Secretaria Nacional LGBT
Danielle Bornia, pré-candidata a prefeita de Niterói (RJ), Dayse Oliveira, pré-candidata a prefeita de São Gonçalo (RJ), Mariana Carreira (RJ) e Frida Pascio (Fernandópolis-SP)
O ensino e o debate sobre sexualidade nas escolas devem ser defendidos incansavelmente pela classe trabalhadora, pois são temas quase ausentes nas salas de aulas, públicas ou privadas, porém muito importantes para juventude e a classe operária, sobretudo para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs) trabalhadoras e pobres.
Particularmente para nós, mulheres lésbicas, bissexuais e trans, são discussões essenciais no combate à violência machista, racista ou provocada em função de nossa orientação sexual e identidade de gênero. E, por isso mesmo, devem estar na ordem do dia na defesa da visibilidade.
A escola deveria dar acesso ao conhecimento que a humanidade produziu e ajudar a compreender a realidade. Como também, deveria debater acerca da sexualidade e ensinar a respeitar as mulheres, negras e LGBTs. Porém, o sistema educacional é reprodutor das ideologias dominantes e espaço vivo de relações interpessoais que, também, refletem o que há de pior nela.
Gênero e sexualidade, por exemplo, são tratados como tabus sociais e este veto ao debate favorece ainda mais as ideologias burguesas, como o machismo, o racismo e a LGBTfobia. Por isso, existe muita reprodução da lesbo-bifobia e toda uma invisibilização da mulher lésbica e bissexual no ambiente escolar.
A escola nos moldes capitalista dificulta o combate à opressão
A escola é geralmente um ambiente opressor favorável às piadas entre os alunos, ao preconceito dos professores e funcionários, às agressões físicas, psicológicas e verbais. Os casos mais gritantes são os mesmos que estão para além dos muros das escolas. E a transfobia, em especial, é responsável pelo abandono de inúmeras e inúmeros estudantes.
Há uma pressão sobre as LGBTs para “ficarmos dentro do armário”, o que fortalece a lesbofobia. Uma das consequências disso são os casos de suicídio que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em matéria publicada em 09/09/2019, no jornal O Estado de S. Paulo, é a segunda principal causa de morte de jovens entre 15 e 29 anos.
De acordo com o portal da publicação norte-americana Contemporary Pediatrics (“Pediatria Contemporânea”, 10/01/2019), em escala mundial, a juventude LGBT tem três vezes mais probabilidades de fazer uma tentativa de suicídio do que outros adolescentes, e a taxa é mais alta entre os(as) adolescentes transgênero (seis vezes a mais do que heterossexuais).
A estrutura desde sempre opressiva do sistema escolar tem sido ainda mais reforçada nos últimos anos pela ação dos setores conservadores de ultradireita e fundamentalistas que infectam o país. Desde 2004, circula pelo Congresso, o chamado Projeto Escola Sem Partido, elaborado pelo reacionário advogado Miguel Nagig e reapresentado, no início de 2019, pela deputada Bia Kicis (PSL-RJ), com o objetivo de adotar medidas eficazes para prevenir uma suposta prática de “doutrinação política e ideológica” nas escolas, bem como a “usurpação dos direitos dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”.
O que, na prática, quer dizer uma tentativa de censurar e destruir o debate racial, de identidade de gênero, orientação sexual e sexualidade, em geral, nas escolas. E, embora não tendo sido aprovado até o momento, é importante dizer que o projeto, também conhecido como “Escola com Mordaça”, serviu como base para a total exclusão do tema LGBT no Plano Nacional de Educação (PNE), em 2014, refletindo-se, também, nos Planos Municipais de Educação (PMEs), a exemplo de Niterói (RJ) e várias outras cidades país afora.
Rebeldia contra as mordaças e as opressões
No entanto, toda essa opressão tem sido questionada pela juventude, particularmente a pobre e periférica. Em 2016, os estudantes, em resposta à precarização das escolas, mas, também, na luta em defesa pelos seus direitos democráticos e de uma educação de qualidade ocuparam milhares de unidades de ensino, dando lições de combatividade, com métodos de auto-organização, garantindo o funcionamento das instituições, organizando aulas livres e convidando a comunidade à participação.
E, na maioria delas, também pautaram, com centralidade, o tema do combate às opressões e levantaram uma onda de rebeldia contra a ofensiva da burguesia e a tentativa de derrotar seus sonhos. Quando tomavam as ruas, como diziam, “não deram arrego” aos governos até que muitos deles tivessem que recuar. Mas, no interior das ocupações, mulheres, negros e negras e LGBTs também “não deram arrego” ao preconceito e à marginalização, promovendo debates, saraus, slams de hip hop e atividades diversas para levantar o debate e dar voz aos que são geralmente silenciados e invisibilizados.
E por mais que neguem os conservadores, foi esta onda rebelde (bem como os constantes protestos feitos por professores e outros setores da comunidade escolar) que começou a barrar os avanços do fundamentalismo. Não é um acaso, por exemplo, que, já em 2017, o governo de Alagoas tenha sido obrigado a suspender uma lei estadual hipocritamente batizada de “Escola Livre”, mas cujo texto é uma cópia, quase palavra a palavra, da “Escola sem Partido”, de Nagib.
Da mesma forma que, diante das reações, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi obrigado a se posicionar sobre a lei alagoana e acabou definindo, em 20 de agosto passado, por nove votos contra um, que ela é inconstitucional. O que um é precedente contra leis do tipo que vierem a ser questionadas no Supremo.
Pra além das formalidades e “leis pra ninguém ver….”
Sabemos, contudo, que, nas “democracias dos ricos”, leis valem muitíssimo pouco, não garantem praticamente nada e são desrespeitadas sem nenhuma cerimônia. Algo particularmente verdadeiro na Educação.
A inclusão da educação sexual (permitindo incluir o debate sobre as diversas orientações e identidades) nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), por exemplo, foi uma conquista que começa a ser formatada no governo FHC e se torna “bandeiras” dos governos petistas. Contudo, só foi posto parcialmente em pratica nas escolas em que os profissionais da Educação se esforçaram para garantir. Já que nenhum governo investiu na formação dos(as) professores(as) nos temas de sexualidade, raça, diversidade sexual, meio-ambiente, e tais temas foram incluídos de forma “transversal” e apenas “recomendados” nos currículos e materiais das disciplinas.
E mesmo onde o tema entrou nas salas de aula, era muito raro que o sexo lésbico fosse discutido, já que as propostas curriculares sequer mencionavam a afetividade e a saúde das mulheres lésbicas. E, além disso, não dá para esquecer que foram os próprios governos petistas que, gradualmente, minaram as bases do projeto que ele pretensamente defendiam, ao se comprometerem, principalmente na gestão Dilma, com o fundamentalismo através da chamada “Carta ao Povo de Deus” e engavetarem medidas básicas, como o ultra limitado kit-anti-homofobia e a PLC 122, que criminalizaria a LGBTfobia. Ambos transformados em moedas de troca na compra de votos da Bancada da Bíblia.
O que era ruim ficou pior
Bolsonaro quer destruir todos os serviços públicos que são fundamentais para a classe trabalhadora e, no ritmo do passa-boiada, se aproveita da catástrofe nacional, para retirar e atacar direitos sociais, culturais e políticos. Seu objetivo é avançar com a privatização para sobrar mais dinheiro para dar aos banqueiros, latifundiários e outros grandes empresários capitalistas.
Na educação isso se traduz num aprofundamento do sucateamento da escola pública e uma campanha de desmoralização dos profissionais da educação, com um conjunto de ataques a autonomia dos trabalhadores sobre as unidades de ensino e o que é feito na sala de aula. Inclusive no que se refere ao combate às opressões.
O presidente genocida há muito voltou suas armas contra o que ele chama de “ideologia de gênero”, quando, na realidade, desde sempre, como já mencionamos, o que existe nas escolas e universidades é a propagação de ideologias opressivas. O objetivo do governo é apenas reforçar ainda mais isto, cerceando o ensino da educação sexual e, consequentemente, fortalecendo os setores e práticas LGBTfóbicos, também no ambiente escolar.
Esses setores conservadores e fundamentalistas aliados de Bolsonaro propagam a ideia de que sexo e sexualidade não devem ser discutidos em lugar nenhum, muito menos na escola. De acordo com essa visão, qualquer iniciativa para fazer esses debates é considerada “pornografia” ou tentativas de “corromper a inocência das crianças”.
Isto é um absurdo. A questão é exatamente o oposto. Trata-se de buscar criar um ambiente mais acolhedor para as crianças e adolescentes, combater a propagação da violência e promover a saúde sexual – com materiais elaborados por profissionais e condizentes com a etapa de desenvolvimento de cada faixa etária.
Seja como for, em função destes objetivos, tanto sob o governo Bolsonaro como nos governos anteriores, de menosprezo, pura formalidade ou cumplicidade com temas que afetam as vidas das mulheres lésbicas e bissexuais, se transformou em ódio explícito.
Esse projeto na Educação ganhou forma num conjunto de ataques contidos na reforma de ensino e na instituição de uma Base Nacional Comum Curricular, em substituição aos PCNs (para saber mais sobre o tema, leia o artigo “É preciso lutar contra a reforma do Ensino Médio e o BNCC!”).
Expressão do despreparo proposital deste governo em tudo que se refere à ciência e à educação, a proposta do BNCC, em meio a um palavreado sem fim, pode até mencionar o combate às DSTs e a discussão sobre a sexualidade, mas não tolera citar sexo entre duas mulheres jamais. E não é só isso. Como é parte de um ataque mais global à educação pública e aos direitos em geral, o(a) profissional de educação que tente discutir sexualidade, respeito a homoafetividade ou identidades de gênero fica sujeito à perseguição ou sofre assédio moral.
Resumo? É cada vez mais raro que esses assuntos sejam levados para as salas de aula e discutidos em projetos pedagógicos. E como consequência direta e indireta disso a LGBTfobia tem aumentado na escola e na sociedade. O alto grau de evasão por conta da LGBTfobia é reflexo disso.
O ensino remoto e suas consequências para as LGBTs
Em meio a uma pandemia que já matou mais de 120 mil pessoas, os governos se recusam a garantir uma quarentena para toda a classe trabalhadora. E, na Educação, agora, oferece duas opções: nos mandar para o matadouro, com a reabertura das escolas, ou atuar com o chamado “ensino remoto” (um mascaramento da já lamentável Educação à Distância);
Particularmente no que se refere ao ensino remoto, é preciso destacar que ele não só tem levado à precarização da Educação, mas, também, dificulta o combate às opressões na escola visto sua estratégia focada na transmissão de conteúdos (“o que vai cair na prova….”), excludente e antidemocrática. É uma política que cumpre um papel chave para a aceleração da privatização, pois destrói o princípio da universalização da educação pública, isto é, exclui a classe trabalhadora e seus setores oprimidos da escola.
Esse modelo de “educação para quem pode e não para quem quer” também auxilia no controle ideológico. Dificulta que o combate ao racismo, machismo e lgbtfobia aconteça, pois individualiza o debate, facilitando ataques às(os) estudantes e, também, a professoras(as), que ficam isolados, sem testemunha coletiva e a mercê da “escola com mordaça”. Ao mesmo tempo, muitas apostilas e modelos vindos das instituições privadas estão sendo entregues aos alunos, sem a participação dos professores(as), sem debates sobre opressões ou enfoques comprovados pela ciência.
Por isso mesmo, cabe ressaltar que em um momento de pandemia, a falta desse espaço onde muitos adolescentes conseguem exercer sua orientação e sua identidade de gênero vem causando inúmeros transtornos. O que reforça, ainda mais, a importância de que promovamos a educação sexual não apenas no interior das salas de aula, mas no conjunto da comunidade escolar, incluindo os responsáveis. Ou seja, esta também é uma luta da juventude pobre periférica, das mulheres, negros e negras e LGBTs, em unidade com os trabalhadores da educação e o conjunto da classe trabalhadora conjuntamente.
A educação sexual nas escolas frente ao governo Bolsonaro e a ultradireita
Diante de um quadro como este, quando discutimos a Visibilidade Lésbica e Bissexual do ponto de vista da Educação, uma primeira e urgente medida e bandeira de luta é a defesa de que não só existam projetos de educação sexual em todos os níveis de ensino, mas, também, que eles sejam, de fato, implementados.
Muitos educadores não têm nenhum preparo para solucionar de maneira educativa tais conflitos. Nesse sentido, é importante que se garanta a formação dos profissionais da educação para lidar com esses temas e combater as opressões dentro da escola ao invés de reproduzi-las.
Diante do desprezo das instituições do sistema diante da opressão ou, pior, como temos visto, do uso destas mesmas instituições para propagar a marginalização e o preconceito, não há como assegurar a proteção à aluna que sofre lesbofobia ou bifobia.
Por isso, essa é uma luta que deve ser abraçada por todos os setores envolvidos no processo ensino-aprendizagem e, a partir deles, ser levada para as comunidades, principalmente nas periferias. Pois, por exemplo, quando o movimento estudantil debate o tema da LGBTfobia e a as pautas das mulheres lésbicas e bissexuais essas se fortalecem nas lutas da juventude.
Escola também é lugar de organização e luta
Mesmo com toda essa política reacionária, cada vez mais jovens utilizam o ambiente escolar como espaço para a “saída do armário”, pois contam com o apoio de seus pares, de muitos educadores que já fazem o combate à lgbtfobia ou das entidades dos movimentos estudantis. Por isso, mesmo com todas as dificuldades e rigidez institucional, a escola também pode ser um lugar de organização e de lutas.
Por isso, só podemos saudar que estudantes venham, cada vez mais, se organizando e debatendo o combate às ideologias burguesas, afirmando suas identidades de gênero e orientações sexuais e levando o debate para dentro da sala de aula. E é preciso que professoras e professores acompanhem este processo, não se colocando como obstáculos e agentes opressores (como, sabemos, não é raro) e, sim, ponto de apoio para o combate à discriminação.
Como temos insistido no conjunto de artigos, todas as medidas que possamos tomar para estimular a visibilidade e todas conquistas arrancadas ou mantidas são importantes. Contudo, nada disso pode ser distanciado de uma perspectiva global, que nos leve à tomada do controle do Estado, responsável pelos rumos da educação, seu conteúdo, as condições de trabalho, os currículos etc.
Por isso, para termos educação pública gratuita e de qualidade e educação sexual, com debate de gênero e orientações, também é necessário lutar por estas coisas dentro de uma perspectiva socialista. É necessário, também, “educar para a Revolução”, pois só através de um governo socialista, baseado em conselhos populares que dirijam o sistema escolar, refletindo a diversidade da classe trabalhadora e da juventude, é possível desenvolver escolas libertárias e igualitárias, onde não haja opressão ou exploração.
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