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Cyro Garcia, Presidente do PSTU-RJ

Estamos em plena Copa do Qatar. Existe uma grande expectativa dos brasileiros em relação à possibilidade do hexa campeonato, mas diferentemente dos primeiros campeonatos brasileiros, principalmente os que compõem o tri campeonato, a gente vê cada vez mais um distanciamento entre os jogadores que compõem a nossa seleção e a torcida brasileira.

Isso se deve em grande parte ao fato de que a maioria desses jogadores não atuam nos gramados brasileiros, alguns deles nós nem vimos jogar por aqui porque já foram quase que diretamente da base para o futebol europeu. Isso se deve à grande concentração de capital que existe hoje no futebol. Na Copa do Catar, 158 jogadores atuam na Inglaterra, 86 na Espanha, 81 na Alemanha,70 na Itália e 58 na França, isso só para citar os mercados mais fortes do futebol europeu.

Isto reproduz, no futebol, a lógica da colonização por parte do imperialismo. A nossa seleção é formada por 22 jogadores que atuam em clubes europeus e somente três jogadores em times brasileiros: um do Palmeiras e dois do Flamengo. É bastante compreensível a insatisfação da torcida do Flamengo com a não convocação de Gabigol, bem como com certeza de que, se jogasse num time europeu, Gustavo Scarpa, eleito o craque do Campeonato Brasileiro, teria lugar nessa seleção. Da mesma forma podemos citar o caso de Cano, artilheiro isolado de um campeonato difícil como é o Campeonato Brasileiro e desprezado pela Seleção Argentina. Com certeza, se jogasse na Europa estaria na Seleção Argentina.

Mas isso nem sempre foi assim. Nosso primeiro título, em 1958, lançou para o mundo dois dos jogadores mais geniais de todos os tempos: Garrincha e Pelé. Sendo que, naquela época, o Brasil se dividia entre os que diziam que Pelé era o melhor jogador e os que diziam que Garrincha era muito melhor que Pelé. Aliás, me incluo entre esses como bom botafoguense que sou.

Pois bem, na Copa de 1958 todos os 22 jogadores convocados eram de times brasileiros. Nós tivemos quatro jogadores do Flamengo, três do Vasco, três do São Paulo,  Botafogo e Santos contribuíram com três cada um, o Corinthians com dois e  com um jogador o Fluminense, a Portuguesa de Desportos, o Bangu e o Palmeiras. Interessante notar nessa relação que a Portuguesa de Desportos, hoje nas divisões inferiores do Campeonato Paulista e o Bangu,  também nas divisões inferiores do Campeonato Carioca, fornecia jogadores importantes para a Seleção Brasileira. Em 1962, a Copa que os analistas da época atribuem o papel fundamental de Garrincha, a partir do momento em que Pelé se contundiu, também todos os 22 jogadores jogavam no Brasil, sendo sete deles no Santos, cinco no Botafogo, três no Fluminense, três no Palmeiras, dois no São Paulo, um no Bangu e um na Portuguesa de Desportos. Ainda que Santos tenha tido sete convocados, o Botafogo era a maioria entre os titulares: Nílton Santos, Didi, Garrincha, Amarildo e Zagalo.

Seleção da Copa de 1958

Na Copa de 1970, ainda permanece essa tendência e todos os jogadores atuavam no Brasil. Tivemos cinco jogadores do Santos, três de cruzeiro e Botafogo, dois de Fluminense, Palmeiras e Corinthians, e um da Portuguesa de Desportos, Grêmio, Flamengo, São Paulo e Atlético Mineiro, o controverso Dadá Maravilha que foi convocado pelo ditador de plantão Emílio Garrastazu Medici, mas, que a bem da verdade, sabia fazer gols como ninguém, sendo um dos grandes artilheiros do nosso futebol.

Mas era incompreensível, por exemplo, Ademir da Guia, o maestro da Academia Palmeirense, ter ficado de fora daquela seleção, que para muitos, e eu me incluo dentre esses, foi considerada a melhor seleção de todos os tempos. Porém, este é um assunto que fica para as polêmicas apaixonadas do futebol. O próprio Pelé em uma ocasião disse que achava a seleção de 1958 mais forte que a de 70. Eu não vi a de 58 jogar, mas vi a de 70 e foi um encanto ver um ataque formado por 4 jogadores que eram o 10 de seus times. Jairzinho, Pelé, Tostão e Rivelino juntos em campo.

Só a título de comentário, ainda no momento em que os jogadores da seleção atuavam no país, tivemos em 82 uma grande seleção, formada por craques como Sócrates, Zico, Toninho Cerezo e que deixou de fora Reinaldo, um dos maiores atacantes brasileiros de todos os tempos, e isto muito se deveu ao seu comportamento político fora dos gramados. Era um crítico feroz da ditadura militar.  Aí tivemos de aturar Serginho Chulapa no meio de uma constelação de craques.

A concentração de capital no futebol europeu começou a ganhar corpo durante a década de 90, e no título do tetra obtido em 1994, nossa seleção já continha dez jogadores que atuavam na Europa, dentre eles nossas duas maiores estrelas, Romário e Bebeto, jogando na Espanha. O São Paulo forneceu quatro jogadores, o Palmeiras dois, e com um jogador cedido constavam Vasco, Fluminense, Cruzeiro, Corinthians e Flamengo. Além desses um jogador atuava no Japão.

Em 2002, no penta, o quadro se repetiu, nossas maiores estrelas, Ronaldo e Rivaldo, jogavam no futebol europeu, na Itália e Espanha, respectivamente.  Eram dez jogadores atuando na Europa. Além deles, o São Paulo e o Corinthians forneceram três jogadores, o Grêmio dois e com um jogador cedido constavam Palmeiras, Atletico Mineiro, Athletico  Paranaense, Flamengo e Cruzeiro.

Essa concentração de jogadores no futebol europeu ajuda a distanciar o torcedor brasileiro da seleção, transformando a Copa num mix de Champions League com uniformes de selecionados diferentes. Na seleção atual, as torcidas que tem mais identidade com o time são a do Santos, pela presença de Neymar, e a do Flamengo pelas presenças de Pedro, Everton Ribeiro, Paquetá e Vini Jr.

Além deste distanciamento, enfrentamos outros problemas conjunturais, como foi o sequestro da camisa da Seleção Brasileira por parte dos bolsonaristas. Contudo, a expectativa pelo hexa é legítima e vamos torcer para que isto se concretize.