Putin e o presidente da Fifa, Gianni Infantino

Quem observa de longe poderia acreditar que Vladimir Putin “é o cara!”. Chegou a ser considerado o homem mais poderoso do mundo pela revista Forbes há não muito tempo. Vem renovando o segundo maior exército e arsenal do mundo, recém anunciou novas “superarmas” capazes de atingir qualquer alvo em qualquer país do mundo. Anexou a Crimeia e tem o controle de um pedaço do leste da Ucrânia, atua como protagonista na guerra na Síria, responde às sanções dos países ocidentais com contra sanções, exporta gás e petróleo para o mundo todo, em especial para a Europa. Quando provocado responde grosso, como na recente crise diplomática com a Inglaterra ou na tensão atual com os EUA sobre Síria, “ajudou a eleger” Donald Trump, organizou a Olimpíada de Sochi e agora a Copa do Mundo na Rússia. E por fim se reelegeu com 70% de votos, estando já há 18 anos no poder.

Mas olhando mais de perto, as coisas são bem diferentes. No que é seu plano estratégico, Putin tem acumulado contradições e derrotas.

O projeto estratégico de Putin é o mesmo da alta burguesia russa, cujo setor amplamente dominante é o setor exportador de recursos minerais (petróleo e derivados, gás, minerais, metais e fertilizantes). São os chamados “oligarcas russos”. Sua posição se resume a manter boas relações com o imperialismo, para que este invista capitais e tecnologia na exploração dos recursos naturais da Rússia, para que esta possa então tranquilamente exportá-los ao imperialismo ou às suas fábricas na China. Nas próprias palavras de Putin, “criar a maior zona de livre comércio do mundo, de Lisboa a Vladivostok”. Mas a realidade vem estragando estes planos, empurrando para um enfrentamento entre Putin e os principais imperialismos.

É verdade que Putin anexou a Criméia e controla parcialmente uma parte do leste da Ucrânia, mas ao custo de haver perdido a Ucrânia como um todo, além de pagar caro pelas sanções ocidentais, que tem criado grandes problemas à burguesia russa (limitação de acesso ao mercado de capitais e a tecnologias sensíveis). Toda sua ação na Síria tem lhe custado, além dos gastos militares, um crescente desacordo com as potências europeias e norte-americana e agora ainda novas e pesadas sanções. Ao mesmo tempo, se acumulam dificuldades e problemas na Síria, de onde ele chegou a anunciar a retirada das tropas e teve que voltar atrás, com seguidas notícias negativas sobre mercenários russos mortos e aviões derrubados. Não consegue se retirar nem consegue uma vitória rápida.

Há um setor da burguesia russa lucrando com as intervenções militares de Putin, a burguesia do complexo industrial militar, que vive de compras estatais. Mas pelo seu peso econômico, este setor não pode se comparar ao setor exportador de recursos naturais.

Os próprios investimentos militares, em função de sua primitiva economia, na verdade vêm no sentido de preservar aquela que é a última carta da burguesia russa na arena mundial, a força militar herdada da antiga União Soviética (URSS). É sem dúvida uma carta importante, mas a última.

As agressões militares na Síria e Ucrânia e os grandes investimentos militares não são expressão de um avanço da burguesia russa, com ambições crescentes na arena mundial, nem tampouco uma manobra para negociar em melhores condições com o imperialismo. São uma reação defensiva de um regime autoritário em luta por sua sobrevivência. A revolução na Ucrânia ameaçava estender-se até Moscou, assim como a Primavera Árabe ameaçava alastrar-se para o Cáucaso e outras regiões muçulmanas vizinhas à Rússia. Por isso Putin, para salvar sua pele, foi obrigado a agir, e duramente.

As revoluções ucranianas e síria ameaçavam ainda a base militar na Criméia, onde está estacionada a Frota do Mar Negro, além de fábricas militares do leste da Ucrânia, insubstituíveis para o Complexo Industrial Militar russo, assim como de sua base militar na Síria, onde fica a Frota do Mar Mediterrâneo. Isso seria um grande golpe para as Forças Armadas russas que, como vimos, são a última carta importante do regime de Putin na arena internacional.

A tão desejada por Putin vitória eleitoral de Trump foi uma decepção total. Trump não só manteve as sanções de Obama, como agora as ampliou. E as Olimpíadas e Copa de Mundo não lhe livraram sequer da vergonha das sanções pelo escândalo de doping de seus atletas.

O recente escândalo Skripal (envenenamento de ex-espião russo e sua filha na Inglaterra), detonou grave crise diplomática com os países ocidentais, deixando Putin em situação desconfortável. Putin não tem conseguido recompor suas relações com o imperialismo, o que lhe gera dificuldades crescentes.

Putin recém venceu as eleições e ainda conta com apoio popular dentro da Rússia, mas num marco de crescente pessimismo e descontentamento. Sua vitória eleitoral já não foi como as anteriores, com a euforia de que “A Rússia está se reerguendo! ”, mas na esperança de que “não vá tudo de vez para o buraco”. E venceu num marco de total ausência de alternativa eleitoral. Hoje Putin segue sendo o único capaz de unificar as frações fundamentais da burguesia russa, mas no marco de um aumento das contradições.

As únicas vitórias de fato de Putin tem sido sua capacidade em impor derrotas à luta dos trabalhadores e povos oprimidos. Tem nas mãos o sangue das revoluções síria, ucraniana e egípcia, o que foi fundamental para impedir (ao menos por enquanto) a revolução árabe de “contaminar” o Cáucaso e outras regiões muçulmanas da Rússia e países vizinhos. Assim como impedir o levante ucraniano de se alastrar à Rússia. Conseguiu derrotar as lutas por independência dos povos do Cáucaso. Tem conseguido manter em coma profundo a classe trabalhadora russa.

Putin conseguiu converter a Rússia em um bastião da contrarrevolução, com significado não somente regional. Uma derrota sua teria profundas consequências para a luta dos trabalhadores de todas as ex-repúblicas soviéticas, do Cáucaso[1], do Leste europeu e do Oriente Médio. Ele por enquanto segue no jogo, mas cada dia com mais problemas.

 


[1] No momento em que traduzíamos este artigo, se iniciavam grandes manifestações na capital da Armênia