitantes do continente estão totalmente vacinados, em comparação com os 42% da população global. E vale lembrar que a meta inicial, que era entregar 620 milhões de doses para a África, agora, baixou para 470 milhões, o que só alcança 17% da população da África.

Desigualdade obscena e perigosa

Na África do Sul, país que tem o mais alto índice de vacinação no continente, onde oficialmente mais de 90 mil pessoas perderam suas vidas, apenas 24% receberam as duas doses. Nos demais países a situação é pior: 18% no Zimbábue; 11%, em Moçambique e Namíbia; e apenas 3% no Malawai. A metade dos 54 países vacinou menos de 2% de sua população.

Como as patentes das grandes multinacionais não foram quebradas, os países com mais dificuldades econômicas ficam para trás na vacinação, como é o caso de todo o continente africano, enquanto a grande indústria farmacêutica continua ganhando muito dinheiro e tendo muito lucro, colocando em risco o conjunto da humanidade.

COM A COVID

Crescem a miséria e a fome na África

A pandemia potencializou o sofrimento, o desemprego e a fome do povo no continente africano. O vírus, que tem origem no lucro capitalista e na relação que grandes multinacionais mantêm com a natureza, teve efeitos devastadores no planeta.

Na África, o aumento da pandemia foi gradativamente destruindo os frágeis sistemas de saúde desses países. Mesmo com subnotificações, a África teve um aumento de 30% nas infecções e implementou menos medidas de saúde pública do que qualquer outro continente.

O fechamento de fronteiras, como novamente está se realizando, tem sido prejudicial não apenas para o turismo, mas também para o setor informal na África. Um relatório da Oxfam previu que o impacto econômico da pandemia poderia atrasar o desenvolvimento de algumas regiões do continente em 30 anos.

Atualmente, a queda da renda familiar na África é 20% maior do que a verificada no resto do mundo. Algo que está jogando mais pessoas para abaixo da linha da pobreza: em 2019, em todo continente, 135 milhões viviam nessas condições; no final de 2020, esse número dobrou.

Na África como um todo, 19% da população está subnutrida (mais de 250 milhões de pessoas). Mulheres e meninas representam mais de 70% das pessoas que sofrem de fome crônica. A pandemia vem afetando suas condições alimentares, familiares e culturais, inclusive com o aumento de vítimas de agressões sexuais.

Nem mesmo os minguados programas de estímulo social criados por alguns governos imperialistas existem nos países africanos. Além disso, na maioria dos países africanos, a aprendizagem virtual simplesmente não existe e centenas de milhões de pessoas vivem em economias informais.

Sem vacina sequer na linha de frente de combate à pandemia

Essa situação, obviamente, tende a piorar com o surgimento da variante Ômicron, cuja existência, por si só, prenuncia mais sofrimento e mortes. Segundo estudos publicados até o momento, o Ômicron pode ser uma mutação mais infecciosa, algo que, lamentavelmente, pode estar se comprovando na realidade. Na África do Sul, em 16 de novembro, os relatórios oficiais registraram 273 casos. Uma semana depois, o número de pessoas contagiadas subiu para 1.275. E, no dia seguinte, dobrou: 2.465.

Isto em um contexto no qual mesmo entre os profissionais de saúde as taxas de vacinação são terrivelmente baixas. Apenas 27% dos profissionais de saúde na África foram totalmente vacinados, em contraste com os mais de 80% dos profissionais do setor vacinados em países de alta renda, segundo a OMS. Em apenas seis países africanos houve 90% de cobertura vacinal dentre os profissionais de saúde e nove outros vacinaram totalmente menos de 40% dos trabalhadores da linha de frente do combate clínico e sanitário.

SAÍDA

Quebrar patentes para estender a vacinação

Uma tarefa de primeira ordem, urgente, é organizar a luta para quebrar os direitos de propriedade intelectual, não só das vacinas, mas de todos os medicamentos e qualquer tecnologia médica necessária para conter a Covid-19.

As patentes permitem que as indústrias farmacêuticas e outras empresas explorem uma invenção, no caso as vacinas, por 20 anos, a partir de sua divulgação. Ou seja, é um instrumento jurídico para que as grandes empresas garantam o monopólio de produtos científicos e novas tecnologias.

São estas regras de “proteção intelectual” que funcionam como barreira para que as vacinas não sejam produzidas em países que não detém estas patentes, mas tem capacidade industrial adequada para fazê-la, inclusive estando ociosa neste momento como é o caso do Canadá, Brasil, México, Argentina, Índia, Egito e Coréia do Sul. Só o Instituto Serum, da Índia, é capaz de produzir 1,5 bilhão de doses por ano.

Prova de que, sem esta barreira, seria possível a produção e o abastecimento da vacina em massa, agilizando sua aplicação em todos os países.

Uma política classista e anti-imperialista

Precisamos que a classe trabalhadora e seus setores mais explorados e oprimidos (pelo racismo, o machismo, a LGBTIfobia, a xenofobia etc.) se coloquem à frente desta luta. Os processos de mobilização indicados nas revoltas que ocorrem no Senegal, Angola, Argélia, Sudão e outros países do continente mostram que há um potencial revolucionário.

Mas, para isso, é necessário construir organizações da classe trabalhadora internacional que, através da democracia interna, possam centralizar e liderar a luta de classes, que possa ser a expressão consciente deste processo e dos combates em curso, inclusive em defesa da vida diante da pandemia.

Para isso, é fundamental que os trabalhadores e trabalhadoras do continente africano, que estão na vanguarda destas lutas, construam organizações revolucionárias em seus países. Não há outra saída. Caso contrário, nossos irmãos e irmãs neste vasto e rico continente continuarão vivendo este massacre e este genocídio.