Cleuton Araújo, de Fortaleza (CE)

“Quando eu morrer
Não quero choro, nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela
Se existe alma
Se há outra encarnação
Eu queria que a mulata
Sapateasse no meu caixão”

Há 85 anos o Brasil perdia o compositor e cantor Noel Rosa, um dos nomes mais importantes de nossa música

Noel de Medeiros Rosa nasceu no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, em 1910. Pertencia a uma família de classe média baixa, a mãe era professora primária (ensinava em casa) e o pai exercia atividades diversas (em negócios instáveis e com dívidas recorrentes).

O parto de Noel foi bastante complicado e prolongado, deixando graves sequelas. O médico o fez a fórceps, e o instrumento causou fratura e afundamento do maxilar inferior, além de uma leve paralisia na face direita. Durante a infância do garoto, a família tentou vários procedimentos médicos para atenuar os problemas decorrentes, mas sem sucesso.

Desde muito novo Noel nutria o gosto pela música. O primeiro instrumento que lhe veio às mãos foi o bandolim. Com ele acompanhava os saraus familiares. Aos treze anos já demonstrava desembaraço e sentimento nas interpretações musicais. Nessa mesma época, ele ingressa no tradicional Colégio São Bento. Pouco depois passou para o violão. Aos quinze anos já solava com maestria. Entretinha-se com o instrumento por longas horas do dia. Ao passo que Noel ia ganhando fama em seu bairro, o rendimento escolar decrescia.

Com dificuldades, consegue concluir seus estudos no São Bento. E enquanto a família torce pelo ingresso de Noel na faculdade, o jovem Poeta prezava bem mais as rodas de samba. Para alegria de sua mãe, após algumas tentativas, Noel ingressa na faculdade de Medicina em 1931. Neste período já tinha mais de vinte canções gravadas, como Com que Roupa? e Gago Apaixonado. Participa do grupo Bando de Tangarás e posteriormente no respeitado Ases do Samba, de Ismael Silva e Mário Reis. Daí não tarda e Noel abandona a Medicina, trocando a faculdade pelo samba, para a tristeza da família.

“Eu fui educado na roda de bamba
E fui diplomado na escola de samba
Sou independente conforme se vê”

Até 1937, ano de sua morte, Noel produziu intensamente. Mas como vários artistas, tinha pouca habilidade com dinheiro e passou por maus bocados. Assim como o genial Cartola e muitos outros, Noel também foi vítima de empresários do ramo fonográfico. Perdia direitos autorais e assinava péssimos contratos.

“O mundo me condena, e ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fome
Mas a filosofia hoje me auxilia
A viver indiferente assim”

Noel faleceu muito precocemente, aos 26 anos de idade, em 4 de maio de 1937. As noites em claro, o consumo excessivo de álcool e a má alimentação foram um prato cheio para a tuberculose se instalar de forma mortal no pulmão do Poeta.

O Poeta da Vila compôs cerca de 250 músicas, a maior parte em um período de cinco anos. Dois grandes clássicos do repertório de Noel são Filosofia (em parceria com André Filho) e a marchinha Pierrot Apaixonado (com Heitor dos Prazeres). Com o parceiro Vadico, Noel compõe Conversa de Botequim, Feitiço da Vila, Pra que Mentir e Feitio de Oração. Entre seus parceiros mais duradouros estão Braguinha, Lamartine Babo e Cartola. Cabe também ressaltar a polêmica entre Noel e Wilson Batista, que durou cerca de três anos e rendeu várias composições importantes para ambos.

Para Noel Rosa, “o samba é a voz do povo. Sem gramática, sem artifício, sem preconceito, sem mentira”. E “o mundo é um samba em que eu danço sem nunca sair do meu trilho”.

Para além de músico excepcional, o Poeta da Vila soube retratar muito bem as transformações sociais, culturais e econômicas de seu tempo. Como um cronista popular de incrível talento, soube revelar muito bem a vida cotidiana do Rio de Janeiro no início do século XX.