LIT-QI
Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional
Suplemento do Correio Internacional (Publicação da LIT-QI) de 2012
O artigo abaixo foi publicado em 2012, após uma greve na segurança pública da Argentina que provocou um debate na esquerda sobre qual deve ser a posição diante de uma mobilização deste tipo. Diante da recente polêmica sobre a greve de policiais no Ceará, é interessante relê-lo
No início de outubro, desenvolveu-se um conflito salarial entre a suboficialidade, a base da Gendarmeria (polícia militarizada de fronteira) e a Prefeitura (polícia naval de portos e rios) com o governo argentino de Cristina Kirchner e com a cúpula dessas forças.
A origem do conflito foi que, como parte de um plano econômico contra a classe trabalhadora e o povo argentino, que ataca os salários dos trabalhadores estatais em particular, o governo de Cristina K. decretou a eliminação de vários pagamentos adicionais que não fazem parte do salário base, e membros de ambas as forças receberam seis salários com descontos entre 30% e 60%.
Isso gerou uma greve real por parte da suboficialidade de ambas as instituições militares, com assembleias e mobilizações em frente aos edifícios centrais das forças militares. Depois, incorporou-se à pauta um salário base de 7.000 pesos (aproximadamente US$ 1.500). Nesse ponto, somaram-se à mobilização 200 suboficiais da Armada (marinha), suboficiais da Força Aérea e esposas de suboficiais do Exército.
Frente a esse conflito, o governo argentino teve uma política cuidadosa. Por um lado, não se atreveu a reprimir de forma direta e abriu negociações com uma inédita “comissão de representantes” (é importante frisar que as forças de segurança na Argentina são proibidas de se sindicalizar e de realizar mobilizações salariais ou trabalhistas), concedendo rapidamente a anulação dos descontos. Por outro lado, sancionou oito lideranças do conflito e se negou a discutir uma modificação do salário base.
Ao mesmo tempo, no Congresso Nacional, todas as forças oficialistas e da oposição burguesa votaram uma declaração na qual chamaram as “forças de segurança e outras a adequarem suas ações a pautas de funcionamento democrático e subordinação às autoridades legitimamente constituídas em acordo com a Constituição Nacional”. Em outras palavras, a declaração passou a ideia de que o movimento tinha conotações golpistas. Todas as expressões políticas da burguesia argentina coincidiram em exigir dos gendarmes e dos policiais navais em greve que “se tranquilizassem” e que “fossem para casa”.
Tanta preocupação e unidade da burguesia argentina não é fruto do acaso. Na Argentina, existe hoje uma proibição legal de que as forças armadas participem de repressão interna. Essa situação, somada à profunda crise da polícia federal e das polícias provinciais, fez com que a Gendarmeria e a Prefeitura Naval (especialmente a primeira) se transformassem nas principais forças de repressão a conflitos sociais, greves, manifestações e atos de rua. Agora existe, portanto, uma crise no seio dessas próprias forças repressivas. Para as classes dominantes argentinas, deu-se uma situação inquietante, do tipo: “quem poderá nos defender?”
É óbvio que o conflito é uma expressão da crise econômica, social e política que começa a afetar de modo crescente a Argentina. No entanto, não é a análise sobre as raízes desse processo que vamos abordar nesse material.
Nossa intenção é desenvolver o debate com a maioria da esquerda argentina e latino-americana sobre qual deve ser a posição das organizações socialistas revolucionárias frente a conflitos desse tipo e, de forma mais geral, qual é a política revolucionária para as forças armadas e de segurança. Essa polêmica não é nova, já se expressou com a rebelião da polícia no Equador, em 2010, e com a greve dos bombeiros no Rio de Janeiro em 2011.
Nossa Posição
A posição do PSTU (seção argentina) foi apoiar a luta dos gendarmes e policiais navais contra o governo. É a mesma posição que nossas seções no Equador e no Brasil tiveram quando o MAS e o PSTU-B apoiaram a luta dos policiais amotinados contra o plano de ajuste de Correa e os bombeiros que exigiam melhores salários contra o governador Cabral no Rio.
Em todos os casos, apresentou-se uma situação concreta que exigiu posicionamento e política concretos. Tratava-se de conflitos nos quais a base e a baixa oficialidade das forças repressivas se enfrentavam diretamente contra a alta hierarquia militar ou policiais. Falamos de enfrentamento não somente político, mas também físico. No caso do Equador e do Brasil, os governos mandaram forças especiais para reprimir a base insubordinada, provocando enfrentamentos; muitos soldados e oficiais foram presos ou punidos.
O debate com a esquerda argentina e latino-americana é o seguinte: de que lado se colocam os partidos que se dizem revolucionários num conflito com essas características? Só existem duas alternativas concretas na realidade: ou estamos com a base de soldados e policiais e com a baixa oficialidade contra as altas cúpulas militares e os distintos governos capitalistas ou estamos com esses governos (Correa, Cabral-Dilma, Cristina K.) e com a cúpulas contra as reivindicações dos setores insubordinados, a favor de que sejam reprimidos.
A posição da LIT-QI é a primeira. Temos essa posição porque seguimos a política tradicional de Lenin que, com a perspectiva do triunfo da insurreição operária e socialista, defendia “levar a luta de classes” ao seio das forças armadas capitalistas. Isso significa aproveitar as profundas contradições sociais que existem dentro dessas instituições e ter uma política para enfrentar a base e a suboficialidade com a cúpula de altos oficiais das forças armadas e o estado burguês, mediando um programa de reivindicações concretas para dividir as forças repressivas, ganhando um setor para a revolução com o objetivo de enfrentar o outro. Toda essa política está a serviço não de “reformar”, mas de destruir esses “destacamentos armados” do Estado burguês.
A política leninista-trotskista foi aplicada com êxito entre fevereiro e outubro de 1917, quando milhões de soldados mobilizados pelos governos capitalistas russos na Primeira Guerra Mundial se rebelaram rompendo a cadeia de comando, organizaram-se e participaram dos sovietes. Lenin e Trotsky coincidiram que essa política foi determinante para o triunfa da revolução de outubro de 1917. A política que a LIT-QI vem aplicando e recentemente o PSTU-A também, de apoio a esses conflitos no interior das forças armadas, está orientada por essa tradição leninista.
Uma posição pacifista disfarçada de linguagem “radical”
Na Argentina, o Novo MAS e o Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) têm se posicionado contra a luta dos gendarmes e dos policiais navais. O PT, por meio de sua corrente internacional, a Fração Trotskista, já havia se posicionado contra a luta dos bombeiros ano passado no Rio de Janeiro.
É evidente que essas organizações, que se dizem trotskistas, tentam revestir essa posição com uma série de frases “revolucionárias” eloquentes. Porém a realidade é a realidade, e é muito difícil escondê-la. A própria declaração do PTS, por exemplo, começa reconhecendo que o “motim protagonizado pela suboficialidade da Prefeitura e a Gendarmeria (somada a um setor da Marinha) abriu uma crise nacional. O conflito detonado por um corte salarial se transformou em político. O rechaço aos oficiais, a extensão do conflito e a sua propagação ao resto das forças armadas ilustram o caráter grave da situação (…). O governo está numa encruzilhada. Se retroceder em todos os pontos, pode tornar-se refém dos insubordinados e seu exemplo pode ser tomado por outros setores das forças armadas, inclusive por policiais provinciais que simpatizam com os rebeldes. Pelo contrário, se não ceder, o cenário pode polarizar-se, perdendo de maneira mais evidente o controle de setores chave para o aparato de Estado e pondo em risco sua própria governabilidade”.[1]
Isso é impressionante. Frente a um “motim” que “se transformou em político”, no qual os oficiais eram vaiados e que se estendeu a outros setores, configurando uma situação “grave” que “abriu uma crise nacional” e colocou o governo “numa encruzilhada”, que poderia por um detalhe perder “o controle dos setores chaves do aparato de Estado” e “colocar em risco a governabilidade”… o PTS está contra a luta que gerou essa crise! Porque supostamente tudo isso “fortalece o Estado burguês! Fora da discussão sobre o que seria essa estranha forma de “fortalecer” o Estado burguês por meio de uma luta que, como eles mesmo reconhecem, abriu uma crise política nacional que questionou o controle do governo sobre as forças armadas, queremos retomar a discussão concreta: se o PTS está contra a luta da base e dos suboficiais da Gendarmeria e da Polícia Naval, coloca-se de forma objetiva ao lado da hierarquia militar e ao lado do governo de Cristina K. e sua política econômica de ajustes.
Não é só isso. Essa posição não tem nada a ver com uma política revolucionária, mas sim com um pacifismo reacionário que abandona a luta para aproveitar e exacerbar as contradições de classe dentro das forças armadas, para dividi-las e destruí-las. O PTS (o Novo MAS tem argumentos semelhantes) diz que a política leninista não se aplica nesse caso, pois só poderia ser aplicada com duas condições:
- “… se estivéssemos falando de um exército de convocados, recrutados em massa, de classes exploradas, como comumente acontece nas guerras, em que é preciso levantar um programa que tome as reivindicações econômicas e políticas da tropa.”
Portanto, não seria válida para exércitos profissionais (assalariados) nem para as forças de segurança pública. Eles são parte de instituições do Estado burguês com disciplina militar, cuja função é reprimir os trabalhadores, são “guardas pretorianas”. Nesse sentido, não estão sujeitos a contradições de classe ou essas contradições são distantes dos interesses dos trabalhadores. Seus membros de base e suboficiais não são trabalhadores e, ainda que sejam assalariados e tenham origem em classes exploradas, esse caráter de membros de um aparato repressivo se sobrepõe ao fato de serem assalariados. Por esse motivo, qualquer conflito em seu seio, por aumentos salariais ou melhores condições de trabalho, seria reacionário, porque, em última instância, visaria melhorar as condições dos repressores. Quanto mais cobram, melhor vão reprimir. Por isso, é preciso posicionar-se contra eles. Coerente com isso, opõe-se à proposta de sindicalização desses setores, que eles consideram duplamente reacionária. Por um lado, porque serviria para melhorar as condições de trabalho dos repressores. Por outro, plantaria ilusões sobre a possibilidade de “reformar” o Estado burguês e suas instituições repressivas, algo impossível. Apresentam o exemplo da França, onde existem sindicatos policiais, mas isso não evita que a polícia reprima.
De fato, existe uma tendência a que as forças armadas contem com menos convocados e que sejam formadas cada vez mais por setores “assalariados” e “profissionais”. Por exemplo, na própria Argentina, que já não tem mais um serviço militar obrigatório, as tropas, da base até a cúpula, recebem um pagamento. Mas esse nunca foi um critério para definir a política revolucionária para destruir as forças armadas burguesas. A política de Lenin sempre foi aproveitar as desigualdades e contradições de classe dentro desses aparatos para dividi-los, colocando os soldados contra os suboficiais e até mesmo estes últimos contra o alto comando (coronéis, generais). Nós, revolucionários, devemos ser contrários ou nos abstermos de definir política apenas porque os suboficiais são “profissionais” e não “recrutas convocados”? Por exemplo, na Argentina, as polícias provinciais sempre foram pagas, em todos os níveis. Isso significa que, se estoura uma rebelião dos agentes (soldados) contra os suboficiais ou destes contra os oficiais de alta patente, não devemos fazer nada para aprofundar essa crise porque “não são recrutas convocados”? Esse nunca foi o critério de Lenin, nem de Trotsky, nem de nenhum marxista; eles sempre pensaram em como incutir a crise e os enfrentamento ao longo da cadeia de comando a partir das contradições de classe.
- “Somente numa situação de forte crise do poder estatal e de aumento generalizado da luta de classes que se pode gerar o fato de que parte da base social de uma força repressiva rompa a cadeia de comando e dê a volta o fuzil, colocando-se ao lado dos trabalhadores, não por mecanismos da legalidade da democracia dos ricos ou por convencimento pacífico, mas sim por uma força material: a partir do processo em que a classe trabalhadora em luta conquista seus organismos de autodefesa, seu próprio poder armado, as milícias operárias”.
Assim, seria válido somente em situações revolucionárias com duplo poder e milícias operárias armadas. Então, para o PST, à exceção dessas situações nas quais seria possível conseguir uma divisão dessas instituições, é necessário posicionar-se contra essas lutas. Essa é uma política pacifista reacionária, típica do reformismo que opina que, como não está colocada para hoje a tomada do poder, não interessa nenhum tipo de trabalho político para destruir as forças armadas, principal pilar do Estado burguês. Dizer isso equivale a dizer que, enquanto não chega a hora da revolução socialista, não devemos definir política paras a greves e enfrentamento concretos entre operários e patrões e, inclusive, aproveitar as crises interburguesas.
Guardas Pretorianas?
Para fazer esse debate, partimos de um acordo com o PTS e o Novo MAS. Os exércitos, em especial os profissionais e as forças de segurança pública, são “destacamentos armados” do Estado burguês com a função de reprimir os trabalhadores e defender a propriedade privada capitalista. Isso significa que, assim como instituições não podem ser reformadas, a estratégia deve ser destruí-las com o poder da luta da classe operária e sua expressão no terreno militar. Não temos nenhuma ilusão reformista no sentido contrário, não é essa a discussão.
A discussão é sobre qual deve ser a política para destruir as forças armadas burguesas, questão que abarca fatos como as greves salariais e a sindicalização policial crescente. O PTS e o Novo MAS defendem que não são trabalhadores, definição com a qual também concordamos. O problema é que, de maneira concreta, eles negam que no seio desses setores existem contradições de classe, a partir do caráter assalariado e da origem social pobre da base dos soldados e da baixa oficialidade, que em muitos casos são provenientes da classe operária ou do campesinato pobre.
O PTS diz que “se trata de uma guarda pretoriana que não se pode ganhar para o campo da luta operária somente com agitação e propaganda, muito menos com o apoio de suas demandas corporativas”. [2] O Novo MAS admite que existe uma origem social humilde em setores dessas forças, mas que, “quando entram em serviço, essa origem social é apagada”. [3]
Se o que esses setores ditos “revolucionários” afirmam é correto, então não existem contradições dentro das forças repressivas que possamos aproveitar agora e só nos restaria cruzar os braços até chegar o momento da revolução operária e socialista triunfante. O que esses partidos estão dizendo aos trabalhadores e à base das forças armadas, no momento em que estão insubordinadas e quebrando a cadeia de comando burguesa (e não por acaso são coisas que são proibidas), questionando toda essa estrutura vertical que serve para a defesas da propriedade privada e controle dos governos burgueses, é mais ou menos o seguinte: “Soldados e suboficiais: vocês são e sempre serão repressores do povo e cães de guarda dos ricos, essa é sua função eterna; assim, não questionem esse papel nem sua própria cadeia de comando, não lutem contra seus oficiais, não lutem contra o governo!”
A questão é que, ao negar que as forças armadas podem dividir-se a partir das contradições sociais em seu seio e ao se oporem à sindicalização e ao direito de greve das tropas, estão colocando-se a favor da manutenção da estrutura das forças armadas como tal. Isso é assim porque toda greve ou conflito dentro das forças armadas implica em uma ruptura da cadeia de comando, porque se entende que, se a base realiza greves, o fará contra seus superiores ou até mesmo contra o mesmo governo burguês. Dito isso, quem tem a política que fortalece as forças repressivas, quem tenta aprofundar os enfrentamentos entre a base e a cúpula das forças armadas e quem se opõe ao fato de que, de dentro, seja questionada a cadeia de comando?
A análises do PTS e do Novo MAS não têm sustentação na realidade, ainda que tentem revestir com uma fraseologia “esquerdista”. É sabido por qualquer um que, na Argentina e em muitos países, os membros dos exércitos profissionais e das forças de segurança pública não são trabalhadores, mas sua origem de classe e seu caráter assalariado, suas condições de trabalho e as regiões onde moram, criam diversas conexões com a classe operária, e isso abre a possibilidade de influência de uma política operária e revolucionária É assim porque o capitalismo não tem condições de pagar com altos salários o conjunto de suas forças repressivas. Parecem ser iguais um gendarme argentino ou um policial militar brasileiro, que recebem um salário miserável e vivem num bairro pobre, e um coronel ou general que ganha dez vezes mais e vive em bairros ricos? Não existe nenhuma contradição de classe que os revolucionários possam explorar a favor da destruição desse aparato contrarrevolucionário para preparar as contradições da revolução socialista?
Somente com a revolução?
O segundo argumento (é uma política que só pode ser aplicada em situações revolucionárias) do PTS e do Novo MAS, além de capitular ao governo de Cristina K. e aos altos comandos militares, é espontaneísta e pacifista.
Essas organizações caem no espontaneísmo ao abandonar uma política permanente e prévia de agitação e propaganda sobre a base e o baixo-oficialato das forças armadas, deixando isso para quando a situação fique crítica e se torne revolucionária. Se continuarmos nessa linha, nossa tarefa será ficar sentados olhando esse tipo de crise e enfrentamento – muitas vezes físicos – entre os soldados e governos burgueses. Não tem nenhuma relação com o que orientava, por exemplo, a III Internacional, que, entre as 21 condições para aceitar partidos em sua organização, estabelecia: “O dever de propagar as ideias comunistas implica na necessidade absoluta de realizar uma propaganda e agitação sobre as tropas.” A política de não fazer agitação e propaganda sobre a base das tropas das forças armadas, somente quando chegue o momento, é espontaneísta e vai acarretar em derrotas aos proletários numa perspectiva estratégica.
A política dessas organizações é pacifista, pois se nega a lutar politicamente no interior das forças armadas. Sabemos que, sem divisão dessas forças burguesas, não existe possibilidade de triunfo da revolução socialista nem de destruição dessas próprias forças armadas. Entre os que concordam com essa premissa, existem dois setores: a) os leninistas-trotskistas, que defendem que para isso é necessário um trabalho político sistemático sobre a base das forças armadas para aprofundar sua crise; b) os setores guerrilheiros foquistas, que defendem a necessidade de montar um exército popular que se fortaleça de forma gradual até um enfrentamento final e decisivo entre exércitos com a burguesia. Os guerrilheiros têm uma tática equivocada, mas possuem o objetivo de destruir as forças armadas do Estado burguês.
Se o PTS e o Novo MAS não defendem nem um nem outro, fica explícita sua posição pacifista e, portanto, negam a própria estratégia de insurreição. Na prática, estão defendendo que seja mantida a estrutura de comando das forças repressivas, posição típica do pacifismo reacionário.
Insistimos, essas organizações tratam de justificar sua política falando de uma situação futura, da situação revolucionária de um possível novo Outubro que ainda não existe na realidade. O que ocorreu, e é provável que continue ocorrendo, sem a existência de uma situação revolucionária, explicada pela crise capitalista e pela impossibilidade de garantir melhores salários e condições de trabalho à base das forças repressivas, são greves como a dos bombeiros no Rio ou a da Gendarmeria e da Polícia Naval na Argentina, motins como o do Equador, formação de sindicatos policiais, mobilizações. Nesses processos, sempre que a cadeia de comando se rompe (eixo central do funcionamento dessas instituições), insultam-se e se agridem oficiais superiores, ocupam-se quartéis (como foi o caso dos bombeiros no Rio) e acontecem fortes repressões e punições aos insubordinados por parte do alto comando.
Frente a essa realidade, e não frente a uma situação que ainda não existe, as perguntas a responder são simples: é melhor que esses setores se mobilizem e lutem contra o Estado e contra os governos capitalistas com métodos da classe operária ou não? Os enfrentamentos dentro das forças repressivas da base contra a cúpula militar favorecem os trabalhadores ou fortalecem o Estado burguês? Criam ou não melhores condições na preparação de uma situação revolucionária e para a destruição dessas instituições repressivas? É melhor que triunfem ou que sejam derrotados? Para nós, as respostas são afirmativas, e por isso nossa política é apoiar essas lutas.
O PTS e o Novo MAS tiram conclusões opostas. Para eles, são lutas reacionárias e é preciso opor-se a elas. Assim, deixam de lado as frases “esquerdistas”, fazem um grande favor à burguesia, porque acabam militando para a derrota de processos progressistas, e dessa forma, distanciam a classe operária de uma política de destruição dessas instituições.
Nisso queremos ser categóricos: essas organizações acabam fazendo unidade com a burguesia, com os governos e com os regimes capitalistas. Por exemplo, o Novo MAS agregou em sua análise, para justificar o rechaço a essa luta, uma suposta “dinâmica perigosa de questionar pela direita as autoridades constituídas”. Esse partido, assim como toda patronal e o governo argentino, ficou alarmado porque uma possível vitória da luta salarial dos gendarmes insubordinados colocava “em questão sua subordinação ao poder político”. Poder política de quem? Não pode ser outro que não o da burguesia argentina por intermédio do governo de Cristina K.
Acreditamos que essa análise é totalmente equivocada. Nunca se tratou de uma tentativa de golpe, mas sim de uma luta salarial. Poderia ter sido uma intentona golpista que questionasse as liberdades democráticas, mas não foi. Inclusive nesse marco, porém, a partir do profundo erro de caracterização, a política do MAS é totalmente inconsequente, porque, se estivéssemos diante de um golpe militar, deveria haver um chamado aos trabalhadores e até mesmo a setores burgueses “institucionalistas” a uma ampla unidade de ação para enfrentar com mobilizações esse potencial golpe reacionário. Em outras palavras, no marco de uma análise totalmente equivocada, um abstencionismo criminoso frente ao suposto golpe que denunciam.
Mas, como nunca se tratou de um golpe, concretamente ficaram defendendo as “autoridades constituídas” de uma luta salarial que as enfrentava como “poder político”. Tal foi o papel vergonhoso do Novo MAS – que disse abertamente – e também do PTS.
Finalmente, digamos que a principal organização de esquerda argentina, o Partido Obrero (PO), não teve uma posição política frente ao ocorrido. Ainda que pareça inacreditável, em seus materiais há muitas análises sobre o que gerou esse conflito, mas é impossível saber se o PO estava a favor ou contra a luta dos gendarmes e dos policiais navais. Frente a um fato que sacudiu a vida política da argentina, o PO disse “obrigado, eu não fumo”, ou seja, não tomou partido frente a esse enfrentamento, o que equivale também a uma posição pacifista e uma capitulação ao governo e às cúpulas militares.
[1] La protesta de los represores abrió una crisis política, 4/10/2012, disponível no site do PTS.
[2] ROS, Jonatan. “La continuación del pacifismo por otros medios”, 18/10/2012, publicado em La Verdad Obrera, nº 497.
[3] ROJO, José Luis. “Un análisis de clase de las fuerzas de seguridad”, 18/10/2012, publicado no site de Socialismo o Barbarie, corrente internacional liderada pelo Novo MAS argentino.